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Para "guru" do Exército nos anos 80, Bolsonaro fazia "jogo" da esquerda

O general Sérgio de Avellar Coutinho escreveu algumas vezes sobre a postura do atual presidente: "reforça uma campanha de descrédito das Forças Armadas"

Federal deputy Jair Bolsonaro, a pre-candidate for Brazil's presidential elections, takes pictures with students of the military college during an Army Day ceremony, in Brasilia, Brazil April 19, 2018. REUTERS/Ueslei Marcelino (Ueslei Marcelino/Reuters)
EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 24 de fevereiro de 2019 às 09h54.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2019 às 09h56.

São Paulo — Houve um tempo em que o general de brigada Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, um dos mais importantes pensadores militares, afirmava que o presidente Jair Bolsonaro fazia "o jogo das esquerdas".

Para ele, a atuação política do então capitão da reserva só servia "para reforçar uma campanha de descrédito das Forças Armadas perante a opinião pública, comprometer a respeitabilidade do militar e quebrar a coesão interna" do Exército.

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Coutinho vinculava Bolsonaro a "iniciativas desastradas" que podiam desprestigiar a autoridade dos chefes militares e "criar lideranças informais e hierarquias paralelas".

O general — estudioso da guerra revolucionária — expressou-se assim quando comandava o Centro de Informações do Exército (CIE), em 1989, em dois Relatórios Periódicos Mensais do órgão — os de n.º 05/89 e 09/89.

Nos anos 1980, o general foi um dos primeiros militares a difundir nas Forças Armadas textos que abordavam a influência do pensador marxista Antonio Gramsci na estratégia das esquerdas no Brasil.

Na reserva, tornou-se uma espécie de "guru" da direita no País. Coutinho publicou livros pela Biblioteca do Exército, como Cenas da Nova Ordem Mundial e A Revolução Gramcista no Brasil.

Dava palestras no Clube Militar nas quais afirmava que "o marxismo cultural", por meio da criação de "um novo senso comum" ancorado no "politicamente correto", criava o "consenso na sociedade".

Este era interpretado como um instrumento para a socialização do País, discurso que influenciaria o de Bolsonaro. O general morreu em 2011.

Alvo de suas críticas nos relatórios confidenciais do CIE, Bolsonaro era então vereador — preparava a primeira candidatura a deputado federal — e ocupava a vice-presidência da Federação das Associações de Militares da Reserva. A Famir reunia militares inativos e pensionistas e defendia as reivindicações dos militares.

Coutinho não foi o único general que, na época, criticava Bolsonaro. A atuação classista do capitão fez com que tivesse a entrada proibida nos quartéis, após colidir com os ministros do Exército Leônidas Pires Gonçalves (1985-1990) e Carlos Tinoco (1990-1992).

Julgavam-no inconsequente e intransigente. Ou, nas palavras de Coutinho, alguém que "procurava semear um clima de discórdia, incompreensão e descrédito no público interno".

Prontuário

Coutinho não se limitava a informar fatos nos relatórios do CIE. Ele também fazia análises, um estilo que contrastava com os dos chefes anteriores do centro, como o general Tamoyo Pereira das Neves.

Desde 1987 até 1990 os generais do CIE, por meio da Seção 102 (Informações) do órgão, produziram documentos sobre Bolsonaro para os chefes militares e alimentaram seu prontuário no centro: o de n.º 18658-5.

Além de vigiar e acompanhar as atividades de Bolsonaro, a inteligência militar também espalhava suas análises e descobertas pelos quartéis. Na época de Coutinho, os relatórios mensais tinham 340 cópias, que eram distribuídas "até o nível de unidade" com o objetivo de "difundir informações relacionadas à defesa interna". Era praticamente o triplo do que era feito no comando do general Tamoyo, seu antecessor.

Assim, os textos de Coutinho sobre Bolsonaro tiveram difusão ampla na Força, pois o general acreditava que "o comandante de unidade tem o dever de manter seus homens informados". "A utilização de trechos (do relatório confidencial), desde que preservado o sigilo da fonte, poderá ser feita para atingir os objetivos já citados."

Compostura

No relatório de maio de 1989, o texto sobre Bolsonaro (Compostura Militar) dividia a página - a de número 6, com a assinatura de Coutinho no alto - com outro sobre o líder do PT Luiz Inácio Lula da Silva - condenado e preso na Lava Jato -, que tinha o título Desinformação.

Um texto analisava o "socialismo moreno" do ex-governador Leonel Brizola, a quem acusava de ter usado nos anos 1960 recursos de Cuba para "alimentar movimentos revolucionários".

Mais adiante, criticava o secretário-geral do PCB, Salomão Malina, por não ter verdadeiramente desistido da luta armada para a tomada do poder e ser financiado pela União Soviética.

Em setembro, Coutinho escreveu que a "permissividade da sociedade brasileira, pacientemente elaborada nos últimos 10 anos, através dos meios de comunicação social, infiltrados pela esquerda, tem criado uma aceitação 'sem preconceitos' e 'democrática' de tudo: da destruição da família ao desamor à Pátria, da tolerância ao crime à complacência aos antigos terroristas".

Denunciou ainda "a radicalização do PT" e concluía com a acusação a Bolsonaro - Fazendo o Jogo das Esquerdas II: Famir. A inteligência do Exército chegou a se infiltrar na Famir. Em sigilo, pelos menos três colegas de Bolsonaro, da turma de 1977 da Academia Militar das Agulhas Negras, denunciaram sua atuação para o CIE.

Seria pelo trabalho silencioso - revelou um general ao Estado - de um dos maiores agentes da história do CIE, o tenente-coronel João Noronha Neto, o Doutor Nilo, que começaria a reconciliação da cúpula militar com Bolsonaro, um processo iniciado nos anos 1990 que só se concluiria no ano passado.

O Estado procurou o Centro de Comunicações do Exército e a Secretaria de Comunicação da Presidência da República, mas eles não se manifestaram sobre os relatórios de Coutinho. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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