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Todas as incertezas da reforma trabalhista

São tantas indefinições que mesmo seus maiores defensores afirmam que o incremento de empregos e de produtividade vai demorar a acontecer

Trabalhadores da indústria (Reprodução/Agência Brasil)

Trabalhadores da indústria (Reprodução/Agência Brasil)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 11 de novembro de 2017 às 09h12.

Última atualização em 15 de novembro de 2017 às 11h00.

Chegou a data esperada por empresários e vista com receio por empregados: neste sábado entra em vigor a reforma trabalhista, que altera cerca de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, em busca de aumento de produtividade e empregos. Coube ao ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, fazer um pronunciamento em rede aberta de rádio e TV na noite de ontem para convencer os brasileiros que o governo tem um plano para alavancar o país.

A reforma tem inquestionável importância econômica, mas cumpriu um papel sobretudo político. Passado o escândalo da delação de executivos do grupo J&F, o enfraquecido governo do presidente Michel Temer buscava desesperadamente uma agenda positiva para chamar de sua. O alvo foi a reforma trabalhista, uma pauta defendida por empresários há muitos anos. Àquela altura, a arapuca montada por Joesley Batista, que gravou o presidente, ainda era viva no noticiário.

No dia 29 de junho, Temer enviou uma carta aos senadores, prometendo corrigir quaisquer distorções e polêmicas no texto da reforma trabalhista para que ela fosse aprovada pela Casa a toque de caixa. “Quero aqui reafirmar o compromisso de que os pontos tratados como necessários para os ajustes (…) serão assumidos pelo governo, se esta for a decisão final do Senado da República”. No dia 11 de julho, a reforma foi aprovada no Senado para, dois dias depois, ser sancionada pelo presidente.

Passados 120 dias da sanção presidencial, a reforma trabalhista entra em vigor neste sábado. Advogados trabalhistas, associações de classe e  oposicionistas ao governo dizem que o texto em vigor é demasiadamente aberto e abrirá espaço para insegurança jurídica. Até porque até hoje não se sabe se o texto aprovado é de fato o que valerá na prática.

Na tarde de sexta-feira, o G1 publicou reportagem com alguns pontos que o governo pretende mexer via projeto de lei. A informação não foi confirmada à reportagem pela Casa Civil nem pelo Palácio do Planalto. O governo, segundo o G1, promete estabelecer o regime 12 por 36 horas apenas para o setor de saúde ou mediante a aprovação em convenção coletiva, que trabalhadores em regime intermitente que fixarem contratos de tempo indeterminado possam retirar 80% do FGTS e tenham carência de 18 meses para voltar a prestar serviço para a contratante e retira a possibilidade de fixar contratos de exclusividade com trabalhadores autônomos, o que criaria ajuste para a “pejotização”.

Ao deixar de cumprir o que prometeu, alterando o texto antes de a lei entrar em vigor, Temer deu um prato cheio à oposição. Com a hashtag #NósAvisamos, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) fez uma contagem regressiva em suas redes sociais do primeiro ao 120º dia em que o peemedebista “enganou o Senado” e não apresentou as MPs. “A lei é abrangente nos artigos sobre gestantes e lactantes em local insalubre, deveria impor limites para o trabalho intermitente, para a jornada de trabalho de 12 por 36 horas, dar garantia à participação sindical nas negociações coletivas, desvincular o valor salarial para indenização por danos extrapatrimoniais”, diz Grazziotin a EXAME.

O fato é que as incertezas são tantas que os efeitos benéficos da lei para aumentar a produtividade das companhias devem ser postergados. As movimentações das empresas devem esperar as primeiras interpretações de juízes do trabalho. Apesar de inúmeros pontos benéficos para modernizar as relações trabalhistas no país, a nova lei entra em vigor sem cumprir o que prometia: acelerar com urgência as contratações no país. A segunda-feira deve ser como outra qualquer.

Geração de empregos

A crise econômica colocou o Brasil em uma das piores situações de desemprego da história recente. Desde que iniciou a escalada, em trimestres da pesquisa Pnad Contínua do IBGE, passou de 6,5% de outubro a dezembro de 2014 até o pico de 13,7% de janeiro a março deste ano. Dali, passou a diminuir lentamente, chegando ao terceiro trimestre deste ano em 12,4%.

Apesar da reação, as plataformas de emprego criadas são majoritariamente informais. “O desemprego cai à medida que aumenta a geração de vagas sem carteira ou por conta própria. Na outra ponta, o trabalho com carteira assinada está nos menores níveis da série histórica”, disse o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo, em entrevista coletiva na divulgação dos resultados.

O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, do Ministério do Trabalho, é quem mede o crescimento de vagas formais. O balanço para setembro teve saldo positivo de 34.400 vagas criadas, sexto aumento consecutivo neste ano. Mesmo com melhora, os avanço são modestos e o acumulado em 12 meses está negativo em 466.000 cargos.

