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Para professor do Insper, coronavírus instaurou uma crise tripla

A pandemia escancarou uma crise comportamental, sanitária e econômica, segundo o economista Thomas Conti

Coronavírus: sem mudança de comportamento, os custos sanitários e econômicos serão altíssimos (Imagem do satélite Maxar/Getty Images)
CC

Clara Cerioni

Publicado em 12 de abril de 2020 às 08h30.

Última atualização em 12 de abril de 2020 às 08h30.

Comportamental, sanitária e econômica. Esta é a crise tripla que se instaurou no mundo todo por conta do novo coronavírus , segundo o professor de economia do Insper Thomas Conti, que publicou um estudo analisando, pela ótica econômica, as respostas dadas à pandemia.

Em sua avaliação, o Brasil poderia ter aproveitado a vantagem de o vírus ter se originado na Ásia para se preparar melhor, mas pecou em um ponto-chave: a comunicação honesta com a população.

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Esse erro, segundo o economista, pode levar o país para uma "tragédia de grandes proporções" nas três variáveis da crise tripla.

"Não existe nenhuma alternativa para as políticas públicas que não dependa invariavelmente do compromisso e convencimento da população. Sem isso, não há nenhuma estratégia sanitária ou econômica que possa dar certo", diz.

Em entrevista à EXAME, Conti fala sobre a urgência de um alinhamento de discurso entre os governantes do país e a incerteza sobre a magnitude da crise econômica, além de destacar que as consequências no futuro dependem das decisões tomadas agora.

Leia os principais trechos da entrevista:

O seu artigo classifica a pandemia de coronavírus como uma crise tripla. Por que essa divisão?

O cenário da pandemia deixa claro que não existe nenhuma alternativa para as políticas públicas que não dependa do compromisso e convencimento da população, de respeitar regras de higiene e de aglomeração. Sem esse compromisso, não tem nenhuma estratégia que vá dar certo.

As pesquisas científicas mostram: não precisa haver um percentual grande de pessoas que descumpram as regras para que as medidas sanitárias deixem de funcionar. Por isso que começo com a crise comportamental.

As consequências do coronavírus vão ficar até o fim do ano, no melhor dos cenários. Mas também é uma crise comportamental para os próprios governantes, que nunca passaram por uma situação dessas e têm que mudar o comportamento, ser ágil, transparente e se comunicar.

Já a crise sanitária, é o colapso inevitável da saúde. Não tem nenhum sistema de saúde no mundo que aguenta o impacto dessa pandemia. E a crise econômica é de incerteza máxima.

Sua análise é que o país não retornará à normalidade tão cedo e que as próximas semanas serão de um "clima social próximo de um estado de guerra". A população está preparada para isso?

O Brasil tinha uma vantagem grande, porque o vírus não chegou aqui primeiro. Podemos ver o que aconteceu em outros países; na Coreia do Sul, Singapura, Vietnã e Alemanha, por exemplo, os governantes foram muito claros com a população desde o começo. Falaram que seria precisa fazer um esforço prolongado para não sobrecarregar o sistema de saúde.

Nos pronunciamentos do primeiro-ministro de Singapura, ele mostra a gravidade do problema e o que está sendo feito para evitar pânico na população. Deixa claro que as pessoas precisam estar preparadas para ter que fazer uma quarentena de urgência, cita os riscos de aglomerações.

O que nós estamos fazendo? O Brasil está criando conflitos internos que não precisaria ter. Os governadores de todos os estados tentaram se alinhar em uma estratégia comum, mas isso não durou. Não temos muito tempo para mudar isso e os custos sanitários e econômicos serão altíssimos.

Há muita incerteza sobre o cenário econômico mundial pós-pandemia. Qual a sua avaliação para a situação do Brasil?

Com nosso histórico de lenta recuperação da profunda crise que sofremos entre 2015 e 2016, conseguimos ter bons motivos para acreditar que, se gerindo bem a crise sanitária, a recuperação econômica dessa vez seria mais rápida. Isso se dá pela própria natureza da crise, que é primeiramente de saúde.

Mas há muita incerteza, especialmente porque o que vai acontecer com a nossa economia vai depender do que for decidido nas próximas semanas sobre como conter a pandemia. Embora a discussão pautada seja presidente vs governadores, o debate real que existe é que no mundo inteiro, ninguém está considerando voltar ao normal em dois meses.

Vamos adotar o distanciamento de mitigação, para desacelerar a velocidade do vírus mas manter a população autorizada a circular, ou de supressão, com um verdadeiro lockdown? Cada um tem um impacto econômico diferente. A gente não sabe para que lado caminhar.

Governantes precisam alinhar essa estratégia e falar de forma honesta para a população fazer planos consistentes com essa estratégia. Um empresário precisa saber se vai lutar por seis meses de forma moderada ou se vai fechar tudo por um mês. O trabalhador precisa saber quanto tempo ele vai ficar longe do emprego e se vai precisar de mais ajuda financeira.

As pessoas estão pensando que em um mês vão poder voltar para a rua, se abraçar e fazer tudo normal. Mas isso não está no horizonte de nenhum país do mundo.

Mas não é possível levar essa perspectiva para população, mesmo com o desencontro dos governantes?

A imprensa pode noticiar, as redes sociais podem publicar, mas esse é um tipo de decisão política que só um presidente, um governador e um prefeito podem tomar.

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