STJ determina indenização da CPTM a passageira que sofreu assédio em trem
Caso julgado foi da ministra Nancy Andrighi, que descobriu aumento vertiginoso desse tipo de fato no transporte público
Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de maio de 2018 às 20h34.
A 3ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento na manhã desta terça-feira, 15, fixou entendimento inédito para garantir que a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos ( CPTM ) indenize uma passageira que sofreu assédio sexual em vagão. O valor fixado foi de R$ 20 mil, segundo divulgado inicialmente pelo site jurídico Migalhas.
O caso julgado foi da ministra Nancy Andrighi, relatora, que buscou informações e descobriu o aumento vertiginoso desse tipo de fato no transporte público e, especialmente, na estação de Guaianazes, local em que ocorreu o fato julgado.
A jovem sofreu assédio enquanto usava o transporte no horário das 18h. No interior do vagão, um homem se postou atrás, esfregando-se na região das nádegas da mulher, e ao se queixar com o agressor verificou que estava com o órgão genital e foi hostilizada por demais passageiros, que lhe chamaram de "sapatão".
Lembrando que toda a jurisprudência não aponta para a responsabilização da companhia, a ministra Nancy, com emoção, disse que o fato realizado por terceiro é ligado às atividades prestadas pela transportadora e assim há responsabilidade do prestador de serviços.
"Os atos de caráter sexual ou sensual alheios à vontade da pessoa, como cantada, gestos obscenos, olhares, toques, revelam manifestações de poder do homem sobre a mulher mediante a objetificação dos seus corpos."
A ministra mencionou doutrina no sentido de que, para além de um problema do transporte coletivo, a questão da liberdade sexual das mulheres nos espaços públicos trata-se de problema cultural, e que na sociedade patriarcal como a brasileira, a transição da mulher para o espaço do homem revela e dá visibilidade à histórica desigualdade de gênero.
"É inegável que a vítima do assédio sexual sofre evidente abalo em sua incolumidade físico-psíquica, cujos danos devem ser reparados pela prestadora de serviços dos passageiros. O agressor tocou a vítima, de maneira maliciosa, por inúmeras vezes. O ciclo histórico que estamos presenciando exige passo firme e corajoso muitas vezes contra doutrina e jurisprudência consolidadas."
Para Nancy, é chegada a hora de questionar a jurisprudência. "O momento é de reflexão, pois não se pode deixar de ouvir o grito de socorro das mulheres, vítimas costumeiras dessa prática odiosa, que poderá no futuro ser compartilhada pelos próprios homens."
Afirmando que a CPTM, a despeito do aumento do número de casos do tipo, nada mais fez para evitar que os fatos ocorram, e que há várias ações que podem reduzir a ocorrência desse evento ultrajante, Nancy disse que a ocorrência do assédio sexual guarda conexidade com os serviços prestados pela CPTM e a transportadora permanece objetivamente responsável pelos danos causados à recorrente.
Pedindo desculpas pela emoção, e novamente afirmando que o fato "viola os princípios que temos de mais sagrado", fixou a indenização por danos morais em R$ 10 mil, valor aumentado após sugestões do colega.
Rotina. O ministro Paulo de Tarso Sanseverino acompanhou a relatora: "Quando esse fato se torna rotineiro, corriqueiro, realmente se torna necessária maior segurança por parte da prestadora de serviço, o que não está ocorrendo."
Sanseverino lembrou precedente da 4ª turma, que não entrou no mérito da indenização, mas abriu a possibilidade da transportadora de passageiros ser acionada na Justiça.
Seguiram também a relatora Moura Ribeiro e o ministro Cueva, tendo este dito que "quando se olha na internet a evolução desse tipo de conduta, é assustador. A cada dois dias, o metrô e a CPTM registram um crime dessa natureza. São pontos de virada, de inflexão da jurisprudência. Esse comportamento execrável tem que ser isolado dos outros e merecer atenção especial e é determinando a indenização para que haja cuidado específico e maior dos transportadores para minorar as possibilidades de que isso venha a ocorrer no futuro". Ficou vencido o ministro Bellizze, presidente.
Treinamento
Em nota, a CPTM disse que ainda não foi intimada sobre essa decisão e "desconhece os argumentos da Ministra Nancy Andrighi".
"A Companhia recorrerá da decisão e ressalta que repudia o abuso sexual dentro e fora dos trens. A CPTM intensificou o treinamento dos empregados para atendimento às vítimas de abuso sexual e as campanhas de conscientização, inclusive em parceria com o TJ-SP e MP-SP. "
A companhia disse ainda que a segurança nas dependências da CPTM é feita por 1.300 agentes uniformizados e à paisana, além de um sistema de monitoramento com mais de 5.000 câmeras de vigilância em toda a rede. "Além disso, os usuários podem fazer denúncias pelo SMS 9 7150-4949."