Senadores: relator do texto enviado à Câmara, o ex-senador Roberto Requião (ao microfone) defende a proposta antes da votação, em 2017 (Waldemir Barreto/Agência Senado)
Victor Sena
Publicado em 17 de agosto de 2019 às 08h00.
Última atualização em 17 de agosto de 2019 às 08h00.
Brasília — A Câmara dos Deputados aprovou, na quarta-feira (14), o projeto que trata dos crimes de abuso de autoridade cometidos por agentes públicos (PLS 85/2017 no Senado e PL 7.596/17 na Câmara). O texto foi aprovado no Senado em abril de 2017 e segue agora para a sanção da Presidência da República.
A matéria prevê mais de 30 ações que podem ser consideradas abuso de autoridade, com penas que variam entre seis meses e quatro anos de prisão.
Segundo o texto, essas condutas somente serão crime se praticadas com a finalidade específica de prejudicar outra pessoa ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, assim como por mero capricho ou satisfação pessoal. Já a divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não será considerada, por si só, abuso de autoridade.
Conduções coercitivas manifestamente descabidas, prisão sem conformidade com as hipóteses legais e manutenção de presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento são algumas das condutas criminalizadas no projeto.
O texto também prevê penas para o agente que impedir encontro reservado entre um preso e seu advogado; que fotografar ou filmar um preso sem o seu consentimento ou para expô-lo a vexame; que colocar algemas no detido quando não houver resistência à prisão; e que impedir ou dificultar, por qualquer meio, sem justa causa, associação ou agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo.
Estão sujeitos a responder pelos crimes do projeto qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.
Incluem-se nesse rol, portanto, os servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas; e membros do Legislativo, do Executivo, do Judiciário, do Ministério Público e dos tribunais ou conselhos de contas. A nova lei será aplicada ainda a todo aquele que exercer, mesmo de forma transitória e sem remuneração, qualquer forma de vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade pública.
O projeto provocou polêmica ao longo de toda a sua tramitação. Muitos parlamentares manifestaram preocupação com sua influência sobre os rumos da Operação Lava Jato, da Polícia Federal, e outras medidas de combate à corrupção. Já outros apontavam o texto como uma forma de evitar abusos e proteger a sociedade.
O deputado Paulo Pimenta (PT-RS), ressaltou que o bom profissional não tem o que temer com o projeto. De acordo com Pimenta, “esses argumentos 'do medo' não são para proteger os bons profissionais, são para proteger milicianos, são para proteger bandidos que, às vezes, estão dentro do serviço público, pessoas que se utilizam dos seus cargos para perseguir pessoas inocentes”.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) comemorou a aprovação do projeto, apontando que o abuso de autoridade é uma rotina no Brasil. Segundo Renan, o texto “vale do guarda da esquina ao presidente da República”.
Ele aponta que as torturas na ditadura, os esquadrões da morte, o massacre do Carandiru, o vazamento de sigilos, o baculejo injustificado nas periferias, as escutas ilegais e as decisões judiciais equivocadas em abundância confirmam "o traço sistêmico do problema". Renan disse ainda não saber se haverá veto por parte da Presidência.
— Não sabemos o que o presidente fará. Mas, diante da sua reclamação por ter sido, ele e família, alvo de devassa ilegal da Receita Federal, eu deduzo que está de saco cheio com o abuso de autoridade. Se há abusos contra o presidente da República e o STF, imagina contra o cidadão comum — argumentou Renan.
Para o relator na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), o projeto permite uma atualização do tema tratado na Lei 4.898, de 1965, que será revogada.
Barros destaca que, “em geral, quem vai denunciar é o Ministério Público e quem vai julgar é o juiz, por isso não cabe dizer que está havendo uma perseguição a esses agentes públicos”.
Na votação na Câmara, deputados ligados à segurança pública disseram que vão pressionar pelo veto de pontos da proposta, como a restrição do uso de algemas e a obrigatoriedade de identificação de policial. Segundo o deputado Subtenente Gonzaga (PDT-MG), “estamos criminalizando a atividade policial”.
O senador Alvaro Dias (Pode-PR) defendeu o veto da matéria como um respeito à agenda da sociedade. Ele destacou que votou contra o projeto no Senado e registrou que fica a sinalização de uma tentativa de intimidação às autoridades judiciais.
Alvaro também defendeu a Operação Lava Jato e pediu apoio à Polícia Federal, ao Ministério Público e à Justiça no combate à corrupção.
— Não discutimos a necessidade de uma legislação sobre abuso de autoridade. O que se discute é a oportunidade: esta não é a hora. O atropelamento insinua que há má fé — declarou o senador, que ainda cobrou a votação da proposta, de sua autoria, que acaba com o foro privilegiado e está parada na Câmara (PEC 10/2013).
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) lembrou que votou contra a aprovação, mesmo sendo o autor da proposta, porque o texto final deixou de ser uma regulação do abuso de autoridade para ser uma retaliação à atuação independente de procuradores e de outros agentes de combate à corrupção. O texto aprovado no Senado foi um substitutivo do ex-senador Roberto Requião.
— Eu espero que o presidente da República não faça veto seletivo. O projeto todo deveria ser vetado — sugeriu Randolfe.
O senador Marcos do Val (Podemos-ES) também disse esperar que o presidente “não sancione” o projeto, pois os policiais e as autoridades precisam de liberdade para fazer o seu trabalho. Ele destacou ainda que cada órgão tem sua corregedoria, para os casos que ultrapassam as questões legais.