Temer: não há como fazer uma previsão assertiva sobre o que acontecerá nos próximos dias e semanas (Ueslei Marcelino/Reuters)
Gian Kojikovski
Publicado em 27 de junho de 2017 às 17h35.
Última atualização em 27 de junho de 2017 às 19h51.
Com a primeira denúncia contra o presidente Michel Temer apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na noite desta segunda-feira, começam agora as articulações sobre a sua tramitação na Câmara.
O governo, claro, tentará enterrá-la o mais rápido possível — assim como pretende fazer com todas as outras que surgirão nas próximas semanas vindas da PGR.
A oposição, por outro lado, articula para, se não atingir a marca de 342 deputados que possibilitaria a abertura do processo pelo Supremo, ao menos fazer com que a imagem do presidente sangre o máximo possível.
Nesse cenário, analistas políticos, deputados e senadores ouvidos por EXAME Hoje concordam que a batalha está em campo aberto: não há como fazer uma previsão assertiva sobre o que acontecerá nos próximos dias e semanas.
“Não há nada de novo nesta denúncia. Ela já estava precificada”, diz o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos principais aliados do presidente e parte do núcleo duro do governo.
De fato, a ausência de um “fato novo”, o que no português de Brasília significa qualquer tipo de informação não revelada que comprometeria ainda mais o presidente Temer, reduziu o impacto político da denúncia. Por exemplo: especulou-se por alguns dias que haveria um novo áudio do presidente. Como ele não se mostrou verdadeiro até agora, o jogo segue como estava posto.
Até aqui, o governo confia que terá votos suficientes para barrar a continuidade do processo. “Quem tem que conseguir os 342 votos contrários ao presidente é a oposição”, diz Perondi, que garante que o governo está confiante.
O esperado fato novo, no entanto, poderia mudar o humor dos deputados, responsáveis pela apreciação da denúncia, o que seria a principal aposta da oposição.
Aliados do governo reforçam o discurso de que a disputa não será fácil. “Nada é fácil na vida, tudo precisa ser focado e organizado. Mas um governo determinado não perde essa disputa, por isso não entraremos nessa votação de salto alto”, diz Perondi. O governo acredita ter mais de 200 votos contrários à abertura do processo contra Temer.
De qualquer forma, outros pontos do cenário que se montou nos últimos dias precisam ser levados em conta. Por não precisar passar por uma comissão especial, apenas da tramitação na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário, uma denúncia por crime comum pode ser relativamente rápida. Mas o processo ainda é complicado, mesmo que o impeachment de Dilma Rousseff tenha tornado a retirada de um presidente do posto algo mais tangível.
A baixa popularidade de Temer — 7% de acordo com a pesquisa do instituto Datafolha do último domingo — coloca em situação desconfortável qualquer deputado que tenha que se pronunciar publicamente a favor do presidente.
A greve geral convocada para a próxima sexta-feira, por mais que não deva ser tão grande quanto outras manifestações, também pode ter algum peso, já que estão previstos protestos para as bases eleitorais de deputados e senadores.
No Congresso, a oposição vai tentar protelar ao máximo a tramitação das denúncias, justamente para aproveitar uma possível piora na imagem de Temer para convencer deputados indecisos.
A PGR poderá fazer até quatro denúncias. Além de corrupção passiva, Temer pode responder pelos crimes de obstrução de Justiça, organização criminosa e prevaricação. As sucessivas denúncias devem, pelo que se sabe até aqui, serem apreciadas em separado, o que ocasionaria diversas e desgastantes votações. Quanto mais o tempo passa, maior o risco de um racha na base.
Um termômetro político importante é a votação da reforma trabalhista na Comissão de Constituição e Justiça do Senado nesta quarta. Qualquer ponto fora do planejado pode indicar uma fragilização inesperada da base do governo em uma pauta que, em teoria, não teria maiores dificuldades no momento. Uma reunião marcada na casa do presidente do Senado, Eunício Oliveira, na noite desta terça, dará um indicativo de como seguirão os trabalhos.
“Em um momento como este, em que um presidente está sendo denunciado pela primeira vez na história por um crime comum, quadrilha mesmo, o Senado não pode continuar seus trabalhos como se nada estivesse acontecendo”, diz o senador Paulo Paim (PT-RS), um dos principais críticos das reformas propostas por Temer.
“O governo quer tentar passar a ideia de normalidade, mas isso não existe e todos nós sabemos disso. O país está em conflito, o povo está sangrando, e vamos obstruir a pauta até convencermos os senadores a votarem contra a reforma. Espero que a consciência de cada um pese”, afirma.
Mas, se por um lado Temer vai enfrentar dias difíceis no Congresso, por outro pode ficar mais tranquilo. As ruas calaram com a denúncia. Nenhuma manifestação foi registrada na segunda-feira à noite e a terça-feira também foi calma. Mesmo com a baixa popularidade do presidente, o que pode diminuir o apoio de parlamentares que precisam de votos em 2018, a falta de protestos no momento dá uma folga e uma margem de manobra ao governo.
Os pequenos sinais de melhora na economia são outro ponto favorável a Temer. A bolsa de valores operou estável ao longo de toda a terça-feira, muito diferente do dia seguinte às denúncias de executivos da J&F, quando chegou a parar o pregão após cair 10%. Esses fatores colaboram para que o empresariado não apoie maciçamente qualquer mudança brusca.
“Parece que o mercado aceitou que teremos um presidente fraco, que poderá avançar com poucas medidas, e durará só mais um ano e meio”, diz Juliano Griebeler, diretor de relações governamentais da consultoria Barral M Jorge.
Se no Congresso o governo prefere jogar com a humildade e com os poucos pontos que tem a favor em sua administração, para o público Temer escolheu ir para o enfrentamento, e isso ficou provado no pronunciamento que fez no final da tarde de terça, quando atacou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o delator Joesley Batista.
O presidente disse que está sendo denunciado com base em uma ilação e que, pela mesma lógica, poderia entender que Janot foi beneficiado pelos supostos milhões, de acordo com o presidente, que o ex-procurador da República Marcelo Miller recebeu ao sair da procuradoria para defender os executivos do grupo J&F.
“Pelas novas leis penais que estou dizendo da chamada ilação ora criada nesta denúncia, que não existe no código penal, poderíamos concluir nessa hipótese, que estou mencionando, que talvez os milhões de honorários recebidos não fossem unicamente para o assessor de confiança, que na verdade deixou a procuradoria para trabalhar nessa matéria”, afirmou.
Mais cedo, Perondi disse a reportagem de EXAME Hoje que a denúncia tem o carimbo do PT. “Eles querem Diretas Já e a volta do Lula. A denúncia é uma irresponsabilidade pública sem precedentes. É um jogo político do Janot, que é petista, com as corporações que não querem a reforma da Previdência”, afirmou.
A reforma é criticada por diversas entidades da sociedade civil e foi aprovada, antes do escândalo, na Comissão Especial criada para analisá-la na Câmara dos Deputados. Tem, portanto, que passar por comissões e plenários da Câmara e do Senado até que saia do papel. Um caminho relativamente longo.
Embora cautelosos em um ambiente que conhecem bem – o Congresso -, Temer e seu grupo já decidiram que a melhor estratégia para vencer, no momento, é o ataque.