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Terra indígena xavante volta a ser invadida em Mato Grosso

Desde o fim da retirada de não índios, reserva vem sendo alvo da ação ilegal de madeireiros e invadida por antigos posseiros e trabalhadores rurais

Índios xavantes em dança ritual em Marãiwatsédé: lideranças xavantes denunciaram que ao menos 50 pessoas voltaram a invadir a terra e perseguiram cacique que tentou se aproximar do grupo (Paulo Whitaker/Reuters)
DR

Da Redação

Publicado em 29 de janeiro de 2014 às 18h16.

Exatamente um ano após autoridades federais terem cumprido a ordem judicial que determinava que todos os não índios deixassem voluntariamente ou fossem retirados do interior da terra indígena xavante Marãiwatsédé, em Mato Grosso, um grupo de pessoas voltou a ocupar irregularmente a área. A retirada dos invasores foi concluída no final de janeiro do ano passado.

Desde o fim da chamada desintrusão, ou seja, da retirada dos não índios, em janeiro de 2013, a reserva vem sendo alvo da ação ilegal de madeireiros e invadida por antigos posseiros e trabalhadores rurais que, afirmando não terem para onde ir, exigiam que fossem assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em outras áreas.

No último final de semana, poucos dias após os últimos homens da Força Nacional deixarem a região, lideranças xavantes denunciaram que ao menos 50 pessoas voltaram a invadir a terra indígena e perseguiram um cacique que tentou se aproximar do grupo. Ainda segundo o relato dos índios ao Ministério Público Federal (MPF), boatos davam conta de que outras pessoas logo se somariam aos invasores.

Quando a invasão ainda era iminente, o MPF pediu à Justiça Federal o reforço policial na região. Ao analisar o pedido, o juiz federal Jeferson Schneider, da 5ª Vara, apontou que, ante a "completa ausência das forças de segurança do estado na região" e "da notícia de que existem fundadas razões para se concluir que a terra indígena será novamente invadida", é necessário o reforço do efetivo policial federal na região, limitando o acesso ao interior da reserva.

O juiz determinou ainda que, havendo a invasão, os policiais devem, além de apreender veículos e equipamentos utilizados pelos invasores, identificar os participantes, especialmente as lideranças, para que, se necessário, o MPF possa requisitar a prisão dos mesmos.

Procurada pela Agência Brasil, a assessoria da Polícia Federal (PF) em Brasília informou que agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) já se encontram no local e que a PF, por sua vez, está levantando as informações sobre a situação para, em conjunto com o Ministério da Justiça, definir a linha de atuação para cumprir a decisão judicial, garantindo a segurança da comunidade indígena e a inviolabilidade da reserva.


O medo de um eventual confronto entre índios e não índios levou a prefeitura de Alto Boa Vista, a cerca de 900 quilômetros da capital mato-grossense, Cuiabá, a decretar ponto facultativo ontem (28) e hoje.

"Levamos em conta o risco de um tumulto na retomada. Tanto os antigos moradores quanto os índios e até a polícia acabam nos pedindo coisas, alguns querendo que tomemos partido. E como isso está nas mãos da Justiça, achamos que a prefeitura deve se manter imparcial", disse o prefeito Leuvite Domingues Gonçalves (PMDB) à Agência Brasil. Gonçalves disse não ter visto agentes federais chegando à cidade após a determinação judicial.

Pelas estimativas do prefeito, mais de 270 não índios expulsos da área podem ter voltado a ocupar a área indígena. "São parte das pessoas cadastradas pela prefeitura que estavam vivendo na cidade, muitas vezes de favor na casa de parentes e amigos. A cidade agora está quase vazia e muitas dessas pessoas se espalharam pela reserva, voltando a ocupar as áreas em que viviam antes".

Evitando tecer julgamentos, Gonçalves disse entender a atitude das pessoas que retornaram à área. "É como que um protesto. Eles se cansaram de esperar por uma solução definitiva. Muitos são trabalhadores que estão sem serviço, recebendo cestas básicas, vivendo em locais sem água ou energia elétrica".

