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Padrinhos políticos: o fim de uma era

Pelo descontentamento da população com a classe, políticos tradicionais não conseguiram impulsionar seus pupilos como em edições passadas das eleições

LULA E HADDAD: ex-presidente é apenas o caso mais dramático de um fenômeno mais amplo de enfraquecimento dos padrinhos políticos / Ricardo Stuckert (Ricardo Stuckert/Divulgação)

LULA E HADDAD: ex-presidente é apenas o caso mais dramático de um fenômeno mais amplo de enfraquecimento dos padrinhos políticos / Ricardo Stuckert (Ricardo Stuckert/Divulgação)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 8 de outubro de 2016 às 09h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h17.

As eleições de 2016 tiveram um protagonista incontestável nas urnas: o “não-voto”. Ao longo da semana, não foram poucas as manchetes que destacaram o alto índice de brancos, nulos e abstenções nas zonas eleitorais. São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba foram algumas das cidades em que os eleitos ou favoritos foram superados por quem preferiu não votar. Em 22 capitais, a soma de anulações foi maior que a votação obtida pelo primeiro ou segundo colocados. Para cientistas políticos — e para o próprio presidente Michel Temer — esse é um claro recado da população sobre a insatisfação e cansaço com a classe política.

Pesquisas recentes mostram que a bomba era esperada. Em maio deste ano, o estudo da Gfk Verein mostrava que apenas 6% dos brasileiros confiavam nos políticos, pior resultado entre os países pesquisados ao lado de Espanha e França. Para se ter ideia, somente 10% dos brasileiros confiavam nos prefeitos. Já o instituto Ipsos, no mesmo mês, registrou que 78% dos brasileiros desconfiavam nos políticos em geral e 77%, nos partidos.

Mais do que mero descontentamento, o clima do último domingo escancarou uma nova dinâmica de apoio entre cabos eleitorais e candidatos nas eleições municipais, em que políticos tradicionais não conseguiram impulsionar seus pupilos como em edições passadas. Casos de apadrinhamento, como aquele em que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva alçou uma desconhecida Dilma Rousseff ao cargo de presidente e um discreto Fernando Haddad à prefeitura da maior cidade do país, são espécies em extinção no jogo político.

O contraste com o passado é evidente. No episódio Lula 2010, o ex-presidente aproveitava seu auge político ao deixar a presidência. Naquele ano, o Brasil registrou o maior crescimento da história recente, de 7,5% do PIB, além do pico do superciclo das commodities e 10% de alta na indústria. A popularidade do então presidente estava em 83,4% em dezembro, segundo a pesquisa CNT/MDA. Nem mesmo o escândalo do mensalão, que golpeou boa parte de seu núcleo de governo, como o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, pode comprometer sua aura de sucesso.

Sua apadrinhada Dilma, com carreira técnica e suposto preparo para levar adiante os avanços, chegou ao cargo com tranquilidade. Foi a mesma a lógica que elevou Haddad à prefeitura de São Paulo, que pouco avançava nas mãos de governos tucanos e aliados nos 10 anos anteriores.

Em 2016, o cenário foi o inverso. Um Lula de imagem abalada pelas denúncias envolvendo seu nome e seu partido nos esquemas de corrupção da Operação Lava-Jato, somado à grave crise puxada pela nova matriz econômicas do governo Dilma, pouco comoveu o eleitorado. Onde apareceu para fazer campanha, Lula encontrou derrota. O caso mais notável foi em seu próprio berço eleitoral, São Bernardo do Campo, em São Paulo, com Tarcisio Secoli (terceiro lugar, com 22,57% dos votos), mas foi assim com Fernando Mineiro, em Natal, e Luizianne Lins, em Fortaleza. Só se salvou João Paulo, em Recife, que foi ao segundo turno. No balanço final, o PT ficou com apenas 256 prefeituras após o pleito, quase 60% a menos que em 2012. No ranking dos partidos, caiu de terceiro para décimo lugar.

“A rejeição nesse caso não se deve apenas à Lava-Jato e ao impeachment. Há uma reprovação da visão programática que o PT insistiu em sustentar, tanto que em vários casos, o voto sai de lá e não migrou para alternativas de esquerda, mas para opções políticas com viés pró-mercado”, afirma o cientista político e professor do Insper Fernando Schüler. “A responsabilidade fiscal se tornou tema central na agenda brasileira e a sociedade deu uma sinalização clara que não aceita mais políticas irresponsáveis, como a expansão irracional do gasto público”.

