Por que aliança com Dilma pode ser a única salvação de Cunha
Processo de cassação no Conselho de Ética e liminar que impede o rito de impeachment complicaram a atividade do presidente da Câmara na última semana
Da Redação
Publicado em 19 de outubro de 2015 às 13h00.
Última atualização em 2 de agosto de 2017 às 12h58.
São Paulo – A abertura da semana no Congresso amanhã (20) gera grande expectativa no mundo político. Espera-se que nesta terça-feira, o presidente da Câmara dos Deputados , Eduardo Cunha ( PMDB ), decida se acata ou não o principal pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff .
O pedido que tinha tramitação quase garantida, depois de acertado um rito para aceitação da petição, agora tem destino incerto. Além de a formalidade ser considerada ilegal pelo STF , marcou o noticiário da semana passada — para espanto geral da nação — o fato do presidente da Câmara estar articulando uma reaproximação com a presidente Dilma, com quem está rompido desde julho.
Para entender suas motivações em se aproximar da presidente, EXAME.com consultou analistas que avaliam seus próximos passos. E a conclusão é que essa é uma das últimas saídas para que Cunha se livre de um processo de cassação.
A vida do presidente da Câmara não anda fácil. Conforme o Ministério Público revela novas denúncias sobre a posse de contas bancárias do deputado na Suíça, delatores da Operação Lava Jato citam seu nome como um dos cabeças no pagamento de propina por contratos da Petrobras.
As acusações foram suficientes para que fosse protocolado nesta semana pelo PSOL e Rede Sustentabilidade um pedido de cassação de seu mandato, afirmando que Cunha não pode mais ocupar a presidência por falta de legitimidade. O pedido resultou em um processo no Conselho de Ética e Decoro da Câmara. Em até 90 dias úteis, o plenário da casa pode decidir por sua deposição e retirada de mandato.
Mesmo com o desgaste causado pela investigação, Cunha ainda interessa à oposição por ser o único homem com “coragem política” para deflagrar um processo de impeachment. Dilma, por sua vez, precisa de Cunha para frear o impedimento, além de ampliar sua articulação no Congresso para aprovar medidas.
"Cunha está hipervalorizado porque os projetos de poder não podem prescindir dele. Agora se houvesse um compromisso público, tanto da oposição, como da situação, eles tentariam inviabilizar Eduardo Cunha no Congresso, não é?", diz Marco Antonio Teixeira, professor do departamento de Gestão Pública da FGV de São Paulo. "Ambos passam por cima de qualquer bom senso político que, nesse momento, recomendaria que se evitasse Eduardo Cunha e tentasse acelerar o processo que aprecia sua conduta e as denúncias que pesam sobre ele."
Para Thiago Vidal, coordenador do Núcleo de Análise Política da Prospectiva Consultoria, fato fundamental para que o governo se reaproxime é o desgaste sofrido com derrotas em plenário nos últimos meses, muitas delas articuladas pelo próprio Cunha. Garantir que o impeachment não seja pautado por algum tempo, já é um bom alívio.
É certo que Cunha pode ajudar Dilma a ter um respiro. Mas recorrer à presidente é o caminho para livrar Cunha?
“Num primeiro estágio, governo e Eduardo Cunha conseguem respirar. Mas o Cunha terá que se explicar no Conselho de Ética, isso é inevitável”, afirma Vidal. “Ele pode recorrer ao governo porque o conselho é presidido pelo PSD , que é da base aliada. Mesmo que haja endurecimento, quem decide é o plenário. E o governo ainda tem um número grande de cadeiras na Câmara que podem barrar a cassação do mandato.”
O presidente do Conselho, deputado José Carlos Araújo negou que dará tratamento diferenciado a Cunha. Em declaração à Folha de S. Paulo, ele disse que não dará “vida fácil” ao presidente da casa — tudo antes da reaproximação de Cunha com a base aliada.
Procurado pela reportagem de EXAME.com ele reforçou a posição. “Próximo da base ou não, não fará diferença. O Conselho não tem nada a ver com tudo isso que está aí”, disse.
Dilma e o próprio PT também já fizeram questão de rechaçar a possibilidade de acordo. Tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva , quanto o presidente do partido, Rui Falcão, foram a público para negar articulação ou interferência no Conselho de Ética da Câmara.
“O governo jamais vai apoiá-lo publicamente. São muitas investigações e denúncias contra Cunha, pegaria mal demais. Dependendo das condenações, é capaz que fique impossível apoiar até nos bastidores”, diz Vidal, da Prospectiva. “O grande vencedor dessa história hoje é o governo, pois à medida que a opinião pública começar a cair em cima do deputado e a presidente Dilma percebe que ele não tem legitimidade para impedi-la, ela também vai se esquivar. Não teria como o público ou o político ter simpatia por quem é réu do crime que é visto como o problema maior, que é a corrupção.”
Para os analistas, ainda há uma hesitação no Congresso com relação à figura de Cunha porque o deputado ainda preside a Câmara e é peça chave no jogo político.
O apoio à sua cassação, que hoje está em cerca de 50 deputados (10% da Câmara), ainda não é suficiente para um processo de cassação. Mas, caso as denúncias forem se tornando em acusações formais, sua figura pode perder força e o movimento de deposição tende a aumentar.
“O Cunha é uma figura que, para onde for, pode fazer o serviço, mas o custo político em termos de opinião pública vai ser muito negativo”, afirma Teixeira, da FGV. “Até pouco tempo atrás, quando não estouravam denúncias contra, ele era bem visto por quem queria tirar o governo. Ele perdeu esse grupo. Mas os grupos de apoio à Dilma também agem de forma bastante pragmática. Há poder, mas também um isolamento.”
“Houve uma situação muito semelhante num passado recente que foi o caso do deputado André Vargas. Ele era vice-presidente da Câmara, uma figura bastante influente lá dentro, mas na hora que tiveram que cassá-lo, para não prejudicar a imagem da instituição, cassaram”, diz Vidal. “Isso pesa muito lá dentro.”
Para os analistas, um processo de impeachment só começa amanhã se Cunha estiver disposto a dar uma última cartada em busca de apoio público e aberto mão de necessariamente se manter no cargo — deixando de lado também o foro privilegiado no julgamento da Lava Jato. Caso ele opte pela renúncia à presidência, seu papel como parlamentar comum seria ainda mais fácil de derrubar.
Procurada, a assessoria do deputado Eduardo Cunha não deu resposta aos pedidos de declaração da reportagem sobre o acordo ou as denúncias que pesam sobre ele.