Marãiwatsédé fica na região norte de Mato Grosso, a cerca de mil quilômetros de Cuiabá, e possui 165 mil hectares (um hectare equivale aproximadamente às medidas de um campo oficial de futebol).

A área chegou a ficar conhecida como Gleba Suiá Missú, uma alusão à antiga fazenda criada com a ajuda dos próprios índios que viviam na região e, tempos depois, foram expulsos. O Estado brasileiro reconheceu e homologou a área como território tradicional indígena em 1998, mas só em janeiro de 2013 a União conseguiu concluir a retirada dos não índios.

A ação de desintrusão durou dois meses, envolveu homens do Exército, da PF, da PRF, servidores da Funai e de outros órgãos e chegou a ser classificada pelos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria-Geral da República, Gilberto Carvalho, como uma "verdadeira operação de guerra".


Nessa segunda-feira (27), as organizações não governamentais (ONGs) Conselho Indigenista Missionário (Cimi, vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB), Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace e Operação Amazônia Nativa (Opan) apresentaram nota pública manifestando apoio ao retorno da força policial a Marãiwatsédé, pedindo tratamento digno também aos pequenos posseiros que eventualmente estejam no local.

"Essa nova invasão a Marãiwatsédé é mais uma afronta ao direito do usufruto exclusivo das terras indígenas, em meio a ataques à legislação indigenista", sustentam as organizações na nota. "Alertamos sobre a gravidade desse fato e a reincidência de atos de ilegalidade praticados contra as terras indígenas, em total desrespeito aos povos e à Justiça brasileira, solicitando que o Estado brasileiro tome medidas enérgicas para desestimular e punir atitudes criminosas como essa".

Segundo o Cimi, a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que todos os não índios deixassem a área não pode mais ser revertida, pois o caso transitou em julgado, não comportando mais nenhum recurso judicial.

Em outubro de 2013, o STF confirmou decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), reiterando que a posse da terra por não índios era fruto de má-fé, já que eles ocuparam o local sabendo se tratar de terra indígena.

A Agência Brasil não conseguiu contactar as lideranças xavantes em Marãiwatsédé.

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Exatamente um ano após autoridades federais terem cumprido a ordem judicial que determinava que todos os não índios deixassem voluntariamente ou fossem retirados do interior da terra indígena xavante Marãiwatsédé, em Mato Grosso, um grupo de pessoas voltou a ocupar irregularmente a área. A retirada dos invasores foi concluída no final de janeiro do ano passado.

Desde o fim da chamada desintrusão, ou seja, da retirada dos não índios, em janeiro de 2013, a reserva vem sendo alvo da ação ilegal de madeireiros e invadida por antigos posseiros e trabalhadores rurais que, afirmando não terem para onde ir, exigiam que fossem assentados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em outras áreas.

No último final de semana, poucos dias após os últimos homens da Força Nacional deixarem a região, lideranças xavantes denunciaram que ao menos 50 pessoas voltaram a invadir a terra indígena e perseguiram um cacique que tentou se aproximar do grupo. Ainda segundo o relato dos índios ao Ministério Público Federal (MPF), boatos davam conta de que outras pessoas logo se somariam aos invasores.

Quando a invasão ainda era iminente, o MPF pediu à Justiça Federal o reforço policial na região. Ao analisar o pedido, o juiz federal Jeferson Schneider, da 5ª Vara, apontou que, ante a "completa ausência das forças de segurança do estado na região" e "da notícia de que existem fundadas razões para se concluir que a terra indígena será novamente invadida", é necessário o reforço do efetivo policial federal na região, limitando o acesso ao interior da reserva.

O juiz determinou ainda que, havendo a invasão, os policiais devem, além de apreender veículos e equipamentos utilizados pelos invasores, identificar os participantes, especialmente as lideranças, para que, se necessário, o MPF possa requisitar a prisão dos mesmos.

