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Rio e São Paulo não são mais donas da violência no Brasil

Os índices de homicídios de SP e Rio ainda estão longe de causar inveja a países desenvolvidos. Mas elas já não são o que o Brasil tem de mais violento

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 30 de julho de 2014 às 19h25.

São Paulo – Pergunte a alguém qual a cidade mais violenta dentre as 5,5 mil brasileiras, e é bem provável de que duas delas apareçam na maior parte das respostas: Rio de Janeiro e São Paulo. Fama à parte, porém, as duas cidades que já foram os epicentros do crime no país vivem hoje uma realidade que, acredite ou não, está longe de ser o que o Brasil tem de pior em termos de violência urbana .

Num cenário desenhado desde o final de década de 90, a violência vem estourando em estados onde até então não era um problema, e atingindo pelo caminho cidades interioranas, antes preservadas.

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Um número exemplifica bem essa mudança no retrato do crime nacional.

Cerca de 6% da população brasileira mora em São Paulo. Mas nos gráficos criminais de 2002, a cidade tinha um destaque maior: 11% de todos os assassinatos cometidos no Brasil ocorriam nela.

Hoje, 3,1% dos homicídios acontecem na capital paulista.

“São duas razões (para se acreditar que Rio e São Paulo lideram em violência): a primeira coisa é que elas realmente eram, na virada do século e um pouco antes, um dos quatro ou cinco locais mais violentos do Brasil. A segunda questão é que SP e Rio têm jornais nacionais. O que acontece nelas é algo que repercute a nível nacional, tanto na TV quanto na mídia impressa”, afirma Julio Jacobo Waiselfiz, coordenador da área de estudos da violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), ligada à Unesco.

Em 2002, 5,5 mil pessoas perderam a vida assassinadas em São Paulo. Uma década depois, esse número caiu para 1,7 mil. No mesmo período, as mortes no Rio passaram de 3,7 mil para 1,3 mil.

Mas se os números foram tão reduzidos nas duas cidades – então as campeãs em termos absolutos do país – porque os assassinatos continuaram batendo recordes no Brasil em vez de cair?

Afinal, há dois anos, 56 mil pessoas foram intencionalmente mortas em território nacional, cifra nunca atingida antes. Os dados são de 2012 porque há uma demora na consolidação dos números de todos os municípios, feita pelo Ministério da Saúde.

Os dois principais movimentos do crime na década explicam a questão.

1) A movimentação entre estados

Veja o que acontece com os números de homicídios - retirados do Mapa da Violência 2014 - em São Paulo e Rio de Janeiro no período de uma década.

Capital/RegiãoNº de assassinatos (2002)Nº de assassinatos (2012)Variação no período (%)
Belém42064353,1
Boa Vista82831,2
Macapá13515313,3
Manaus3951.052166,3
Palmas336287,9
Porto Velho220198-10
Rio Branco120115-4,2
NORTE 1.4052.30664,1
Aracaju25835136
Fortaleza7071.920171,6
João Pessoa263568116
Maceió51185867,9
Natal102456347,1
Recife1.312809-38,3
Salvador5851.644181
São Luís194651235,6
Teresina20634165,5
NORDESTE 4.1387.59883,6
Belo Horizonte979973-0,6
Rio de Janeiro3.7281.372-63,2
São Paulo5.5751.752-68,6
Vitória240191-20,4
SUDESTE 10.5224.288-59,2
Curitiba53074340,2
Florianópolis8965-27
Porto Alegre5606017,3
SUL 1.1791.40919,5
Brasília7441.03138,6
Campo Grande239182-23,8
Cuiabá260247-5
Goiânia43073971,9
CENTRO-OESTE 1.6732.19931,4
BRASIL (só capitais) 18.91717.800-5,9

Agora, volte à tabela e olhe como os números mudaram em Salvador, São Luís, Fortaleza e Manaus neste período.

Pode-se dizer que quantidade de assassinatos nelas triplicou na década. Na então pacata Natal , quase quadruplicou em 10 anos.

Nenhuma delas chegou perto de um crescimento populacional que justificasse esses números.

Quando a comparação é feita com os respectivos estados, o resultado é similar.

“O crescimento econômico que começou há poucos anos nessas regiões, muito depois de SP e Rio, significa uma onda de expansão descentralizada da economia brasileira que tem a virtude da migração e de levar empregos, mas encontra uma ausência do aparelho estatal para enfrentar este novo modelo de violência que vai junto”, afirma Julio Jacobo Waiselfiz, autor do Mapa da Violência.

Foi nesse período que Maceió conseguiu se tornar a capital mais violenta do Brasil, com 90 assassinatos para cada 100 mil habitantes.

