Procuradoria acusa defesa de Lula de "má-fé processual"
O procurador requereu que a Corte de apelação da Lava Jato negue pedido dos advogados do petista que juntaram novos documentos ao processo
Estadão Conteúdo
Publicado em 20 de março de 2018 às 18h01.
São Paulo - O procurador regional da República da 4ª Região, Mauricio Gotardo Gerum, acusa a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de "má-fé processual". Em manifestação ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região ( TRF-4 ), nesta segunda-feira, 19, o procurador requereu que a Corte de apelação da Operação Lava Jato negue pedido dos advogados do petista que juntaram novos documentos ao processo que levou à condenação de Lula a 12 anos e um mês de prisão no caso triplex.
Após apresentar um embargo de declaração contra o acórdão que condenou o petista, a defesa de Lula entregou documentações, que, segundo os advogados, seriam "relevantes" para o julgamento do recurso e poderiam levar à absolvição do ex-presidente: uma carta manuscrita em que o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto nega as declarações do ex-presidente da OAS Léo Pinheiro, um depoimento de um ex-diretor da Odebrecht e vídeos sobre "cooperação jurídica entre o Brasil e os Estados Unidos sem a observância dos canais oficiais".
Os advogados de Lula entregaram o embargo de declaração no dia 20 de fevereiro contra o acórdão do Tribunal da Lava Jato. Por meio do recurso, a defesa questionou o que classifica de obscuridades nos votos dos desembargadores da Corte.
Na sessão de 24 de janeiro, os magistrados, por 3 votos a 0, aumentaram a pena do petista por corrupção e lavagem de dinheiro. O revisor da Lava Jato na Corte, Leandro Paulsen, determinou a execução provisória da pena após esgotados os recursos perante o TRF-4.
Na manifestação ao Tribunal da Lava Jato, Gerum apontou que o Código de Processo Penal "não deixa dúvidas sobre qual caminho seguir quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado".
"Para esses casos, como já salientado em relação ao termo subscrito por João Vaccari Neto, nosso sistema prevê expressamente a revisão criminal. Uma nova ação, ajuizada em segundo grau e distribuída a um relator 'que não tenha pronunciado decisão em qualquer fase do processo' (artigo 625, caput). Só então será possível a reabertura da instrução, com a reavaliação das provas que embasaram a condenação", indicou.
Gerum analisou as três documentações levadas ao Tribunal pela defesa de Lula.
O procurador afirmou que a carta de João Vaccari Neto "não tem qualquer indicativo de prova que possa corroborar suas afirmações" e que o depoimento do ex-diretor da Odebrecht Márcio Faria, delator da Lava Jato, "não se mostra por si só minimamente suficiente a alterar a convicção que levou à condenação de Luiz Inácio".
"O que os autos demonstraram foi que a OAS claramente assumiu sua parcela de responsabilidade no esquema com o PT, tanto é que ficou suficientemente comprovado que foi por conta dela que se responsabilizou pelo triplex para o réu Luiz Inácio. Importante lembrar que os acertos com a OAS sempre foram feitos entre João Vaccari Neto e José Adelmário, não havendo elementos nos autos indicando que desse acerto Márcio Faria tinha conhecimento", anotou.
De acordo com o procurador, no entanto,"'é na terceira prova apresentada (pela defesa de Lula) que mais sobressaem os erros técnicos".
"Não é minimamente aceitável que, a partir de um discurso, que não se fixou em casos concretos (a menção a este processo foi apenas ilustrativa de onde o combate à corrupção no Brasil chegou), surja a alegação de cerceamento de defesa e de nulidade da instrução", afirmou.
"Não há lealdade quando a defesa confunde, propositadamente, a cooperação internacional com os eventuais acordos de colaboração firmados com testemunhas ouvidas neste processo, apenas para criar, artificialmente, um ponto a ser explorado a título de cerceamento de defesa."
O procurador afirmou ao TRF-4 que a defesa de Lula "age com má-fé processual", pois "apresenta provas e suscita apenas para postergar o normal andamento processual". Em sua análise perante o Tribunal da Lava Jato, Mauricio Gerum afastou a possibilidade de "deficiência técnica" dos advogados do petista.
"Não houve deficiência técnica ou um excesso legítimo no exercício dos interesses do réu. O erro foi deliberado com o propósito específico de tumultuar o processo, criando incidentes incabíveis, tudo com o propósito de retardar o julgamento dos embargos de declaração", indicou.
"De se reconhecer, portanto, a má-fé processual que orientou a apresentação das petições mencionadas, ainda que sem a aplicação de qualquer sanção, senão o próprio indeferimento dos pedidos formulados."
Considerações "descabidas"
Em manifestação entregue ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a defesa do ex-presidente Lula rechaçou e repudiou "com veemência e indignação as rebarbativas, impróprias e descabidas considerações" do Ministério Público Federal.
Ao tribunal, os defensores do ex-presidente afirmaram que "se deslealdade e má-fé processual ocorreram, não foram exatamente da parte da defesa".
"Mostra-se audaz em classificar como 'falta de lealdade processual' e 'abuso' defensivo o singelo fato de a defesa trazer aos autos três provas novas que surgiram a posteriori, que apontam para a inocência do embargante (Lula) e também para a nulidade de todo o processado", reagiram os advogados. "Essa tentativa de seja lá o que for jamais será aceita pela defesa, que a repele", escreveram os defensores.
Os advogados de Lula afirmaram que a manifestação do procurador é "marcada de inconformismo" e também "propõe censura ao exercício amplo do direito constitucional de defesa".
"A verdade é que, sem encontrar qualquer elemento para desqualificar a relevantíssima e impressionante prova trazida aos autos a respeito da utilização de procedimentos à margem do sistema oficial para construir e instruir o caso do ex-presidente Lula, se usou e abusou do ataque à defesa técnica", afirmam os advogados.
"Consignada a surpresa da defesa com tão despropositada reação acusatória, registra-se neste feito, para os anais e para a História que não se pode mesmo esperar da parte que busca sempre e sempre a punição, ainda que agindo como custos legis, a exaltação ou, pelo menos, respeito legal ao sagrado e constitucional direito à liberdade. De tal fonte não exsurgiu, também aqui, a reverência à liberdade que se defende. Por isso que o ovo e a ave guardam sempre a necessária correlação!"