Secretário que reduziu proteção em área ambiental é investigado
Em todos os casos, os pedidos eram para que áreas consideradas como zona de conservação fossem tornadas mais permissivas
Estadão Conteúdo
Publicado em 18 de fevereiro de 2017 às 10h34.
São Paulo - O Ministério Público de São Paulo abriu um inquérito de improbidade administrativa contra o secretário estadual de Meio Ambiente, Ricardo Salles, e duas funcionárias da secretaria por possível interferência no processo de elaboração do plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Rio Tietê.
O plano, aprovado no dia 31 de janeiro no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), passou desde agosto do ano passado - depois que Salles assumiu a pasta - por alterações na minuta e em pelo menos seis mapas que modificaram o zoneamento da área protegida, deixando parte dela mais permissiva a atividades industriais e minerais.
Segundo a investigação, essas alterações foram feitas sem nenhuma justificativa - depois de os mapas originais terem sido aprovados pelo Conselho Gestor da APA - e houve pressão para que passassem despercebidas.
O caso será investigado por uma força-tarefa liderada pelos promotores Silvio Marques, do Patrimônio Público e Social, e Leandro Leme, do Grupo de Atuação Especial do Meio Ambiente (Gaema)/Cabeceiras. Marques classificou as mudanças como "maliciosas" por "permitir que empresas se beneficiassem". Não foi divulgada, porém, qual empresa poderia ser favorecida.
Conforme o Estado apurou, as mudanças foram solicitadas pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) à Secretaria do Meio Ambiente, que pressionou no fim do ano passado o então coordenador do Setor de Geoprocessamento e Cartografia da Fundação Florestal, Victor Godoy da Costa, para fazer as mudanças.
O técnico, que pediu demissão depois do que ocorreu, prestou depoimento ao MP no início do mês, relatando pressões, e entregou cópias de e-mails com provas. Ele falou com exclusividade ao Estado (mais informações nesta página).
Costa afirmou que as duas funcionárias da Secretaria do Meio Ambiente também citadas na investigação - Fernanda Lemes, coordenadora do Núcleo de Manejo, e Maria Emília Menezes Shimura, coordenadora do núcleo de Regularização Fundiária, o procuraram, pedindo para fazer alterações.
Em todos os casos, os pedidos eram para que áreas consideradas como zona de conservação hidrodinâmica de planície fluvial, categoria que restringe diversos usos e protege a vegetação, fossem transformadas em zonas de reordenamento social da paisagem, bem mais permissivas.
Costa também relatou que alguns dos e-mails enviados pela secretaria encaminhavam mensagens enviadas originalmente pela Fiesp, trazendo até mesmo o logo da federação (como no infográfico acima).
"Pelo conteúdo dos e-mails, extrai-se que houve uma reunião com representantes da Fiesp no dia 11 de novembro de 2016 e em tal reunião foram esboçadas as alterações que acabaram determinadas ao meu setor, que recebeu mapas com Post-it e inscrições de caneta, indicando as mudanças a serem elaboradas", disse Costa ao MP.
O técnico também relatou que, ao deixar explicitadas as mudanças que ele e sua equipe fizeram nos mapas, chegou a colocar o título "Representação das áreas propostas pela Fiesp para a alteração do zoneamento do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê'".
Para o promotor Silvio Marques, que confirmou ao Estado que os e-mails foram encaminhados à promotoria, as mensagens são "comprometedoras" e deixam "evidente a falcatrua".
Conselho
As mudanças haviam sido percebidas pelo MP às vésperas da reunião do Consema. No encontro, Leme e uma técnica do MP, a bióloga Lélia Marino, alertaram o colegiado sobre as alterações e sugeriram que o documento voltasse a ser analisado, tanto para que houvesse uma explicação sobre como aquelas mudanças foram adotadas quanto para que se discutisse se eram válidas mesmo.
"Ao longo do tempo, a ocupação dessas áreas, da forma como está proposta, pode promover uma maior impermeabilização. Ao contrário do que se mantivesse a forma originalmente proposta no plano de manejo", disse Lélia ao conselho.
Grande parte da APA, que tem 7,4 mil hectares acompanhando o curso do Rio Tietê desde Salesópolis, já é ocupada por indústrias, loteamentos de baixo padrão, empreendimentos minerários e agricultura, o que levou "à degradação da qualidade das águas e contribuiu para o problema de enchentes na região metropolitana de São Paulo", segundo a seção sobre a unidade no site da secretaria estadual.
Abrigo para a Mata Atlântica, a APA foi criada em 1987 para proteger as várzeas e planícies perto do Rio Tietê. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.