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Um ano de mandato depois, qual é a base do governo Bolsonaro?

Dados mostram um presidente com aprovação relativamente baixa, mas estável; para pesquisadora, ele decidiu falar só com sua base

"Bolsonaro age como alguém que ainda está em campanha", diz pesquisadora (Adriano Machado/Reuters)

"Bolsonaro age como alguém que ainda está em campanha", diz pesquisadora (Adriano Machado/Reuters)

São Paulo - A alguns dias de completar o seu primeiro ano como presidente da República, Jair Bolsonaro tem uma aprovação menor do que tinham Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff a esse ponto nos seus respectivos primeiros mandatos.

No entanto, as mesmas pesquisas de opinião, feitas em abril, julho, agosto e dezembro pelo Datafolha, mostram que Bolsonaro manteve uma estabilidade notável de aprovação, variando entre 29% e 33%.

Isabela Kalil, cientista política, antropóloga e autora do livro “As origens do bolsonarismo” diz que há um fenômeno novo na política brasileira, em que o presidente fala com sua base e demonstra desinteresse em ampliá-la.

A estabilidade da aprovação ocorre em um governo que não parece nada estável, marcado por atitudes erráticas e uma série de crises políticas, ambientais e institucionais.

Em maio, várias cidades tiveram protestos de grande escala em defesa da educação após o anúncio de contingenciamentos das verbas das universidades federais e cortes de bolsas de pesquisa. 

Já o mês de agosto foi um dos mais turbulentos, com a escalada da crise das queimadas na Amazônia que gerou forte repercussão internacional.

A pesquisa de agosto foi a que mostrou a maior variação negativa da avaliação do governo, com o índice de desaprovação saltando de 33% para 38%.

De forma geral, o apoio ao presidente é maior entre os brancos, homens e mais ricos (aqueles que ganham mais do que cinco salários mínimos).

Em todas as avaliações a reprovação foi maior entre as mulheres do que entre os homens, outro fenômeno que vem desde a eleição. 

Isabela Kalil avalia que a estratégia do governo para se blindar tem como um dos pilares a criação de narrativas alternativas próprias.

Leia a entrevista completa:

Isabela Kalil

EXAME: No início do ano, 65% da população acreditava que o Bolsonaro faria um bom governo. Três meses de governo depois, sua aprovação era a metade disso. Por que há essa discrepância?

Isabela Oliveira Kalil: O Bolsonaro se elege em um contexto eleitoral atípico, em que uma parcela votou nele por falta de escolha.

Não porque tinha simpatia ou acreditava no projeto, mas porque desacreditava de qualquer outro projeto. Atípico também porque o primeiro colocado nas pesquisas [Lula] estava preso, e ele no hospital. 

Existe um contexto social mais amplo que o beneficia. As pessoas que não apoiavam seu projeto, mas votaram nele, não se sentem traídas porque o projeto não era delas.

Havia um cenário de descrença na política que nos ajuda a entender porque as pessoas tinham uma expectativa alta e depois não respondem a ela sem maiores problemas.

Isso significa que seus eleitores foram motivados pelo antipetismo?

Boa parte pelo antipetismo, mas não só. Se formos pensar em 2018, mesmo que não fosse o PT no segundo turno, talvez teríamos um cenário parecido.

Isso porque Bolsonaro se apresentou como uma figura anti-sistema, fora do establishment, que não pertence à velha política. Há uma ideia de que a classe política é toda corrupta, e ele se apresentou como alguém que estava fora da política tradicional, mesmo com quase 30 anos em cargos políticos. 

Se as pessoas estivessem acreditando nas instituições, na democracia, no processo eleitoral, e a desesperança estivesse só no petismo, haveria uma reação pública somada a essa quebra de expectativa.

O Bolsonaro amplia um processo de criminalização da política no Brasil. O Doria, por exemplo, se elegeu com o discurso de não ser político, mas sim gestor. Ou seja, não é um fato isolado. 

