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As empresas mais sustentáveis e mais rentáveis são as mais diversas

Em entrevista, Gilberto Costa afirma que a dupla diversidade e inclusão vai ajudar empresas a serem sustentáveis no longo prazo

Indústria só será mais sustentável quando incluir a pauta racial (Bússola/Gilberto Costa/Divulgação)

Indústria só será mais sustentável quando incluir a pauta racial (Bússola/Gilberto Costa/Divulgação)

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Publicado em 26 de setembro de 2022 às 12h30.

Olhar para o lado e praticamente não ver nenhum outro negro na empresa. Ou ainda não ter nenhuma figura negra em cargo de liderança para ser fonte de inspiração. Foi essa realidade que, há cerca de dez anos, chamou a atenção de Gilberto Costa, hoje executivo no JP Morgan e diretor do Pacto de Promoção da Equidade Racial.

Desde então, Gilberto se engaja na busca por diversidade dentro da indústria e do terceiro setor. Há aproximadamente dois anos, o executivo se envolveu na criação do Pacto de Promoção da Equidade Racial, que tem o objetivo de promover ações em prol da equidade racial. Por meio de um cálculo matemático auditável e com garantia de transparência e sigilo de dados, é disponibilizado para a empresa que aderir ao pacto um índice que mostra se ela está mais ou menos perto da equidade racial na região em que ela atua.

Já aderiram ao pacto, empresas como Grupo Rico, Banco BNP Paribas, Ambev, Vale do Rio Doce, Grupo Fleury, Banco Pan, Banco Fibra, XP, Suzano, Federação dos Bancos (Febraban), B3, entre outras.

Costa assegura que a ideia não é dar "selo de melanina", nem punir, mas promover objetivamente a diversidade dentro das empresas, com possibilidade de mensuração. Embora otimista com a ideia, o executivo ressalta que buscar equidade exige investimento financeiro. "A gente sabe que essa mudança não vai acontecer amanhã. Ela vai demorar uma década para mudar", declara.

Carioca, criado em Caxias, Costa estudou em escola pública. Por incentivo familiar, seguiu a mesma carreira do pai e entrou no serviço militar, mas sete anos depois migrou para o mercado financeiro. Trabalhando entre Rio de Janeiro e São Paulo, percebeu a falta de diversidade. Para ele, a indústria só será mais sustentável quando incluir a pauta racial.

"Durante muito tempo, as organizações não acreditavam que sustentabilidade e diversidade de inclusão caminhavam juntas. Porém, empresas com mais diversidade são aquelas que tomam decisões melhores", diz.

Bússola: Por que incluir a questão racial na agenda da sustentabilidade?

Gilberto Costa: Durante muito tempo, as organizações não acreditavam que sustentabilidade e diversidade de inclusão caminhavam juntas. Era assim: "Se eu quero ser sustentável e rentável no longo prazo, diversidade e inclusão têm que ser uma coisa voltada pro meu braço de filantropia". Mas não é isso.

A dupla diversidade e inclusão é que vai ajudar as empresas a serem sustentáveis no médio e longo prazo. Quem quebrou esse tabu foi a [empresa de consultoria norte-americana] McKinsey & Company, que fez um estudo sobre a América Latina e mostrou que as empresas mais sustentáveis e mais rentáveis são as mais diversas. Então, quebrou o paradigma de que rentabilidade, sustentabilidade, diversidade e inclusão não se falam.

Pelo contrário. Empresas com mais diversidade são aquelas que tomam decisões melhores porque você não tem só pessoas parecidas, homens brancos, heterossexuais com 50 anos de idade tomando decisão. Você passa a ter pessoas com realidades diferentes em cargos de liderança, decidindo os rumos da companhia.

Bússola: Em que momento você percebeu a necessidade de uma medida mais enérgica para promover equidade racial no mercado de trabalho?

Gilberto Costa: Trabalhei em grandes organizações tanto no Rio de Janeiro quanto em São Paulo, e foi onde eu comecei a me aproximar mais da questão social e racial e do voluntariado. Nos últimos dez anos, tenho atuado com mais força em relação à equidade racial. Não só na indústria financeira, que eu faço parte, mas também em organizações do terceiro setor.

Há uns dois anos, um grupo de pessoas voltadas ao terceiro setor se reuniu para discutir a desigualdade racial no nosso país. A conclusão foi de que muito tem sido feito, mas de que é preciso dar um salto. E esse salto, necessariamente, passa por ter o apoio dos investidores institucionais, dos acionistas das empresas, não só dos braços de filantropia.

Para isso, é preciso um protocolo com pilares mensuráveis, auditáveis e claro sobre o quanto a empresa está mais ou menos perto da equidade racial na região em que ela atua.

Bússola: Foi nesse momento que nasceu o pacto?

