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Salgado, da UFPR: ruim para o TSE

Para jurista Eneida Desiree Salgado, da UFPR, TSE se colocou em uma situação complicada

ENEIDA DESIREE: para professora da Universidade Federal do Paraná, modo de funcionamento da Justiça Eleitoral no Brasil deveria mudar / Divulgação
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Gian Kojikovski

Publicado em 9 de junho de 2017 às 20h17.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) absolveu a chapa Dilma-Temer no julgamento encerrado nesta sexta-feira. Embora existam provas em contrário, colhidas principalmente pela delação premiada da Odebrecht e dos marqueteiros João Santana e Mônica Moura, a maioria dos ministros entendeu que, pela delimitação da petição inicial, elas não poderiam ser aplicadas neste processo. A decisão ainda dará pano para manga, e, para especialistas, somente a polêmica sobre o julgamento já é ruim para a Corte.

Para debater o assunto, EXAME Hoje conversou com a jurista Eneida Desiree Salgado, professora de Direito Constitucional e Direito Eleitoral da Universidade Federal do Paraná, que é especialista em Direito Eleitoral comparado. Para Eneida, o TSE se colocou em uma situação complicada ao ampliar sua atuação, indo além de sua atribuição constitucional e realizando diversas cassações em situações dúbias, principalmente de prefeitos de pequenas cidades. Com isso, incentivou que a população o compreenda como um “terceiro turno”. “Qualquer solução dada a esse caso seria ruim para o TSE”, diz. Para além disso, Eneida crê que o Tribunal Superior Eleitoral sequer deveria existir, cabendo à Justiça Eleitoral somente a parte administrativa sobre as eleições.

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Qual a ideia que o TSE passa para a população ao absolver uma chapa que, claramente, está em uma situação complicadíssima em termos de provas?

Na minha leitura, o TSE entrou em uma situação difícil ao negar o pedido de afastamento da chapa exatamente porque ele se mostrou, nos últimos tempos, como algo que a Constituição não permite que ele seja. O TSE seria um controlador que só deveria cassar uma chapa se as provas fossem absolutamente irrefutáveis, em casos em que não houvesse sombra de dúvidas. No entanto, de uns anos para cá, a corte tem sido muito profícua na cassação de mandatos, principalmente no âmbito municipal. Isso faz com que a população passe a esperar que ele tenha posturas assim também na questão presidencial. Então, esse mau funcionamento é o que faz com que ele esteja em uma situação complicada frente à opinião pública.

O tribunal não tem papel de resolver os anseios populares, mas, de acordo com a senhora, tem feito isso nos últimos tempos. Esse é o maior problema, então?

Sim. O tribunal se colocou nessa situação, de protetor da sociedade contra as más escolhas do eleitorado. Isso não está presente na Constituição em lugar nenhum, e aí a Corte acaba transferindo para si uma responsabilidade pela qualidade democrática que não só ela não tem constitucionalmente, como também não tem institucionalmente capacidade de contemplar. O próprio judiciário normalmente é contra-majoritário [que vai contra o desejo da maioria da população], tentando proteger a Constituição mesmo que a população entenda que essa não seja a melhor saída. Na verdade, não há uma solução. Qualquer solução dada a esse caso seria ruim para o TSE. Ele mesmo se colocou em uma boa “sinuca de bico”.

O TSE corre o risco de passar para a população a imagem de que serve para cassar prefeito de cidade de interior, mas não para cassar o presidente?

Na verdade, o tribunal conseguiu afastar essa imagem há algum tempo quando começou a cassar governadores, como Jackson Lago, do Maranhão, em 2009, e mais recentemente José Melo, do Amazonas. Ainda assim, não são dois estados dos mais evidentes da política nacional. Os estados que concentram a elite política nacional ainda não foram afetados por isso. Então, a leitura pode ser feita assim: esses ministros são gigantes quando se trata de políticos de menor expressão nacional, mas, quando chega alguém “forte”, o cuidado com as provas e a consistência das alegações é maior.

O presidente do tribunal, o ministro Gilmar Mendes, é considerado próximo ao réu, o presidente Michel Temer. Outros ministros também são questionáveis, como Admar Gonzaga, que foi advogado da campanha de Dilma e Temer em 2010 e foi indicado pelo presidente para o TSE este ano. Isso não seria um motivo para impedimento da votação?

Parece-me que o constrangimento morreu na República há muito tempo. Não é raro verificar a presença de julgadores e julgados em situações muito próximas, sem que isso se reflita no pedido de impedimento na hora do julgamento. Não é o primeiro caso, nem será o último, e isso não só em caso de amizade próxima, como também inimizade pública. Temos que ver como a decisão desses ministros virão. Mas, certamente, deveremos estar atentos a essa proximidade. Como disse, não é o primeiro juiz que não vai ser constrangido por proximidade com o réu e possivelmente não será o último.

Esse processo é uma questão de competência originária do TSE [quando o tribunal examina o caso primeiro], e é um caso raro, já que isso se aplica somente a chapas presidenciais. A grande maioria dos casos que passam pela corte são questões que já foram decididas anteriormente por Tribunais Regionais Eleitorais (TREs). Somente para dar a palavra final em questões que já passaram por TREs, há a necessidade de uma estrutura como a do TSE?

Eu sou uma das únicas pessoas no Brasil que defende que a Justiça Eleitoral não pode funcionar da maneira que ela tem funcionado, inclusive já publiquei artigos defendendo que é necessário separar a Justiça Eleitoral administrativa (a que cuida da realização das eleições) da Justiça Eleitoral jurisdicional (que é responsável por julgar questões eleitorais). Dizem que, em pesquisas, a Justiça Eleitoral tem grande confiabilidade por parte da população, mas as perguntas feitas que refletem nesse posicionamento das pessoas dizem respeito à parte administrativa, que é de fato excepcional, e não ao aspecto jurisdicional que os tribunais eleitorais têm. Nesse caso, há muito o que melhorar. Eu defendo que se extinga essa competência jurisdicional, que a Justiça Eleitoral se transforme em um órgão administrativo, e que turmas especiais na Justiça Federal sejam as responsáveis por julgar os casos eleitorais. E isso não tem a ver com custo da Justiça, ao contrário do que pode se pensar, mas com a formação dos tribunais, que é fundamental para que a justiça seja bem aplicada. Nos tribunais como são hoje, sejam os regionais ou mesmo o TSE, as pessoas ficam pouco tempo, e entram vindas do mundo da advocacia ou saem depois para advogar. Isso é um problema que vai além das questões éticas; passa pela falta de consistência das decisões. Com uma composição muito variável, pode haver leituras muito diferentes no mesmo processo de um ano para o outro. Falar isso em um momento como esse faz parecer que existe a intenção de proteger os eleitos, mas tem uma relação maior com desenho institucional da Justiça Eleitoral, que é baseada em escolhas que fizemos na década de 1930 e não são mais adequadas.

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