Dos 33 deputados favoráveis ao PL que equipara aborto a homicídio, 11 são mulheres
O caráter de urgência do projeto foi aprovado a toque de caixa anteontem na Câmara e gerou reações em diferentes frentes, com mobilizações nas redes sociais contra sua aprovação
Agência de notícias
Publicado em 14 de junho de 2024 às 10h46.
Dos 33 deputados autores do projeto de lei 1904/2024, queequipara abortos acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, 11 são parlamentares mulheres.O caráter de urgência do PL foi aprovado a toque de caixa anteontem naCâmarae gerou reações em diferentes frentes, com mobilizações nas redes sociais contra sua aprovação e tambémprotestos nas ruas de capitais brasileiras.Movimentos femininas e ligados aos direitos humanos alegam que o projeto deixa meninas vítimas de abuso sexual ainda mais vulneráveis e beneficia estupradores.
Veja as 11 deputadas que votaram a favor do projeto
Sóstenes Cavalcante - PL/RJ
Evair Vieira de Melo - PP/ES
Delegado Paulo Bilynskyj - PL/SP
Gilvan da Federal - PL/ES
Filipe Martins - PL/TO
Dr. Luiz Ovando - PP/MS
Bibo Nunes - PL/RS
Mario Frias - PL/SP
Delegado Palumbo - MDB/SP
Ely Santos - REPUBLICANOS/SP
Simone Marquetto - MDB/SP
Cristiane Lopes - UNIÃO/RO
Renilce Nicodemos - MDB/PA
Abilio Brunini - PL/MT
Franciane Bayer - REPUBLICANOS/RS
Carla Zambelli - PL/SP
Dr. Frederico - PRD/MG
Greyce Elias - AVANTE/MG
Delegado Ramagem - PL/RJ
Bia Kicis - PL/DF
Dayany Bittencourt - UNIÃO/CE
Lêda Borges - PSDB/GO
Junio Amaral - PL/MG
Coronel Fernanda - PL/MT
Pastor Eurico - PL/PE
Capitão Alden - PL/BA
Cezinha de Madureira - PSD/SP
Eduardo Bolsonaro - PL/SP
Pezenti - MDB/SC
Julia Zanatta - PL/SC
Nikolas Ferreira - PL/MG
Eli Borges - PL/TO
Fred Linhares - REPUBLICANOS/DF
Diante do silêncio do governo, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), criticou a tramitação acelerada do projeto e sinalizou que a matéria terá análise mais lenta na Casa vizinha, se avançar. Em meio ao desgaste, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou e indicou a possibilidade de mudanças no texto do PL. O deputado afirmou que a proposta não abarcará casos em que hoje o procedimento é permitido por lei. Um eventual ajuste, porém, já enfrenta resistência das bancadas evangélica e católica no Congresso.
A estratégia de Lira para alterar o texto original, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), é designar para a relatoria uma mulher de um partido de centro, capaz de produzir uma proposta, na sua avaliação, “mais equilibrada”, ao não equiparar a homicídio casos de aborto legal. A legislação hoje permite que o procedimento seja feito quando há gravidez decorrente de estupro, fetos anencéfalos e risco à vida da gestante. Atualmente, não há no Código Penal um prazo máximo estabelecido.
O que diz o PL 1904/2024?
Para a mulher que faz aborto ilegalmente, a lei prevê detenção de um a três anos. Pelo texto de Sóstenes, o procedimento realizado após 22 semanas de gestação seria punido com reclusão de seis a 20 anos, inclusive em gravidez decorrente de estupro. A pena é a mesma prevista para o homicídio simples. Dessa forma, o projeto abre margem para que uma vítima do estupro tenha pena maior que a de seu agressor, já o crime de estupro, quando a vítima é uma adulta, tem pena máxima de dez anos. Lira afirmou ontem que a redação da forma que está não deve ir à frente.
— Se todo projeto fosse aprovado de acordo com o texto original, não precisava de relator. O que é permitido hoje na lei não será proibido, não acredito em apoio na Casa para isso — declarou o presidente da Câmara. — O tema será largamente debatido na Câmara pelas deputadas. O que estamos tratando com este projeto é sobre a assistolia fetal (procedimento feito para casos de aborto acima de 22 semanas) para os demais casos, não previstos em lei.
O que é a assistolia fetal?
O projeto de lei prevê que o aborto após a 22ª semana não deve ser feito com o procedimento de assistolia fetal. Recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para abortos após 20 semanas de gestação, a técnica utiliza medicações para interromper os batimentos cardíacos do feto, antes de sua retirada do útero, e é considerada essencial para o cuidado adequado à mulher.
O PL foi apresentado em resposta à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão de uma resolução aprovada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para proibir a realização da assistolia fetal de gestações decorrentes de estupro. Moraes entendeu que a proibição restringiria a liberdade científica e o livre exercício profissional dos médicos e submetia meninas e mulheres à manutenção de uma gestação compulsória ou à utilização de técnicas inseguras para o aborto.
Procurado pelo GLOBO, Sóstenes Cavalcante se manifestou contra a possibilidade de alterar o texto.
— Se for necessário, incluímos no texto um aumento para a pena do estuprador também, mas discordo de mudança que atenue isso — defendeu o deputado.
O autor do texto disse ainda à colunista do GLOBO Bela Megale que vai defender a inclusão na redação do aumento da pena para o crime de estupro para 30 anos. Ele também afirmou que escolherá junto com Lira a relatora:
— Estamos construindo um nome juntos. Não será nem de esquerda nem de direita, será uma mulher de centro. O nome deve ser definido semana que vem.
Protestos pelo país
Atos convocados pela Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto levaram ontem manifestantes às ruas. Foram usadas expressões como “não ao PL do estupro” e “criança não é mãe”, em referência ao impacto de uma eventual restrição ao acesso ao aborto em casos de crianças — ter qualquer conjunção carnal ou ato libidinoso com menores de 14 anos configura estupro de vulnerável.
No Rio, centenas de pessoas se reuniram na Cinelândia, no Centro. Em São Paulo, a manifestação se concentrou em frente ao Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, e ainda foram registrados protestos contra Lira. Também foram organizados atos ontem em cidades como Brasília, Manaus, Recife, Florianópolis e Niterói (RJ).
Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco também criticou Lira ontem, ao defender que a discussão de um tema como o aborto não poderia ter sido feita de forma apressada. A votação da urgência para o PL ocorreu de forma simbólica, sem registro nominal dos votantes nem espaço para discursos. A medida aprovada permite acelerar a tramitação do texto, porque faz com que a matéria possa ser pautada diretamente em plenário, sem precisar passar por comissões. Pacheco indicou que o caminho será outro no Senado.
— Devo dizer que, com uma matéria dessa natureza, jamais, por exemplo, iria direto ao plenário do Senado. Ela deve ser submetida às comissões próprias. É importante ouvir, inclusive, as mulheres do Senado, que são legítimas representantes das mulheres brasileiras, para saber qual é a posição delas em relação a isso — disse Pacheco. — Aborto é considerado um crime doloso contra a vida. Está lá no Código Penal e ele é naturalmente diferente do homicídio.
Também ontem, o presidente do Conselho Federal da OAB, José Alberto Simonetti, anunciou a criação de uma comissão formada exclusivamente por mulheres para elaborar um parecer sobre o projeto, antecipou a colunista Malu Gaspar no site do GLOBO. O texto será submetido ao plenário do conselho da OAB na segunda-feira.