Bruno Covas: prefeito de São Paulo propõe trava de 10% para aumento de IPTU (Leon Rodrigues/SECOM/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 20 de fevereiro de 2019 às 08h26.
Última atualização em 20 de fevereiro de 2019 às 11h47.
São Paulo - O prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB) decidiu nesta terça-feira, 19, enviar um projeto de lei à Câmara Municipal em que propõe a criação de uma trava permanente na cidade de 10% para aumento do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). O texto também deve extinguir uma dívida, ainda não cobrada, de cerca de 90 mil imóveis da cidade, que em 2019 tiveram reajustes de até 50% no imposto.
A polêmica era justamente esta cobrança muito acima da média. Enquanto a maioria dos contribuintes teve reajuste de 3,5% neste ano, equivalente à inflação, alguns boletos vieram com aumentos de até 50%.
A Prefeitura vinha argumentando que o reajuste estava certo: ao dar o aumento linear, alguns imóveis tinham mudado de faixa de isenção e perdido direito a descontos. Portanto, os boletos tinham de ser pagos.
Na cidade, imóveis de até R$ 160 mil são isentos do IPTU. Já as propriedades entre R$ 160 mil e R$ 320 mil têm descontos que chegam a até 50% do valor devido. É a essa faixa de imóveis que pertenciam os 90 mil imóveis com reajuste mais alto. Só que a explicação da Prefeitura criou novos questionamentos.
E se descobriu que parte desses imóveis não mudou de faixa agora, em 2019, mas entre 2015 e o ano passado. A constatação foi a de que houve erro nos sistemas de processamento de dados da Secretaria Municipal da Fazenda - e só agora se cobrou o valor devido.
O problema começa na gestão Fernando Haddad (PT), quando houve ampla correção da Planta Genérica de Valores (PGV), mapa que determina o valor do m² de toda a cidade e, assim, o valor venal de cada imóvel. O IPTU, por regra, é de 1% do valor venal.
Em 2015, a Prefeitura criou trava de 10% de reajuste anual, ainda que a mudança de valor venal levasse a aumento maior que isso. Assim, o valor deveria subir, no máximo 10%, ao ano, até atingir o valor adequado, segundo o Município.
O erro, revelado pela Folha de S. Paulo, foi que, por causa dessa trava, entre 2015 e 2018 alguns imóveis que deveriam perder descontos de IPTU não ficaram sem esses benefícios.
Então, além de pagar mais imposto em 2019, eles também teriam de assumir valores retroativos - maiores do que os efetivamente cobrados nos quatro últimos anos. Portanto, por essa falha da Prefeitura, esses proprietários estavam inadimplentes, mesmo tendo feito o pagamento integral, na data certa, de boletos dos anos anteriores.
O projeto de lei de Covas prevê que, mesmo quando houver nova correção da PGV, em gestões futuras, o IPTU de um ano para outro não poderá crescer mais do que 10% ante o valor do ano anterior, independentemente da inflação.
O valor venal do imóvel é calculado e atualizado pela Prefeitura cada dois anos. A PGV é reajustada para que, caso um investimento público tenha valorizado imóveis, a Prefeitura tenha o direito de ficar com parte dessa valorização, aumentando o imposto cobrado.
Na gestão João Doria (PSDB), um estudo chegou a ser feito, propondo correção da PGV de até 40%, o que daria aumento de IPTU na mesma porcentagem, especialmente em imóveis das regiões de Santo Amaro, Moema e Ibirapuera, beneficiados pela abertura da Linha 5-Lilás do Metrô.
A outra parte do projeto da gestão Covas trata da anistia da dívida dos 90 mil imóveis. "O prefeito determinou que enviássemos projeto propondo o perdão dessa diferença", disse o secretário de Governo, Mauro Ricardo.
"Fizemos revisão em todo o orçamento para sabermos se havia equívoco em relação a 2019 e não há. Ele (o aumento) cumpriu a legislação. O que ocorreu é que devia ter sido implementado desde 2015. O contribuinte não tem culpa. O equívoco foi da Secretaria da Fazenda", afirma. De acordo com Ricardo, quem já estava devendo, sem pagar esses impostos anteriormente, só terá perdão do valor extra - sobre o qual o contribuinte nem sabia.
Moradores de vários bairros de São Paulo relatam aumento do imposto e dificuldade para pagar a despesa. "Achávamos que seria mais um ano de aumento de 10% e, para nossa surpresa, veio 50%", diz Ruben Lício Reis, coordenador do movimento IPTU justo, criado no fim de 2018.
"Estamos lotados de casos. A quantidade de pessoas que não conseguem pagar é grande", diz Reis. O grupo coleta assinaturas para ingressar com ação civil pública no Ministério Público Estadual contra a cobrança.
A situação da tributarista Rita de Cássia Gonçalves, de 42 anos, é uma entre milhares. Ela viu o imposto passar de R$ 1.859 para R$ 2.735. "Para mim é até extorsão", diz ela, que mora em um casa no bairro Jardim da Saúde, na zona sul. Para conseguir pagar, ela teve de cortar outras despesas e decidiu parcelar o imposto na esperança de que o aumento seja revertido. "Tive de diminuir gastos com produtos pessoais porque a renda não acompanha. Ninguém tem um aumento desses."
Na casa da gestora ambiental Annabella Andrade, de 58 anos, foi a TV a cabo que ficou sacrificada para honrar o boleto. Foram R$ 833 de imposto pagos no início desse ano, ante R$ 369 no ano passado, segundo conta. Moradora de um prédio na Alameda Barão de Limeira, em Santa Cecília, região central, ela diz não entender o motivo do reajuste. "Esse IPTU é para pagar o quê?", indaga. Ela e outros moradores já foram à Defensoria Pública pedir esclarecimentos.
Especialista em Direito Administrativo, Adib Kassouf Sad explica que o Município pode fazer a revisão da Planta Genérica de Valores de tempos em tempos, após análises sobre características do imóvel.
"Se o reajuste veio por meio de revisão da PGV, aprovada pela Câmara, não há o que discutir, a menos que se comprove que esses reajustes elevaram os bens para um valor superior ao de mercado", diz. Segundo ele, a ação civil pública não é o caminho adequado para se discutir a base de cálculo. "As pessoas terão ações coletivas ou individuais contra o Município."