Brasil

Os meninos e meninas que têm a infância interditada

Moradias precárias nas encostas colocam crianças em situação de risco e vulnerabilidade em Salvador

Criança moradora da comunidade Barro Branco, na Bahia: rotina em meio aos deslizamentos de terra (Donminique Azevedo/Agência Pública)

Criança moradora da comunidade Barro Branco, na Bahia: rotina em meio aos deslizamentos de terra (Donminique Azevedo/Agência Pública)

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Da Redação

Publicado em 12 de outubro de 2015 às 17h00.

Última atualização em 29 de maio de 2017 às 16h31.

Salvador – Na comunidade do Barro Branco – a menos de dez quilômetros do Pelourinho, um dos principais pontos turísticos da capital baiana – Gabriel*, 8 anos, chora desesperadamente. Chove muito. Ele mora em uma das cinco últimas casas habitáveis do local.

Pouco mais de três quilômetros separam Gabriel de Jorge*, 10 anos. No cubículo de dois cômodos, também na periferia da cidade, Jorge, a mãe, o pai e as duas irmãs tentam, com vassoura, rodo e panos de chão, retirar a água que entra pela única fonte de ventilação da casa, a porta.

A alternativa mais viável para tamanho esforço é furar novamente a parede do quarto/cozinha/banheiro que dá para os fundos. O volume de água que entra é desproporcionalmente maior do que aquele que sai pelo buraco feito.

A preocupação de Jorge e da família não reside apenas nas perdas dos poucos móveis, mas, principalmente, em saber que o barranco pode desmoronar a qualquer momento. A casa dele está a 60 metros de altura, na borda de uma pedreira desativada, em São Caetano.

Mais distante de Jorge e de Gabriel, do outro lado da cidade, em São Cristóvão, também região periférica, porém na parte norte de Salvador, para ir à escola, Ana Maria* aguarda a mãe voltar da primeira travessia.

Paula*, a mãe, percorre, por entre as águas de chuva e de esgotos, 50 metros com Miguel* no pescoço. Deixa o garoto de 10 anos e recomenda que aguarde na esquina da rua para que ela volte para buscar Ana Maria, de 12 anos.

Basta chover mais forte para que condições semelhantes alterem a rotina de outros milhares de crianças que vivem em áreas com risco de deslizamento de terra, desabamento e alagamentos na capital baiana.

Somente neste ano foram 21 mortes, sete delas eram crianças e adolescentes. Quase 8 mil famílias ficaram desabrigadas. Reza a Carta Magna que os direitos das crianças e dos adolescentes estão amparados pelo princípio da prioridade absoluta presente no artigo 227 da Constituição Cidadã de 1988.

Consta que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

No entanto, o cenário com que se depara é oposto à legislação maior do Brasil. Viver em lugares sem as mínimas condições de sobrevivência coloca a infância e a juventude em extrema situação de vulnerabilidade física, emocional e social.

(Donminique Azevedo/Agência Pública)

Dialogar com meninos e meninas imersos nesse universo de violações exige muito mais que bloquinho de anotações, roteiro de entrevista, gravador e uma máquina fotográfica. Já na primeira tentativa, encontro muita resistência, inclusive dos pais, para falarem sobre o assunto.

“Mas você vai falar de chuva logo agora que ela está passando. Não desejo que minha filha fale sobre essas coisas”, escuto, por telefone, de uma mãe, moradora de umas das 600 áreas de risco de Salvador. Depois de muitas tentativas, consigo agendar com uma família. Volto ao Barro Branco, quatro meses após o deslizamento de terra que vitimou 11 pessoas. Todos os mortos estavam presentes na lista de convidados da festa de aniversário de Gabriel, aquele do início da reportagem.

No portão, o garoto me recebe, com muita desconfiança. “Quem é essa, mamãe, é bombeiro?” A mãe esclarece que é uma jornalista e que veio conversar sobre algo importante. Recomeça a chover e Gabriel se encolhe na cadeira. Grita que está com medo.

Da sala, a avó avisa que é apenas uma nuvem. Daí em diante, Gabriel passaria boa parte do tempo entre o portão da casa e a varanda, local onde entrevisto a mãe.

“É assim que ele fica o tempo todo. Pergunta-me todo dia pelo pessoal que morreu e pelas casas também”, conta Luciana*, a mãe. No local do acidente, um vazio. Com o risco de novos acidentes, a prefeitura demoliu outras habitações. No chão, alguns pertences pessoais das vítimas, semicobertos pelo barro.

