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Sem diagnóstico sobre presídios, governos não reagem a crises

Para especialistas em segurança, é preciso uma ação integrada de inteligência entre os Estados e a União para se mapear a situação nos sistemas carcerários

Crise nos presídios teve início já no primeiro dia de 2017, quando o confronto entre as facções PCC, que teve origem em São Paulo, e da Família do Norte, que atua no Amazonas (Josema Goncalves/Reuters)

Crise nos presídios teve início já no primeiro dia de 2017, quando o confronto entre as facções PCC, que teve origem em São Paulo, e da Família do Norte, que atua no Amazonas (Josema Goncalves/Reuters)

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Reuters

Publicado em 23 de janeiro de 2017 às 08h58.

Última atualização em 23 de janeiro de 2017 às 09h05.

São Paulo - O desconhecimento a fundo do Estado brasileiro sobre a realidade do sistema prisional do país faz com que governos federal e estaduais não saibam como reagir a crises como a que estourou no início do ano em presídios de várias cidades brasileiras e deixou mais de 130 detentos mortos em confrontos entre facções criminosas.

Para especialistas em segurança, é preciso uma ação integrada de inteligência entre os Estados e a União para se mapear a situação nos sistemas carcerários de cada unidade da federação e detectar quais facções criminosas atuam em cada um desses locais.

A falta desse trabalho e a histórica negligência das autoridades com a questão prisional, que tem na não aplicação de recursos do Fundo Penitenciário destinados ao sistema carcerária um de seus exemplos, provocaram o problema atual que, segundo analistas, vêm já de longa data.

"Nós temos uma política tradicional de que os presos que se arranjem dentro da cadeia. Normalmente deixamos o cotidiano na mão do preso. O Estado não regra as coisas. O Estado nunca se importou com isso", disse à Reuters Guaracy Mingardi, ex-subsecretário nacional de Segurança Pública e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

"O Estado brasileiro está assistindo isso de camarote, porque não tem nem ideia do que fazer para intervir. Não tem uma política para tratar isso", acrescentou.

A crise nos presídios teve início já no primeiro dia de 2017, quando o confronto entre as facções Primeiro Comando da Capital (PCC), que teve origem em São Paulo, e da Família do Norte (FDN), que atua no Amazonas, deixou 56 mortos.

Foi o segundo maior massacre em presídios na história do país desde que 111 detentos foram mortos no extinto presídio do Carandiru, em São Paulo, em confronto com a Polícia Militar que entrou na casa de detenção para retomar o controle da penitenciária.

"Sombra da negligência"

Desde o início do ano ocorreram chacinas entre presos em penitenciárias de vários Estados, as três maiores, além de a de Manaus, em Roraima e Rio Grande do Norte.

"Esses problemas sociais, incluindo a questão prisional, são que nem a fome. Se você não cuidar, aumenta", comparou o coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, José Vicente da Silva.

"Agora o problema está aparecendo em várias regiões do país, em outras há potencial muito grande para aparecer", acrescentou o coronel, para quem as facções criminosas cresceram "na sombra da negligência, da incompetência" das estruturas governamentais.

A situação chegou a tal ponto, segundo Mingardi, do FBSP, que as facções controlam completamente a maioria dos presídios. E a disputa pelo controle dentro do sistema prisional, na avaliação do membro do FBSP, é parte do confronto que tem se verificado em várias detenções.

Mingardi, que também é ex-investigador de polícia e tem mestrado pela Unicamp e doutorado na Universidade de São Paulo (USP), afirma que o PCC cresceu muito além das fronteiras de São Paulo, o que gerou incômodo no Comando Vermelho (CV), do Rio de Janeiro, e levou muitas facções locais a se aliarem à facção carioca.

O clima tenso entre os dois grupos rivais, de acordo com o especialista, se acirrou com a disputa por rotas de tráfico de droga após o assassinato de um traficante que controlava o comércio de narcóticos na fronteira com o Paraguai no ano passado.

Com o acirramento, a disputa pelo poder dentro das penitenciárias se intensificou, com vistas a projetar esse poder dentro dos muros para fora das cadeias.

"Se você tiver poder dentro do sistema, você consegue ter mais recrutas na rua... A briga no sistema é briga por poder. Fora do sistema, tem a ver com o tráfico, que dá dinheiro. Então eles brigam por dinheiro e por poder", disse Mingardi.

"Se eles não ganham o presídio, eles acabam perdendo muito poder do lado de fora, o que implica em perder dinheiro também. As duas brigas estão interligadas."

Identificar lideranças

Os dois especialistas ouvidos pela Reuters fizeram críticas à utilização das Forças Armadas em vistorias dentro dos presídios, uma das principais medidas imediatas adotadas pelo governo do presidente Michel Temer para responder à crise.

"(Usar as) Forças Armadas é tolice. Elas podem ter autoridade e respeitabilidade, como disse o presidente, mas não têm competência, não tem conhecimento, treinamento, experiência para esse tipo de trabalho. E nem vai querer entrar nisso", disse José Vicente.

"O ministro da Defesa disse que é para entrar quando não tiver presos lá dentro. Aí até o escoteiro pode fazer isso (as vistorias)", ironizou.

Diante do clima conflagrado nos presídios, o coronel defende que as diversas corporações que atuam na área de inteligência deixem a vaidade de lado e atuem de forma conjunta.

"Se não houver esse trabalho em cada Estado para identificar os seus problemas e as agências federais, no caso a Abin e a Polícia Federal, não fizerem o mapeamento nacional das articulações que existem, nós não temos outro caminho para desarticular esse processo", disse.

"O caminho agora é identificar o tamanho do problema, e sabendo qual o problema você vai saber como bater nele, como resolver a questão. Sem ter o diagnóstico, você não sabe o remédio certo a ser aplicado."

Além disso, afirmou o coronel, é necessário identificar e isolar as lideranças das facções criminosas. Aí, ele defende uma mudança na legislação de execução penal que permita que esses criminosos cumpram penas de isolamento por mais tempo.

"As autoridades precisam assumir o controle dos seus presídios, se não elas vão pagar o preço por isso", defendeu.

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