Quase 260 mil adolescentes trabalham como domésticos no país
No mundo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) avalia que 15,5 milhões de pessoas com menos de 18 anos exerçam atividades domésticas
Da Redação
Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.
Brasília – O Brasil ainda precisa combater o “núcleo duro” do trabalho infantil no país, que são os casos de exploração de crianças e adolescentes em situação menos evidente, especialmente em residências, segundo dados divulgados hoje (8) no relatório Brasil Livre de Trabalho Infantil, da organização não governamental (ONG) Repórter Brasil.
Estima-se que aproximadamente 258 mil crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos trabalham na casa de terceiros no país – das quais 94% são do sexo feminino. No mundo, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) avalia que 15,5 milhões de pessoas com menos de 18 anos exerçam atividades domésticas.
Com a aprovação da Emenda Constitucional 72 no início de abril, passou a ser proibido o trabalho doméstico insalubre a menores de 18 anos e qualquer tipo de atividade a menores de 16 anos. Ainda assim, não há instrumentos que viabilizem a fiscalização. De acordo com informações do relatório, das mais de 7,2 mil ações de fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego feitas em 2012, apenas nove foram referentes à trabalho infantil doméstico.
A justificativa para a relativa ausência de ações é a inviolabilidade do lar, garantida pelo Artigo 5º, Inciso XI, da Constituição. A lei estabelece que ninguém pode entrar em um domicílio sem o consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito, desastre, emergência ou por determinação judicial.
Atualmente, a fiscalização dos casos de trabalho infantil doméstico é regida pela Instrução Normativa 77, de 2009, do Ministério do Trabalho, que determina que a ação dos auditores se limita a plantões fiscais e ações de sensibilização. A partir disso, as denúncias devem ser feitas aos conselhos tutelares ou à procuradoria do Ministério Público.
“A inviolabilidade do lar não pode ser mais sagrada do que o princípio de máxima e prioritária proteção às crianças e aos adolescentes, estabelecida tanto pela Constituição Federal quanto pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). O problema é que, diante de conflitos entre princípios jurídicos, a tendência do Estado brasileiro tem sido a do caminho mais fácil: existe a inviolabilidade do lar, então não podemos fiscalizar”, explicou, no relatório, a professora de mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica de Salvador.
O diretor do Departamento de Fiscalização do Trabalho do ministério e coordenador da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Infantil, Leonardo Soares, informou, no estudo, que é difícil um juiz emitir autorizações para que fiscais do trabalho entrem em um domicílio – exceto em casos de busca e apreensão ou crime. Na maioria dos casos, a fiscalização é negociada entre os auditores e os proprietários.
Concomitantemente, a ONG identificou a resistência cultural na sociedade brasileira, inclusive por parte de representantes do Poder Público, no sentido de naturalizar o trabalho infantil, tanto no âmbito do lar quanto em outros locais – o que dificulta a negociação com os possíveis empregadores e as denúncias feitas por terceiros. Em 2011, foram registrados mais de 3,1 mil casos de crianças e adolescentes trabalhando na iniciativa privada com autorização prévia da Justiça. Entre 2005 e 2010, esses casos superaram 33 mil.
Somada às demais dificuldades impostas pelo tema está o fato de que o trabalho infantil atual está menos relacionado à exploração e mais a questões econômicas, como a desigualdade de renda. Segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 40% dos 3,4 milhões crianças entre 10 e 17 anos que exercem algum tipo de atividade no mercado de trabalho não estão abaixo da linha de pobreza e usam o que recebem para comprar bens de uso pessoal, como eletroeletrônicos, jogos, celulares, roupas e calçados.
Ainda hoje, haverá uma audiência pública na Câmara dos Deputados para a apresentação oficial do relatório e promoção de debates sobre o tema, com o objetivo de ampliar as discussões sobre a erradicação das piores formas de trabalho infantil. Está prevista a participação de representantes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e da OIT.