Enquanto lista, uma a uma, as tragédias que ocorreram no Barro Branco, Luciana oferece uma coxinha de frango a Gabriel. O garoto fala que perdeu a fome, volta ao portão e permanece em silêncio.

A mãe continua: “Oxe, eu lembro de todos acidentes daqui. Já ouvi muitos gritos na madrugada de gente correndo porque a casa desabou ou porque o barro começou a descer. O povo só lembra das tragédias com vítimas fatais”.

A chuva dá uma trégua e o assunto agora é futebol. “O Barcelona joga hoje?”, pergunta-nos Gabriel, chutando uma garrafa PET. Ofereço lápis de cor e papel. Peço que desenhe a casa em dias de chuva. Resiste. Deixo os materiais sobre a mesa.

Em minutos, lá estava ele com lápis de cor azul nas mãos. Faz apenas o nome completo no papel e me entrega, dizendo que terminou. Pergunto sobre a casa e ele responde que está pronta. “É isso, ele não superou ainda, quer dizer, ninguém supera. Vivemos dias de terror”, diz a mãe.

O horror citado por Luciana é narrado por seu vizinho em detalhes. Jeferson de Oliveira, 23, um dos primeiros a chegar ao local do acidente ocorrido três dias antes do aniversário de Gabriel.

“A última cena que eu vi foi tudo em pé. Isso era cerca de umas 18h30 de domingo. Acordei cedo para ver como estava a rua, pois ia sair para trabalhar. Não enxerguei nada direito, estava tudo branco, chovia muito. Foi só o tempo de fechar a porta para ouvir um barulho bem forte, como se fossem uns ‘estralos’ de vidro quebrando. Quando voltei à porta, vi aquela água barrenta escorrendo perto da casa de minha mãe, que fica a três metros da minha. A casa do vizinho Sandro já estava no chão. Vi uma mão acenando mais adiante. Minha esposa e meu tio acharam que eu estava vendo alucinações.”

Era a mão do vizinho Sandro pedindo ajuda para retirar dos escombros o filho Samuel Santos, de 12 anos, uma das 11 vítimas do deslizamento de terra daquele dia no Barro Branco.

Àquela altura, outros moradores se juntaram aos primeiros a chegar ao local. Mesmo sabendo dos riscos que a atitude apresentava, iniciaram o resgate aos soterrados. Sob a chuva intensa, o barranco continuava a descer.

“Veio uma tempestade de chuva, desceu barro e soterrou Samuel. Ajudamos a retirar com vida a mãe dele, mas o menino não resistiu”, conta Jeferson. Era preciso continuar o trabalho sozinho.

O Corpo de Bombeiros, mesmo avisado do ocorrido, demoraria a chegar devido aos problemas habituais em dias de chuva em Salvador: trânsito caótico – seguido de assaltos a motoristas presos nos congestionamentos –, esgotos transbordando, alagamentos em diversos pontos da cidade, protestos em vias públicas, árvores e muros caídos, deslizamentos de terra e desabamento de imóveis.

Os pedidos de socorro ecoavam abafados. “Quando retornamos para dentro do buraco, vi uma cena de horror. Um pedaço da laje estava sobre dona Magnólia. A amiga dela estava soterrada da barriga até a cabeça, e só as pernas para o ar. Minha pressão quase baixou. Para chegar até Carla, filha de dona Magnólia, teria que pisar sobre o corpo da mãe dela. Ao mesmo tempo, Robertinho também pedia que o tirasse dali. Ele estava esmagado entre dois pedaços de laje, uma grade, com um bocado de barro e panelas por cima. Eu e Edmilson, nosso vizinho, conseguimos tirar Carla. Ele não aguentou porque a cena foi bem forte e ficou sem condições de continuar. Já com a ajuda dos bombeiros, conseguimos tirar Robertinho com vida, mas ele não resistiu. Isso me tocou muito. Eu tinha visto a mãe de Robertinho grávida dele”, lembra Jeferson emocionado.

Em meio ao caos, o mecânico e estudante de engenharia civil teve ainda que retirar seu filho de 1 ano às pressas de casa, pois o barro estava descendo próximo à casa dele. Outros moradores estavam evacuando as residências, pois não havia tempo nem condições de avaliar os riscos.