Para especialistas consultados por EXAME Hoje, Lula é apenas o caso mais dramático de um fenômeno mais amplo de enfraquecimento dos padrinhos políticos. Outros peixes grandes da política nacional amargaram a derrota onde tentaram apoiar a campanha. A ex-presidente Dilma Rousseff fracassou com o apoio a Jandira Feghali (PCdoB); Eduardo Paes tentou eleger Pedro Paulo, ambos do PMDB; Marina Silva, o caso mais grave, não transferiu sua popularidade para os candidatos da Rede Sustentabilidade.

É a economia, estúpido

O quadro econômico corrente é o principal gargalo para uma campanha política de sucesso — e a crise econômica, é sempre bom lembrar, esteve a pleno vapor em 2016. O desajuste nas contas foi o que derrubou a popularidade dos governos petistas. Dilma, que recebeu o país com 49,2% de aprovação, deixou a cadeira com 11,4%, segundo pesquisa também realizada pela CNT/MDA. E como a impopularidade de Dilma, mesmo depois do impeachment, seguiu em alta, é bem provável que seu apoio pode ter atrapalhado os candidatos. No Rio de Janeiro, por exemplo, Jandira Feghali oscilou negativamente de 7% para 5% das intenções de voto entre o surgimento de Dilma na campanha e o dia anterior à eleição.

“Em uma situação como essa, há um conceito que chamamos ‘eleição de mudança’. Quando a avaliação do atual governo fica abaixo dos 40% de ótimo e bom, é muito improvável que a situação vença”, afirma João Pimentel, cientista político e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

O governo de Paes não teve (até agora) o mesmo desempenho catastrófico da gestão Dilma. Ainda que as contas não tenham sido abertas, Paes conduziu a Olimpíada sem maiores problemas e ainda teve as obras da cidade para exibir como legado. Mas os problemas com a administração do PMDB no governo do Estado podem ter pesado na escolha do eleitor. E no caso do atual prefeito do Rio pode ter sido ainda pior: ao bancar a candidatura de Pedro Paulo, ele pode ter destruído sua chance de concorrer ao governo do Estado ou à presidência em um futuro próximo.

É o fim?

“A política, como fundamento da resolução pacífica de conflito, sofre um momento duvidoso no mundo todo. É como se olhassem para a política com ideia de que ela carrega tudo o que é perverso e corrupto”, a firma José Veríssimo Romão Netto, cientista político e pesquisador do Núcleo de Pesquisa em Políticas Públicas da USP. “E os nomes consagrados são os que mais sofrem. Há um ideário popular de uma substituição de políticos por técnicos”.

De certa forma, isso explica o sucesso de uma bem sucedida união de 2016: a dupla Geraldo Alckmin e João Doria, ambos do PSDB. O governador percebeu o momento de insatisfação popular e investiu em um outsider, que do ponto de vista político era uma folha em branco. E mais: usou a máquina do Estado para angariar apoio à coligação, sem expor sua figura para somar uma possível rejeição.

Estava posta aí a possibilidade de criar o “João Trabalhador”, motivado a impor um ritmo de iniciativa privada ao setor público, dissociado de uma forte identidade com um partido. O risco de o candidato milionário ser rejeitado pela periferia se desfez pela insatisfação que essa camada do eleitorado carregava com o atual prefeito, o prefeito Fernando Haddad, que vem de um partido estigmatizado e que teve quatro anos de gestão para ser avaliado.

Outro mérito de Alckmin foi compreender a própria realidade partidária. Doria, com a imagem de um homem bem-sucedido, fez um discurso forte de gestão e de uma visão pró-mercado, além de ser um bom comunicador e alguém que, num quadro de escassez de recursos, teve condições de colocar recursos pessoais na própria campanha.

“No caso do Paes, ele não foi um político impopular, mas escolheu mal. Alckmin não é um político popular, mas escolheu bem. O problema do PT foi o desgaste, não importa muito quem disputasse as eleições, iria perder”, afirma Sérgio Praça, da FGV-Rio. “Depois do fim da carreira política do Lula, não vejo ninguém com condições de inventar uma candidatura e ganhar. Sobretudo no nível nacional. É um carisma e popularidade que não tem paralelo na história recente do país. É uma tendência que fica cada vez menor”.

Para os especialistas, o que se pode tirar de positivo do momento político é que há espaço para que se renove a política por dentro, repactuando modos de fazê-la. “Se servir para equilibrar poderes, resgatar a política como modo de resolução de conflito, saímos bem”, diz Romão Netto, da USP.

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