Henrique Eduardo Alves e Joaquim Barbosa, presidentes da Câmara e do STF, respectivamente: os dois estão à frente de poderes cujas atribuições não deveriam nunca se confundir (Montagem EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 25 de abril de 2013 às 15h18.
São Paulo – A queda de braço que já vem sendo sinalizada há tempos entre Legislativo e Judiciário ganhou ontem contornos nítidos: enquanto avançou na Câmara projeto que tira a palavra final do STF para dizer se uma alteração na Constituição é válida, um ministro da Corte travou a tramitação de um projeto de interesse de vários partidos que não havia nem mesmo sido aprovado. Nesse cabo de força, só é possível ter certeza de uma coisa: quem sai perdendo é o país.
“Para a democracia, uma hora isso vai ter que parar, porque gera instabilidade politica, que por sua vez gera problemas econômicos e desconfiança dos mercados. Vai haver desdobramentos, e eles (legislativo e judiciário) sabem que as consequências são muitos maiores”, defende a cientista política Maria do Socorro Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Por isso, analistas acreditam que o embate, embora tenha espaço para se intensificar, não chegará a causar rachaduras na democracia brasileira. O que não quer dizer que não esteja faltando bom senso dos dois lados.
Ontem, a Comissão de Constituição e Justiça aprovou, com voto favorável de dois deputados condenados pelo mensalão, projeto que estabelece que qualquer emenda feita à Constituição declarada inconstitucional pelo Supremo terá de ser analisada posteriormente pelo Congresso, que pode vir a discordar da avaliação do STF. Caso isso ocorra, a população é que decidirá através de plebiscito.
Hoje, é o Tribunal que dá a última palavra.
Ainda nesta quarta, o ministro Gilmar Mendes concedeu uma liminar ao PSB dando freio à tramitação no Senado do projeto com potencial de esfriar as candidaturas de Eduardo Campos e Marina Silva à presidência em 2014.
O texto, apoiado pelo Palácio do Planalto, restringe o acesso aos recursos do fundo partidário e de tempo de televisão e rádio às novas siglas, como a Rede Sustentabilidade, de Marina.
Gilmar Mendes, em seu despacho, concordou com os argumentos da oposição, declarando que há aparente casuísmo na rápida tramitação do texto sem a “adequada reflexão e ponderação que devem nortear tamanha modificação na organização política nacional”.
Diante da alta temperatura, o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, veio a público dizer que a Casa “não quer conflito”. Hoje pela manhã, botou um freio temporário no assunto: garantiu que só instala a comissão especial para discutir a PEC - trâmite obrigatório nesse caso - depois de uma profunda análise jurídica do texto.
Ele reconheceu, no entanto, que foi surpreendido pela decisão, que considerou "inusitada". Os ministros do Supremo reprovaram o projeto na CCJ. Gilmar Mendes o chamou de “tenebroso” e outros o consideraram "retaliação".
Quem está certo?
Para o professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília, Mamede Said, os dois lados estão faltando com a razão.
“Primeiro, essa PEC na CCJ não pode nem tramitar, pois fere cláusula pétrea da Constituição”, diz o professor.
O artigo 60 da Carta Magna, que não pode ser modificado por PEC nenhuma, diz que “não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir a separação dos Poderes”.
Mas o constitucionalista reprova também a posição adotada pelo ministro Gilmar Mendes, que agiu sobre um projeto que nem mesmo havia sido aprovado pelo legislativo.
“O projeto é uma quebra de braço que faz parte do jogo politico institucional. O Supremo precisa abdicar de se manifestar sobre questões que são inerentes ao processo politico”, defende.
A liminar, acredita o professor da UnB, será derrubada pelo plenário da Corte.
Brigas
Os ressentimentos entre STF e Câmara não são novos. Basta lembrar que o antigo presidente da Casa, Marco Maia, disse no ano passado que não cumpriria a ordem do Supremo de cassar os mandatos dos deputados condenados no mensalão. A justificativa é que legislativo tinha um entendimento diferente da Constituição.
Houve grande instabilidade também quando o ministro Luiz Fux determinou que o Congresso deveria analisar todos os mais de três mil vetos represados no Congresso - ao longo de mais de 10 anos - para só depois votar o veto dos royalties de petróleo.
A medida causou dissabor na imensa maioria dos parlamentares, que queriam resolver logo a questão e beneficiar seus estados.
O STF é acusado de ser o principal motor da chamada judicialização da política. Mas as coisas podem ficar ainda mais complicadas, por exemplo, se alguém entrar no Supremo pedindo que a tramitação do atual projeto aprovado na CCJ ontem seja suspensa, tal qual foi feito com o texto que limita a criação de novos partidos.
“Ai o STF vai estar se pronunciando sobre uma proposta que ofende não a interesse alheio, mas o dele próprio”, lembra o professor Mamede Said.
É torcer para que os ânimos se acalmem antes de isso acontecer. E que a guerra acabe sem nem mesmo começar.