Ruralistas comemoram regra que dificulta comprovar a escravidão
A portaria faz alterações na norma que criou o cadastro de empregadores que submetem indivíduos a essa situação, a chamada "lista suja do trabalho escravo"
Estadão Conteúdo
Publicado em 16 de outubro de 2017 às 17h44.
Brasília - Enquanto integrantes da bancada ruralista comemoraram, deputados da oposição criticaram e prometeram apresentar projeto para sustar decreto publicado nesta segunda-feira, 16, pelo Ministério do Trabalho dificultando a comprovação de trabalho escravo . O decreto foi publicado no Diário Oficial da União (DOU).
Membro da oposição ao governo, o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ) afirmou que apresentará nesta terça-feira, 17, projeto de decreto legislativo para sustar o decreto.
"(O presidente Michel) Temer parece desconhecer qualquer limite. Sepultar o combate ao trabalho escravo em troca de salvação na Câmara é escandaloso, além de brutal com milhares de brasileiros", disse, em nota.
Integrante da bancada ruralista, o líder do PSD na Câmara, deputado Marcos Montes (MG), elogiou o decreto, que, segundo ele, era uma demanda antiga do setor.
"O decreto constrói uma questão mais clara sobre a definição do que é trabalho escravo. A lista agora não vai mais poder ter excessos", afirmou o parlamentar mineiro.
O decreto foi publicado nesta segunda-feira no DOU, na mesma semana em que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara votará a segunda denúncia contra o presidente. No plenário, a votação da peça acusatória está prevista para a próxima semana.
Decreto
Como mostrou mais cedo o Broadcast (serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado), a portaria regulamenta a concessão de seguro-desemprego a pessoas resgatadas de trabalho análogo à escravidão no País.
O texto também faz alterações na norma que criou o cadastro de empregadores que submetem indivíduos a essa situação, a chamada "lista suja do trabalho escravo".
O texto traz o conceito de quatro situações que configuram regime de trabalho forçado ou reduzido a condição análoga à de escravo e que devem ser observadas pelos auditores do ministério na hora da fiscalização das propriedades e - devidamente - documentadas para comprovar as condições de trabalho das vítimas.
As exigências valem para o enquadramento dos casos no crime e para possibilitar a inclusão na "lista suja" do empregador, a quem será assegurado o exercício do contraditório e de ampla defesa diante da conclusão da inspeção do governo. Na prática, a portaria dificulta a punição de flagrantes situações degradantes.
O decreto diz a definição de condição análoga à de escravo: "a submissão do trabalhador a trabalho exigido sob ameaça de punição, com uso de coação, realizado de maneira involuntária; o cerceamento do uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto, caracterizando isolamento geográfico; a manutenção de segurança armada com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto; a retenção de documentação pessoal do trabalhador, com o fim de reter o trabalhador no local de trabalho".
A portaria ainda define trabalho forçado, jornada exaustiva e condição degradante.
O ato, assinado pelo ministro Ronaldo Nogueira, também estabelece que deverá constar "obrigatoriamente" do auto de infração uma série de materiais para identificar a existência dos delitos.
São eles: "menção expressa a esta Portaria e à PI MTPS/MMIRDH nº 4, de 11.05.2016; cópias de todos os documentos que demonstrem e comprovem a convicção da ocorrência do trabalho forçado; da jornada exaustiva; da condição degradante ou do trabalho em condições análogas à de escravo; fotos que evidenciem cada situação irregular encontrada, diversa do descumprimento das normas trabalhistas, nos moldes da Portaria MTE 1.153, de 14 de outubro de 2003; e descrição detalhada da situação encontrada".
Esta última exigência ainda deverá ser acompanhada de comprovação de: existência de segurança armada diversa da proteção ao imóvel; impedimento de deslocamento do trabalhador; servidão por dívida; e existência de trabalho forçado e involuntário pelo trabalhador.
Ao final do processo administrativo, diz o texto, se comprovada a procedência do auto de infração ou do conjunto de autos, a determinação da inscrição do empregador na "lista suja" será do ministro de Estado do Trabalho.