Para parte do Norte e Nordeste , esses níveis alarmantes de violência são um movimento relativamente recente comparado ao Sudeste. Com isso, na maior parte desses estados, não se percebe ainda a desejada tendência de queda.

A tabela abaixo mostra as taxas de homicídio por 100 mil habitantes nas unidades da federação entre 1998 e 2012.

É uma maneira mais apropriada de comparar lugares diferentes, já que se leva em consideração o tamanho da população.

Quem olhar a posição de cada estado no ranking vai notar que houve uma verdadeira dança das cadeiras no período.

A Bahia caiu do 22º lugar entre os violentos para o 5º. São Paulo, que ocupava a 5ª posição, foi para a 26ª. Há muitos outros exemplos parecidos.

EstadoTaxa por 100 mil hab. (1998)Posição entre os mais violentos (1998)Taxa por 100 mil hab. (2012)Posição entre os mais violentos (2012)
Pernambuco58,937,110º
Espírito Santo58,447,3
Rio de Janeiro55,328,318º
Roraima50,635,413º
São Paulo39,715,126º
Amapá38,735,912º
Rondônia38,332,916º
Distrito Federal37,438,9
Mato Grosso36,334,315º
Mato Grosso do Sul33,510º27,120º
Alagoas21,811º64,6
Amazonas21,312º36,711º
Acre21,213º27,519º
Paraná17,614º32,717º
Rio Grande do Sul15,315º21,924º
Paraíba13,516º40,1
Ceará13,417º44,6
Goiás13,418º44,3
Pará13,319º41,7
Tocantins12,320º26,221º
Sergipe10,421º41,8
Bahia9,722º41,9
Minas Gerais8,623º22,823º
Rio Grande do Norte8,524º34,714º
Santa Catarina7,925º12,827º
Piauí5,226º17,225º
Maranhão527º2622º

2) Interiorização do crime

Se você vivia em um município de menos de 20 mil habitantes no ano 2000, é bem provável que desfrutasse do que no país é um luxo : taxas de assassinato abaixo das consideradas epidêmicas, isto é, 10 mil mortes por 100 mil habitantes.

Pois em 2012 a realidade seria, infelizmente, outra: municípios com entre 10 e 20 mil moradores registraram um aumento de 65% nessas taxas.

Enquanto os índices diminuíram nas grandes cidades no período de 12 anos, cresceram muito nos municípios com menos de 50 mil habitantes.

Nesta espécie de “democratização” da violência, as grandes permanecem mais perigosas – em média – mas com uma distância que só vem diminuindo.

Tamanho do município (em nº de habitantes)Taxa de assassinatos (2000)Taxa de assassinatos (2012)Variação no período
Até 5 mil6,49,345,3
De 5 a 10 mil7,912,153,3
De 10 a 20 mil9,71665,2
De 20 a 50 mil12,221,777,8
De 50 a 100 mil17,727,655,7
De 100 a 200 mil27,334,626,9
De 200 a 500 mil34,636,96,6
500 mil e mais48,336,4-24,7

A cidade mais violenta do país, Caracaraí, em Roraima, tem menos de 20 mil habitantes e 210 assassinatos para cada 100 mil moradores.

Ressalvas

Atingidas antes das demais, é natural que Rio e São Paulo tenham agido primeiro para diminuir seus níveis de violência por meio da criação de políticas de segurança pública e investimentos estaduais e federais.

As regiões Norte e Nordeste terão de percorrer o mesmo caminho, embora, infelizmente, ainda não seja possível observar as tendências de reversão.

A questão é que discutir os problemas nestes termos poder levar a crer que Rio e São Paulo deram conta do problema. Longe disso.

Se a taxa de homicídios é de 15,1 na cidade de São Paulo (e 15,4 no estado), países próximos como Chile e Argentina vivem com índices menores que 6 assassinatos por 100 mil habitantes.

No estado do Rio , a situação é pior que na capital (onde foi de 21,5 em 2012) e atinge 28,3, próximo à média do Brasil, que é 29.

Em países como Alemanha e França, não passa de 0,5, segundo o Mapa da Violência 2014.

Entre os estados, só Santa Catarina chega perto de níveis abaixo do epidêmico – 10 mortes/100 mil pessoas – com 12,8.

E o que se visualiza é que mesmo para os estados em condições mais favoráveis, a queda começa a ser cada vez mais difícil.

“Existem reformulações que não dependem dos estados, como a reforma do Código Penal, a reforma penitenciária, dos mecanismos de segurança nacional e a unificação das polícias . Sem essas reformas, é muito problemático continuar caindo”, afirma Julio Jacobo.

Para ele, o que o Brasil vive não pode mais ser classificado como epidemia, mas endemia.

“Antigamente era epidemia, com poucos focos, e nas regiões metropolitanas. Neste momento, temos uma enorme homogeneização da violência nacional”.

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