Procurada pela Agência Brasil, a assessoria da Polícia Federal (PF) em Brasília informou que agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) já se encontram no local e que a PF, por sua vez, está levantando as informações sobre a situação para, em conjunto com o Ministério da Justiça, definir a linha de atuação para cumprir a decisão judicial, garantindo a segurança da comunidade indígena e a inviolabilidade da reserva.


O medo de um eventual confronto entre índios e não índios levou a prefeitura de Alto Boa Vista, a cerca de 900 quilômetros da capital mato-grossense, Cuiabá, a decretar ponto facultativo ontem (28) e hoje.

"Levamos em conta o risco de um tumulto na retomada. Tanto os antigos moradores quanto os índios e até a polícia acabam nos pedindo coisas, alguns querendo que tomemos partido. E como isso está nas mãos da Justiça, achamos que a prefeitura deve se manter imparcial", disse o prefeito Leuvite Domingues Gonçalves (PMDB) à Agência Brasil. Gonçalves disse não ter visto agentes federais chegando à cidade após a determinação judicial.

Pelas estimativas do prefeito, mais de 270 não índios expulsos da área podem ter voltado a ocupar a área indígena. "São parte das pessoas cadastradas pela prefeitura que estavam vivendo na cidade, muitas vezes de favor na casa de parentes e amigos. A cidade agora está quase vazia e muitas dessas pessoas se espalharam pela reserva, voltando a ocupar as áreas em que viviam antes".

Evitando tecer julgamentos, Gonçalves disse entender a atitude das pessoas que retornaram à área. "É como que um protesto. Eles se cansaram de esperar por uma solução definitiva. Muitos são trabalhadores que estão sem serviço, recebendo cestas básicas, vivendo em locais sem água ou energia elétrica".

Marãiwatsédé fica na região norte de Mato Grosso, a cerca de mil quilômetros de Cuiabá, e possui 165 mil hectares (um hectare equivale aproximadamente às medidas de um campo oficial de futebol).

A área chegou a ficar conhecida como Gleba Suiá Missú, uma alusão à antiga fazenda criada com a ajuda dos próprios índios que viviam na região e, tempos depois, foram expulsos. O Estado brasileiro reconheceu e homologou a área como território tradicional indígena em 1998, mas só em janeiro de 2013 a União conseguiu concluir a retirada dos não índios.

A ação de desintrusão durou dois meses, envolveu homens do Exército, da PF, da PRF, servidores da Funai e de outros órgãos e chegou a ser classificada pelos ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Secretaria-Geral da República, Gilberto Carvalho, como uma "verdadeira operação de guerra".


Nessa segunda-feira (27), as organizações não governamentais (ONGs) Conselho Indigenista Missionário (Cimi, vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, CNBB), Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace e Operação Amazônia Nativa (Opan) apresentaram nota pública manifestando apoio ao retorno da força policial a Marãiwatsédé, pedindo tratamento digno também aos pequenos posseiros que eventualmente estejam no local.

"Essa nova invasão a Marãiwatsédé é mais uma afronta ao direito do usufruto exclusivo das terras indígenas, em meio a ataques à legislação indigenista", sustentam as organizações na nota. "Alertamos sobre a gravidade desse fato e a reincidência de atos de ilegalidade praticados contra as terras indígenas, em total desrespeito aos povos e à Justiça brasileira, solicitando que o Estado brasileiro tome medidas enérgicas para desestimular e punir atitudes criminosas como essa".

Segundo o Cimi, a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) para que todos os não índios deixassem a área não pode mais ser revertida, pois o caso transitou em julgado, não comportando mais nenhum recurso judicial.

Em outubro de 2013, o STF confirmou decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), reiterando que a posse da terra por não índios era fruto de má-fé, já que eles ocuparam o local sabendo se tratar de terra indígena.

A Agência Brasil não conseguiu contactar as lideranças xavantes em Marãiwatsédé.

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