Tem uma avalanche de pessoas na rua, lamenta líder da Rocinha
José Martins, do Movimento Rocinha Sem Fronteiras, afirma que em meio ao avanço do coronavírus "60% a 70% das lojas abriram"
Clara Cerioni
Publicado em 9 de abril de 2020 às 10h51.
Última atualização em 13 de abril de 2020 às 18h27.
Com mais de 150 mil habitantes, de acordo com as associações de moradores locais, a Rocinha tem uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), três clínicas da família e um Centro da Atenção Psicossocial.
Essas unidades, afirma o líder comunitário Willian de Oliveira, não têm estrutura para suportar a demanda de vítimas do coronavírus , pois já estão sobrecarregadas com os outros doentes.
Preocupado com a "aparente normalidade" nas vielas da comunidade, Willian até tentou, mas não conseguiu convencer o dono de uma ótica, inaugurada nesta quarta-feira, a fechar:
"Havia duas funcionárias da ótica abordando as pessoas no meio da rua. Fiz meu papel. Pedi para interromperem o atendimento. A gente sabe que o Rio está se preparando para uma epidemia."
Tão preocupado está José Martins, do Movimento Rocinha Sem Fronteiras: "Tem uma avalanche de pessoas nas rua. Acredito que de 60% a 70% das lojas abriram. O mercado popular está funcionando".
Chefe da Divisão de Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o epidemiologista Roberto Medronho alerta para o ambiente das favelas, que dificulta as medidas de proteção: o adensamento, a falta de água e famílias grandes dividem poucos cômodos.
"Como pedir para deixar uma pessoa doente isolada, se a casa da família tem só um quarto, banheiro e cozinha? A situação é delicada e um grande desafio. A primeira medida é dotar o lugar de água e distribuir sabão. É preciso ainda que essas comunidades recebam máscaras", alerta Medronho, acrescentando que as medidas adotadas ainda são incipientes.
Já o vereador Paulo Pinheiro (PSOL), membro da Comissão de Saúde da Câmara, cita as dificuldades que os profissionais de saúde têm na Rocinha para repor os equipamentos de proteção. Chama a atenção ainda para a subnotificação de casos.
Além das duas mortes confirmadas — um homem de 67 anos e uma mulher de 72 anos, que faleceram dia 31 de março —, há duas outras que podem entrar para a estatística em breve.
Os relatos de casos na Rocinha se multiplicam. A manicure Fabíola Mariano, de 35 anos, diz que a família ainda espera os resultados dos exames que podem confirmar se o tio, o aposentado Antônio Edson Mesquita Mariano, de 67 anos, morreu vítima da doença em 30 de março.
Ela conta que a viúva de Antônio e o filho dele estão internados com sintomas do coronavírus em hospitais públicos. Segundo ela, o teste do primo já confirmou a doença. Ele está sedado e faz uso de respirador.
"O coronavírus é um risco grande na Rocinha. E afeta não só quem vive em casas menores. Meu tio morava no Largo do Boiadeiro com a família numa casa com vários cômodos", contou a manicure.
Mortes em favelas cariocas
O boletim da Secretaria municipal de Saúde divulgado nesta quarta-feira traz o dado que as autoridades e os especialistas temiam: as primeiras mortes confirmadas por Covid-19 em favelas do Rio.
O prefeito Marcelo Crivella decretou nesta quarta estado de calamidade na cidade, como noticiou o blog de Ancelmo Gois, observando que o município está impedido pela pandemia de cumprir “obrigações financeiras, orçamentárias e fiscais”.
Estão confirmados seis casos de coronavírus, dois deles na Rocinha, onde os riscos parecem estar sendo ignorados pelos moradores esta semana. As ruas voltaram a ficar repletas de pessoas e lojas estão abertas. Os outros óbitos por coronavírus foram registrados em Vigário Geral (dois), Maré e Manguinhos.
Enquanto isso, em Brasília, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, informou que o governo federal trabalha num plano piloto em uma comunidade para frear o avanço do doença em favelas do país. Ele disse que é preciso ter diálogo com tráfico e milícia em nome da saúde pública.
"Hoje (ontem), começamos o primeiro plano de manejo, e eu não vou dizer em qual comunidade, porque ali você tem que entender a cultura, a dinâmica. Entender que são áreas onde, muitas vezes, o Estado está ausente, onde quem manda é o tráfico, a milícia... Como que a gente constrói esta ponte em nome da vida? A saúde dialoga, sim, com o tráfico, com a milícia, porque eles também são seres humanos e também precisam colaborar, ajudar, participar. Então, neste momento, quando a gente faz este tipo de colocação, a gente deixa claro que todo mundo vai ajudar, fazer sua parte."