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Praias vão ser privatizadas? Entenda o que está por trás da PEC

Texto propõe revogar a posse da União dos chamados terrenos de marinha, transferindo áreas para entidades públicas e privadas

Publicado em 5 de junho de 2024 às 18h38.

Última atualização em 5 de junho de 2024 às 19h29.

A "PEC das Praias" tem chamado a atenção pelo debate em torno de uma possível "privatização das praias". A Proposta de Emenda a Constituição (PEC) 3/2022, de autoria do então deputado federal Arnaldo Jordy (PPS/PA), prevê a revogação do inciso VII do artigo 20 da Constituição, extinguindo as áreas costeiras denominadas terrenos de marinha.

A tramitação da proposta passou por uma audiência pública no último dia 27 de maio e tem relatoria do senador Flávio Bolsonaro, que é favorável à mudança. Ele afirmou, em  entrevista à GloboNews, que fará uma alteração no texto da PEC para deixar claro que as praias não serão privatizadas.

A proposta ganhou destaque nacional e se tornou uma das principais pautas dos noticiários — especialmente após menções ao jogador Neymar, que tem um projeto imobiliário à beira do mar em parceria com a DUE Incorporadora para construir imóveis de alto padrão entre a costa sul de Pernambuco e norte de Alagoas.

Em seu parecer, Flávio Bolsonaro problematiza a demora da União em demarcar os terrenos de marinha e argumenta que essa situação faz com que proprietários percam a posse de suas casas devidamente registradas em cartório "de uma hora para a outra" depois que a demarcação acontece.

Na outra ponta, advogados argumentam que a lei atual não retira o direito de propriedade de quem possui imóveis em regiões posteriormente demarcadas.

Mas, afinal, do que trata a PEC das Praias? EXAME conversou com advogados constitucionalistas e de direito administrativo para entender as implicações de uma possível aprovação.

O que diz a PEC?

O texto, da maneira como está colocado hoje, não aborda o acesso ao mar ou à faixa de areia. Ele propõe retirar da União a posse dos terrenos de marinha e transferi-lo para estados, municípios ou particulares que já ocupam aquele espaço, mas que atualmente taxas como laudêmio e foro:

  • Laudêmio: taxa de 5% do valor de venda de um imóvel. Ela é paga uma vez, quando acontece a transação comercial;
  • Foro: percentual de 0,6% do valor venal, pago todos os anos por quem utiliza e tem o domínio útil de um imóvel que está sob regime de enfiteuse;
  • Enfiteuse: enfiteuse administrativa ou especial é constituída sobre imóveis públicos, especialmente aqueles pertencentes à União, como os terrenos de marinha e acrescidos;

Com a mudança, haveria a transferência total da posse e essas cobranças deixariam de ser pagas por quem tem um imóvel localizado dentro desse espaço.

Para Ricardo Ferrari, presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB-SP, o argumento usado pelo relator Flávio Bolsonaro para explicar seu parecer favorável não é suficiente para justificar a mudança no formato vigente.

O especialista diz que, na visão dele, não há necessidade de uma PEC para tratar somente da alteração de posse dos terrenos de marinha. "É possível discutir a distribuição do valor arrecadado com os impostos de laudêmio e enfiteuse com uma PEC que esteja focada apenas em redistribuir entre os estados e municípios o que é arrecadado com esses tributos", diz.

O que são terrenos de marinha?

Terrenos de marinha são áreas que abrangem terrenos localizados 33 metros para dentro da costa do mar. Esses espaços foram definidos na Constituição de 1988, usando como base uma medição feita ainda em 1831 das marés mais altas daquele ano.

As praias serão privatizadas?

O texto não fala das praias, que são consideradas bens públicos e com acesso livre. Isso não mudaria na Constituição — sempre na hipótese de a PEC ser aprovada. O tema é a transferência de posse dos terrenos de marinha.

No entanto, quem se coloca contrário às alterações argumenta que, sem a proteção da legislação federal, pode haver o risco de que grandes empreendimentos ocupem áreas inteiras na costa, ameaçando a proteção de biomas costeiros, uma vez que novas regulamentações locais, definidas por estados ou municípios, podem ser mais flexíveis com a proteção ambiental.

"A PEC propõe regularizar uma situação que já acontece. A propriedade privada dentro desses terrenos que pertencem ao poder público é permitida por meio do pagamento da enfiteusa", afirma o advogado constitucional Antonio Freitas Jr.

Ele concorda que caso haja a mudança na legislação, será criado um ambiente institucional que pode estimular a compra de terrenos próximos à praias, mas lembra que isso será determinado somente após regulações administrativas e ambientais feitas pelos estados ou municípios.

Como é a lei hoje?

As áreas consideradas terrenos de marinha já são ocupadas por empreendimentos privados. Os prédios na orla das praias, por exemplo, estão dentro dessa delimitação e a propriedade dos imóveis não é contestada, mas seus respectivos donos são obrigados a pagar anualmente o foro, por ocupar um terreno que pertence à União.

Quando esse imóvel é vendido, também acontece o pagamento do laudêmio por causa da transferência de propriedade.

A responsabilidade sobre a regulação fundiária dos terrenos é da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

O que mudaria?

Os terrenos de marinha deixariam de pertencer a União e passariam a pertencer a estados e municípios gratuitamente, caso estejam ocupados por construções públicas. O texto também diz que haveria a transferência para particulares, mas não deixa claro como isso aconteceria.

"A PEC realmente favorece quem hoje tem o direito de posse a também adquirir a propriedade do terreno. O interesse é tornar o ambiente imobiliário mais seguro. Não é para ajudar meio ambiente ou a defesa nacional", diz Freitas Jr..

Dessa nova maneira, argumenta o advogado, seria possível haver investimentos mais robustos vindos de fundos imobiliários internacionais, uma vez que eles precisam da propriedade para seus garantir os investimentos.

Terrenos de marinha desocupados

Da forma como está redigido hoje, o texto da PEC fala que a transferência da posse só irá acontecer com aqueles terrenos que estão ocupados por serviços dos públicos dos estados e municípios ou entidades particulares na data da promulgação da proposta de emenda a Constituição.

Se até uma possível aprovação nada for alterado, os espaços usados pelo serviço público federal, unidades ambientais e áreas não ocupadas continuarão sob o domínio da União.
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