Gilberto Costa: Sim. Há quase dois anos, foi lançado o Índice de Equidade Racial, que é basicamente feito com dados oficiais da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que a empresa precisa enviar para o Ministério do Trabalho. A quantidade de pessoas negras naquela empresa é ponderada pelo nível de cargo e salário, comparado com a quantidade de pessoas negras na região em que ela atua.

Esse é um ponto super importante porque regionaliza. A realidade racial é muito diferente em cada região. Também é essencial dar peso para os cargos de maior remuneração. Nós sabemos que, na maioria das empresas, as pessoas negras ainda estão na base da pirâmide.

Outro ponto importante é que o pacto foi criado com a participação efetiva de representantes da comunidade negra. Então, foi criado um modelo matemático de mensuração, porque, por muito tempo, as empresas implementaram ações afirmativas, mas isso não era mensurável.

Por último, o pacto oferece uma certificação anual. Nós aqui temos uma grande preocupação em dar transparência a tudo isso. Então, além de usar dados oficiais, de trazer essa discussão para um momento muito objetivo, sem subjetividade, nós entendemos que é importante que tudo isso gere um relatório que seria muito parecido com os relatórios de sustentabilidade. É um relatório de equidade racial que pode ser validado por um terceiro, ser auditado e ser certificado anualmente.

Bússola: Como o senhor avalia este primeiro ano do pacto?

Gilberto Costa: Não completamos nem um ano e já temos mais de vinte empresas que aderiram ao pacto. Acabamos de formalizar a adesão de mais duas empresas, Grupo Rico e Banco BNP Paribas. Dentro dessas empresas, nós temos Ambev, Vale do Rio Doce, Grupo Fleury. Banco Pan, Banco Fibra, XP, Suzano, Federação dos Bancos (Febraban), B3. Várias empresas desse grupo móvel [pequenas empresas que se unem] até gigantes.

Isso mostra o quanto as empresas estão entendendo o valor dessa iniciativa. Vou deixar muito claro que o pacto não é uma consultoria, nós não vendemos selo, não damos “crédito de melanina”. Trabalhamos com base em números, em protocolo muito bem estabelecido e queremos dar transparência, ajudando as empresas a navegar no ambiente de desigualdade racial.

Também é importante ressaltar que o pacto não está aqui para punir as empresas. Nosso objetivo, pelo contrário, é trabalhar junto com as empresas.

Bússola: Qual o principal desafio que vocês encontraram ao executar o projeto?

Gilberto Costa: Acho que o grande desafio para a sociedade brasileira é a mensuração, com dados reais. Usamos dados oficiais, a Rais é um dado oficial. Estamos, aos poucos, quebrando essa barreira, dando às empresas o conforto necessário de que essas informações são tratadas com sigilo e com respeito à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais).

Com os dados, vemos o que é possível fazer. No protocolo racial, temos tanto sugestão de ações afirmativas que podem ser implementadas, quanto sugestão do quanto a empresa precisa investir. Combater o racismo passa por investimento, sim. Não adianta querer combater o racismo sem investimento.

Bússola: Qual a perspectiva de mudança estrutural, vai demorar muito?

Gilberto Costa: Nos Estados Unidos, há várias empresas investindo na formação de jovens negros, em empreendedorismo negro e em crédito para a população negra. Com isso, começa a gerar riqueza dentro da comunidade negra. Essas pessoas passam a ter acesso à melhor educação, melhor formação técnica, saúde pública, etc.

No caso do Brasil, a sociedade ainda está muito focada em ações afirmativas. O empreendedor negro ainda carece de investimento. Tem uma série de barreiras que acabam não dando acesso a esses empreendedores nas organizações em que eles querem atuar.

As ações afirmativas do letramento racial são ótimas, mas não vão resolver o problema do médio longo prazo.

A gente sabe que essa mudança não vai acontecer amanhã. Ela vai demorar uma década para mudar. Então, nosso papel como grupo é municiar as empresas com dados que ajudem a trabalhar a pauta racial.

Bússola: O senhor costuma dizer que a ação afirmativa sozinha não resolve. Por quê?

Gilberto Costa: Ação afirmativa é importantíssima, resolve o problema no curto prazo. Para garantir sustentabilidade no médio e longo prazo, é preciso investir na formação técnica, em educação pública para a comunidade negra, empreendedorismo negro. É preciso investir em ações que garantam a perpetuidade, que garantam que vamos formar mais e mais pessoas negras tecnicamente habilitadas para entrar nas organizações.

Não podemos tirar do nosso radar que há várias pessoas que nem terminaram o ensino médio. Temos inclusive uma tabela, com uma sugestão de percentuais de investimento social privado na equidade racial.

Este artigo é uma publicação conjunta entre Bússola e Indústria Verde

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