Problemas mentais afastam oito guardas-civis por dia em SP
É a taxa mais alta de afastamento de servidores da segurança pelo menos desde 2008 e praticamente o dobro de 2015
Estadão Conteúdo
Publicado em 6 de fevereiro de 2017 às 14h06.
São Paulo - Por dia, ao menos oito guardas-civis metropolitanos são afastados por problemas mentais na cidade de São Paulo.
Foram 3.217 licenças no ano passado, de acordo com os dados da Secretaria Municipal de Gestão da Prefeitura obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo.
É a taxa mais alta de afastamento de servidores da segurança pelo menos desde 2008. O número praticamente dobrou em relação a 2015, quando houve 1.762 casos.
Na prática, o efetivo de 5,8 mil guardas-civis, que já é considerado abaixo do aceitável pela categoria, fica comprometido.
Uma estimativa do Sindicato dos Guardas-Civis Metropolitanos de São Paulo (Sindguardas) aponta ainda que ao menos 900 GCMs estão em funções readaptadas, ou seja, não podem trabalhar na rua e fazem a ronda de suas bases ou se ocupam de trabalhos administrativos.
Em dez anos, o número de guardas não aumentou na cidade. Ao mesmo tempo, as atribuições se diversificaram: foram criadas três inspetorias da guarda florestal do Município, com efetivo de 700 pessoas, e uma da Cracolândia, com pelo menos 250 pessoas. Além disso, outros 800 agentes passaram a atuar no combate ao comércio informal.
Concurso público
O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) havia prometido nomear 1,5 mil servidores até o fim do mandato, de um concurso realizado em 2013, mas só chamou cerca de 800.
Antes disso, o último processo seletivo ocorreu em 2003. A gestão do prefeito João Doria (PSDB) deve contratar o restante dos aprovados.
O atual governo também tem deslocado os servidores para agir contra pichadores. Para resolver os problemas no Município e atender a novas demandas, a Prefeitura costuma reduzir o efetivo de uma área para aumentar em outra.
Reportagem do Estado revelou em 2016 que a Prefeitura tirou guardas das escolas municipais para fiscalizar camelôs e multar motoristas com radar-pistola.
O GCM Marco Antonio (nome fictício), de 38 anos, está há 15 anos na corporação e tirou em 2016 a segunda licença por problemas psicológicos.
"Ficava cuidando de uma escola, me mandavam fazer operação com camelô e depois voltar para a unidade. Estava sempre no limite, pois era remanejado com frequência e sequer tinha suporte para ir embora, por mais longe que fosse o trabalho."
Marco Antonio afirma que o trabalho piorou ao longo dos anos, pois, segundo ele, a GCM passou a ser vista como um "faz-tudo" da cidade.
"Os inspetores querem abraçar tudo, mas não existe pessoal para isso. Eu não aguentei a pressão e comecei a trazer o problema para dentro da minha casa. Gritava com a minha mulher, com os meus filhos. Vi que precisava parar."
O guarda-civil conta que uma das piores partes do trabalho era lidar com moradores de rua. "A briga é constante. Nós precisamos ajudar a remover as coisas, mas no fim das contas aquilo é a moradia deles. Sempre vão lutar, atacar."
Ele conta que viu um amigo ser atacado com uma garrafa quebrada no pescoço durante uma operação no centro. O rapaz quase morreu. "Nunca me recuperei."
Desde o primeiro afastamento, atua como readaptado e não tem mais porte de arma. "Sou pressionado constantemente para tirar de novo."
Os problemas do guarda-civil metropolitano Felipe Souza (nome fictício), de 34 anos, começaram ainda no treinamento.
Mesmo entrando na Guarda como portador de deficiência física - ele tem dificuldade para andar -, o GCM afirma que foi humilhado e obrigado a fazer as atividades como qualquer outro.
"Eu tenho laudo médico, não posso correr. Mas sempre me trataram como preguiçoso." Souza conta que reclamou à Ouvidoria e um supervisor foi afastado.
Quando foi às ruas, porém, Souza se envolveu em um episódio com tiroteio. Houve uma ocorrência em uma favela da zona leste e ele atirou contra o ladrão.
"O inspetor logo tirou minha arma e me jogou para trabalhar à noite. Eu me desesperei e perguntei: o senhor vai me colocar no perigo sem estar armado?"
Alguns meses depois ele foi assaltado em um ônibus, na saída do trabalho. "Se o ladrão olhasse minha mochila e visse o uniforme, eu ia morrer. Fiquei muito nervoso, me tornei uma pessoa insegura, não conseguia mais ir à rua e só ficava fazendo trabalho de escritório."
Diagnóstico
Em nota, a atual gestão diz que trabalha "no diagnóstico de todas as áreas, incluindo a questão do absenteísmo". O ex-prefeito Fernando Haddad (PT) não comentou o caso, mas sua assessoria orientou que o jornal O Estado de S. Paulo procurasse o ex-comandante Gilson Menezes, que não foi localizado.
'Eles fazem jornada acima do normale não tiram folgas'
O presidente do Sindguardas, Clóvis Roberto Pereira, se surpreendeu com os dados e afirmou que a maioria dos afastamentos de GCMs está ligada ao estresse no trabalho, por causa da falta de efetivo.
"Eles fazem uma jornada maior do que o normal e não conseguem tirar folgas. Só de março de 2015 para cá, o efetivo diminui em cerca de 120 pessoas e há 910 readaptados", disse ele.
Segundo Pereira, hoje, para realizar todas as atividades, o efeito da Guarda deveria ser de pelo menos 20 mil pessoas.
De acordo com a advogada Samara Rodella, que atua com guardas-civis e policiais, um dos maiores problemas dos clientes é que eles são obrigados a trabalhar muito mais do que podem e deveriam.
"Há uma impotência do guarda-civil diante de tanta injustiça e perseguições. O afastamento vira uma válvula de escape."
Segundo Samara, a Guarda costuma colocar a corregedoria para investigar os afastados. "Em vez de ajudá-los, (a GCM) expõe sua privacidade, tirando fotos do cotidiano com intuito de prejudicar ainda mais."
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.