O que explica a aprovação estável de Bolsonaro ao longo das quatro pesquisas?

Se olhássemos para pesquisas de governos anteriores, não seria normal um presidente manter apoio de só um terço da população e dizer que não governa para esses outros dois terços, que não têm interesse neles. Isso é novo na política brasileira. 

Desde a redemocratização, nós não tivemos um político que explicitamente se colocou de maneira seletiva. Você parte do pressuposto que uma vez eleito não há mais preferência, que você vai governar para toda a população.

Mas Bolsonaro age como alguém que ainda está em campanha, dividindo a sociedade entre aliados e inimigos. Aceitar uma posição de seletividade de um presidente é normalizar algo preocupante. 

Há estratégia para se proteger de crises como os protestos pela educação ou as queimadas na Amazônia?

Há a criação de narrativas próprias que favorecem o governo, independente do que está acontecendo. Na questão das queimadas, o governo criou uma narrativa de que não tinha envolvimento com o que estava acontecendo, e responsabilizou as ONGs.

Esse discurso cria a percepção de que o governo é a verdadeira vítima. A questão da educação é algo sempre presente mesmo entre os apoiadores, mas não a ponto de modificar a opinião pública. 

É preciso levar em consideração quais narrativas chegam até esses eleitores. Eles são informados através de canais específicos, de influenciadores alinhados e com narrativas favoráveis ao governo 

A criação do novo partido, a Aliança pelo Brasil, tem grande impacto entre os apoiadores?

O processo mais significativo desde o início do mandato foi a criação de um novo partido, em que Bolsonaro encontrou uma saída para as críticas de que algumas promessas, como ampliação da posse de armas e combate à corrupção, não foram cumpridas. 

Ao romper com o PSL, ele cria a percepção de não houve avanço por conta da corrupção interna. Ele acusa o partido de não agir de forma adequada e cria uma expectativa em torno do novo projeto.

Então sempre há uma justificativa: se as promessas não saírem do papel, é porque estão no processo de criação da legenda. Caso a Aliança pelo Brasil não saia, a culpa vai ser da Justiça Eleitoral. 

Na sua pesquisa, você conseguiu identificar o perfil dos apoiadores de Bolsonaro, aqueles que mantêm o nível de aprovação do presidente?

Há uma diversidade: bolsonaristas convictos, apoiadores da Lava Jato, aqueles que querem uma ruptura institucional como fechamento do Congresso ou a intervenção militar, e os eleitores pragmáticos.

Estes são aqueles que dizem que é cedo para fazer uma avaliação e para cobrar. São aqueles mais condescendentes com os processos, que pregam otimismo e dizem que um ano é pouco para restaurar a devastação que o PT causou em 14 anos no poder. 

Os apoiadores da Lava Jato são parte da base de Bolsonaro, mas Moro é melhor avaliado.

A principal questão é o histórico da Lava Jato. Mesmo entre as pessoas que entendem que o desempenho do Moro não é o ideal, há uma aproximação da imagem dele e da Lava Jato, e uma associação com a prisão do Lula.

É como se a presença dele, mesmo sem relação direta com a operação, fosse suficiente para dar continuidade a ela. A percepção é de que, mesmo que não promova avanços, ele impede retrocessos. 

A melhora na economia contribui para Bolsonaro manter a aprovação de um terço da população? 

É um fator importante, mas é importante dividir. Uma coisa é o fato, a outra é a percepção. Um exemplo disso é colocar outro político na situação dele.

Se o Haddad fosse presidente e o dólar estivesse sendo vendido a R$ 4,20, a reação pública seria grande. Por isso é importante ampliarmos a ótica para a narrativa que está sendo criada.

Apoiadores usam a justificativa de que as pessoas estão nas ruas fazendo compras de fim de ano, por exemplo, sem uma reflexão mais aprofundada sobre o tema.  

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