A decisão do plenário vai contra o posicionamento do ministro Nunes Marques, que, no último sábado, 3, liberou cerimônias religiosas, mesmo em estados que haviam decretado medida no sentido contrário (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Alessandra Azevedo
Publicado em 8 de abril de 2021 às 18h31.
Última atualização em 8 de abril de 2021 às 21h28.
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria nesta quinta-feira, 8, a favor do entendimento de que cabe aos governadores e prefeitos a escolha sobre a proibição de missas e cultos durante a pandemia de covid-19. Dos 11 ministros da Corte, nove defendem que a as atividades religiosas poderão ser suspensas, a depender da definição dos governantes locais.
Votaram a favor da possibilidade de restrições os ministros Gilmar Mendes, relator do caso, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux. Contra, apenas Nunes Marques e Dias Toffoli.
O julgamento foi com base em uma ação, promovida pelo PSD e pelo Conselho Nacional de Pastores do Brasil, que contestava a proibição de atividades religiosas presenciais em São Paulo, por decreto do governador João Doria. A ação foi rejeitada por Gilmar na última segunda-feira, 5, de forma liminar. Com a maioria formada no plenário, o entendimento do STF é de que atividades religiosas podem ser restritas por governadores e prefeitos.
A decisão do plenário vai contra o posicionamento do ministro Nunes Marques, que, no último sábado, 3, liberou cerimônias religiosas, mesmo em estados que haviam decretado medida no sentido contrário, desde que tomadas precauções como distanciamento social, uso de máscaras e redução da capacidade de público em 25%.
Durante o julgamento, Nunes Marques justificou o voto a favor de liberar cultos e missas. Ele disse entender que é constitucional a limitação da entrada de um fiel por vez em um templo, a depender das circunstâncias, mas classificou como “constitucionalmente intolerável” o fechamento das igrejas e a “completa suspensão da garantia constitucional da liberdade de culto”.
Segundo Nunes Marques, “criou-se uma atmosfera de intolerância, na qual não se pode falar nos direitos das pessoas, porque logo isso é taxado de negacionismo”. Ele argumentou que, mesmo com as igrejas fechadas, não tem como garantir que haverá redução do contágio.
Para o ministro, indicado ao cargo pelo presidente Jair Bolsonaro no ano passado, as restrições foram impostas por “atos discricionários, sem critérios de coerência e sem prazo para acabar”, o que justificaria a intervenção da Corte. “Indago até quando os direitos individuais podem ser restringidos e, em alguns casos, eliminados?”, questionou, no voto.
Com posicionamento contrário, o ministro Gilmar Mendes foi o primeiro a votar contra a liberação de atividades religiosas, na quarta-feira, 7, quando o julgamento começou. “Há um razoável consenso na comunidade científica no sentido de que os riscos de contaminação decorrentes de atividades religiosas coletivas são superiores ao de atividades econômicas, mesmo aquelas realizadas em ambientes fechados”, afirmou.
O ministro Alexandre de Moraes seguiu o voto de Gilmar. Para ele, “parece que algumas pessoas não conseguem entender o momento gravíssimo dessa pandemia”. O ministro afirmou que mesmo na idade média, sem os conhecimentos científicos atuais, líderes religiosos defenderam o fechamento de igrejas. “Onde está a empatia?”, perguntou.
Para Moraes, o Poder Público “não pode ser subserviente e conivente” com dogmas ou preceitos religiosos. Não deve, portanto, colocar em risco a própria laicidade e, consequentemente, os direitos à vida e à saúde. “Não há nada de inconstitucional ou preconceituoso nos decretos que, embasados em critérios científicos e médicos, restringem temporariamente os cultos religiosos”, concluiu.
O terceiro ministro a votar a favor da possibilidade de proibição de cultos e missas, Edson Fachin, afirmou que “o Estado deve se abster de alegar razões religiosas para tomar decisões públicas”. Ele ressaltou que as decisões tomadas pelos governantes não são permanentes e nem voltadas apenas a igrejas. “Não se trata de restrição somente às igrejas, mas sim a locais de aglomeração”, disse. “Inconstitucional é negar vacinas”, completou.
Luís Roberto Barroso, o quarto voto contrário à ação, ressaltou que distanciamento social e lockdown são opções que levam em conta critérios técnicos. “Em muitas partes do Brasil, essa tem sido a necessidade: distanciamento social rigoroso obrigatório, apelidado de lockdown, por recomendação das autoridades sanitárias. Trata-se, portanto, de ciência, e não de ideologia. De medicina, não de metafísica. Ciência e medicina são, neste caso particular, a salvação”, disse.
Rosa Weber, que acompanhou o voto da maioria, pontuou que acolher o pedido do PSD e da associação de pastores para liberar atividades religiosas “teria o efeito de facilitar a disseminação do vírus”. O resultado seria “aumento de contaminações e mortes”, disse. “Dito de outra forma: favoreceria a morte, quando deve ser prestigiada e defendida, a não mais poder, a vida."
No mesmo sentido, Cármen Lúcia afirmou que o que está em discussão não é a liberdade de crença, mas a opção de evitar cultos e rituais de forma temporária para evitar aglomerações. ”A fé não se materializa na presença em um determinado local de culto. Não está em discussão a questão da liberdade de crença ou de consciência, apenas uma das manifestações de religiosidade, e não se confunde a fé com o símbolo da religião”, defendeu.
A decisão monocrática de Nunes Marques de liberar atividades religiosas, no último dia 3, e derrubada nesta quinta-feira, veio em resposta a um pedido da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure). "A proibição categórica de cultos não ocorre sequer em estados de defesa ou estado de sítio. Como poderia ocorrer por atos administrativos locais?”, escreveu o ministro.
Dois dias depois da decisão de Nunes Marques, Gilmar Mendes se posicionou contra a medida, ao negar pedidos do PSD e do Conselho Nacional de Pastores do Brasil para derrubar o decreto do governador de São Paulo, João Doria, que proíbe atividades religiosas coletivas presenciais durante fases mais duras da pandemia.
No início da sessão de quarta-feira, o advogado-geral da União, André Mendonça, defendeu a possibilidade de abertura de igrejas e templos e afirmou que cristãos estão dispostos a morrer pela liberdade de religião e culto. “Não estamos tratando de debate entre vida e morte”, afirmou. Segundo ele, a Constituição “não compactua” com o fechamento absoluto das igrejas, com a proibição de atividades religiosas e “com a discriminação das manifestações públicas de fé”.