Segundo empresários, a modernização das regras da CLT criam um ambiente mais competitivo, com a diminuição dos pesados encargos trabalhistas, além de dar segurança jurídica ao empregador. A junção de fatores, junto com a retomada do consumo das famílias, geraria caixa para investir e contratar. “Vemos vários benefícios para o trabalhador. Pode fracionar férias e negociar condições de trabalho específicas. Pode combinar trabalhar de casa”, diz Sylvia Lorena, gerente executiva de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria, em entrevista a EXAME. “A resistência acontece porque tudo que é novo mexe um pouco com os ânimos, mas uma leitura atenta da lei mostra que ela busca o diálogo, aproximar o trabalhador da empresa e buscar soluções de consenso. Cabe aos sindicatos lutar pelo interesse das categorias”.

O setor industrial e de varejo, diz a Pnad Contínua do IBGE, são dois dos setores que mais criaram empregos. Também dois dos quais mais empolgados com a entrada em vigor da reforma trabalhista, sob a égide de criação de novas vagas com a flexibilização das regras. A indústria de transformação gerou 25.700 novos postos de trabalho e o comércio, outros 15.000. EXAME entrou em contato com cinco empresas entre as com maior força de trabalho no setor – BRF, Chevrolet, Mercedes-Benz, Natura e Volkswagen – e nenhuma quis comentar o que mudará na cultura de contratação depois da reforma trabalhista.

Nas entidades que representam os setores, o clima é de animação. Para Antonio Megale, presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), o número de ações trabalhistas é um dos fatores que engessam as contratações em um momento que o mercado automotivo vai lentamente retomando vigor. Em coletiva na quinta-feira, a associação anunciou que a produção de veículos no Brasil, em outubro, subiu 42,2% em relação ao mesmo mês do ano passado. O número de vagas, contudo, cresceu apenas 2,5% e o nível de ociosidade das fábricas é de quase 50%.

“A reforma vai resolver problemas que, teoricamente tínhamos resolvido com os sindicatos na mesa de negociação, mas fomos punidos nos tribunais. Houve empresas processadas por retirar 15 minutos do almoço dos funcionários mesmo que o trato tenha sido feito na convenção”, diz a EXAME. “O nível de conversa entre empresas e sindicatos é de uma maturidade muito grande. Entre as partes conseguimos chegar ao que é de melhor para ambos”.

O sentimento é parecido nas empresas de varejo. “Encontramos demanda de trabalho intermitente também nos trabalhadores, ou por aqueles que precisam complementar a renda ou pelos que estudam e não podem cumprir o regime de 44 horas semanais. Tudo será pago com pisos de remuneração proporcionais”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo. “O bico existe há anos, não recolhe fundo de garantia e impostos. Agora, temos uma forma nova de formalizar esse trabalho”.

Nenhuma das empresas ou associações, contudo, consegue mensurar o número de vagas que serão criadas ou a possibilidade de investimento que a reforma trará no curto prazo. O motivo, novamente, é a desaparição do governo, pois a segurança jurídica que se promete poder ser revertida a qualquer tempo.

Insegurança jurídica?

Projetos de lei, como o que o governo pretende enviar para alterar a nova lei trabalhista, não têm um tempo mínimo ou máximo para serem aprovados. Mesmo que a expectativa do governo prospere, o país deve viver um limbo entre a entrada em vigor da reforma trabalhista e a chegada dos ajustes. Os senadores seguem em lobby para que as correções sejam feitas por medida provisória, que entram em vigor imediatamente. Nesse meio tempo, o ritmo de eficácia das novas medidas será ditada pela Justiça do Trabalho.

“A lei tem falhas técnicas que deixam mais dúvidas que certezas. Virou uma insegurança jurídica maior do que tentou sanar”, diz a EXAME a juíza do trabalho e presidente da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 1ª Região, Cléa Couto. “Para estudar a lei, a associação fez uma jornada de interpretação para direcionar minimamente o entendimento do texto, mas os juízes são livres para interpretar, seguir ou não. Essa autonomia é uma garantia da categoria”.

Para a magistrada, a saída para reduzir a “judicialização” é o fortalecimento dos sindicatos para que o “acordado sobre legislado”, dispositivo em que o acordo coletivo sobrepõe o texto da lei faça esse equilíbrio. “Estavam confortáveis com o imposto sindical, mas agora são fundamentais”, diz. O pagamento obrigatório às centrais sindicais é mais um ponto que caiu na reforma trabalhista. Todo trabalhador registrado era obrigado a pagar um dia de trabalho aos representantes de classe.

“Há um receio geral de como as questões de dia a dia vão funcionar. As normas coletivas têm um leque aberto do que pode ou não ser tratado”, afirma Clarisse de Souza Rosales, especialista em Direito trabalhista e sócia do escritório Andrade Maia. “Ninguém pode ou vai agir em um campo nebuloso”.

A situação confusa causa preocupação. O Sindicato da Micro e Pequena Indústria encomendou uma pesquisa ao Datafolha para medir o grau de entendimento dos empresários do setor em relação às novas leis. O resultado é assustador: somente 16% das micro e pequenas indústrias conhecem a fundo as mudanças. “Na prática, os 120 dias [entre aprovação da lei e sua entrada em vigor] deveriam ter sido aproveitados. Quais serão as novas regras? O que o Judiciário vai fazer?”, diz Joseph Couri, presidente da entidade. “O incremento de empregos vai acontecer em menor velocidade por conta dessa incerteza”.

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