A maior preocupação era com as crianças e idosos que foram abrigados nas casas do início da rua, sem risco de desabar, ou levados para outros bairros. Embora houvesse uma tentativa de poupar os pequenos, era impossível diante daquele quadro não perceber o que acontecia. O desespero da vizinhança eclodia à medida que, do meio dos escombros tomados pelo barro, mais um corpo era retirado.

A pouco mais de 100 metros do local da tragédia, na entrada da rua, abrigado em um bar, o pequeno Gabriel, atônito, procurava respostas para o que estava acontecendo. “Mãe, foi a casa da dona Maria? Ela morreu?” Gabriel era muito próximo a dona Maria Tereza, 57.
Desde pequeno, todos os dias, nos mesmos horários, Gabriel ficava no portão à espera da vizinha. A brincadeira entre os dois era certa.

Dois dias antes do acidente, dona Maria brincou dizendo que esse ano Gabriel não ganharia presente de aniversário, enquanto escondia uma sacola nas costas.

De fato, o presente não chegou. Dona Maria estava entre os que morreram. Faleceram ainda Cássia Vitória Paim dos Santos, 14, Dezaneide Dias Figueiredo, 59, Elaine Oliveira dos Santos, 30, Jocenildo dos Santos Luz, 33, José Cosme de Oliveira Luz, 56, Magnólia Paim dos Santos, 44, Maria José dos Santos, 75, Roberto Ubiratã dos Santos Júnior (Robertinho), 16, Samuel Santos Oliveira, 12, Sivaldo Silva Neves Filho, 30.

Como dizer a Gabriel que, como numa espécie de desenho animado, seus vizinhos foram engolidos pela precariedade das moradias? Diferentemente do que ocorre no mundo da fantasia – no qual uma casa cai sobre alguém e, de repente, como num passe de mágica, lá está a pessoa na tela, sem um arranhão sequer –, na vida real, acidentes deixam marcas. As cicatrizes, ou seja, as consequências, vão além de mudanças na paisagem, da destruição de imóveis e de outros bens.

Donminique Azevedo/Agência Pública

(Donminique Azevedo/Agência Pública)

Crianças em desamparo

Para o psicólogo e professor universitário Júlio Hoenisch, a probabilidade de uma pessoa em desenvolvimento, especialmente as crianças, apresentar um sentimento de inferioridade em relação ao outro é bastante considerável para meninos e meninas em áreas de risco.

“Se essas crianças não tiverem acesso a políticas sociais efetivas, isso vai produzir uma relação cíclica com a tragédia. Certamente colocará a pessoa em posição de desalento diante da realidade. Este estado já é um dano porque a pessoa não consegue ser protagonista de mudança nenhuma. Ela foi cerceada da condição de sujeito”, pontua.

Em São Caetano – bairro que reúne mais de 200 mil habitantes espremidos em diversas comunidades –, Jorge, o garoto que mora na borda da abandonada pedreira, conta-me, de forma contida, que não gosta de morar naquele local.

Peço que me fale sobre as condições da moradia. Ele silencia e continua desenhando a casa em dias de chuva. Minutos depois, desabafa: “A única coisa que eu queria era uma casa com laje para poder ter quartos na parte de cima, calçada para brincar e que esse barranco não fosse aqui perto”. Silêncio novamente.

Entrega o desenho e pergunta se o desenho vai passar na TV. Digo que não e explico sobre onde e como o trabalho será publicado. No desenho, Jorge pinta apenas a sala. Questiono por que ele não coloriu o vão da casa que reúne quarto/cozinha/banheiro. Ele, cabisbaixo, com a voz embargada, responde “não precisa”.

Jorge não conhece os dados do IBGE que mostram que 67% da população de Salvador reside em bairros sem condições mínimas de saneamento e com índices elevados de pobreza.

O garoto não sabe também, mas a “terra mãe do axé music” está entre os municípios brasileiros que apresentam os maiores percentuais de domicílios sem espaçamento entre si e com verticalização predominante de dois ou mais pavimentos, localizados em áreas não propícias à urbanização regular, como encostas.

No entanto, Jorge vive essa realidade que, como espécie de hereditariedade, acompanha sua família há longos anos.
Seu pai nasceu e foi criado no casebre onde vivem. “Eu era menino e já vi vizinhos serem soterrados aqui. A gente sai para trabalhar, não sabe se vai chegar e encontrar os filhos vivos, como foi o caso do Marotinho, uma comunidade que fica aqui perto, no bairro de Bom Juá”, desabafa o pai de Jorge.

O operador de máquinas faz referência ao deslizamento de terra que causou desabamento de um imóvel, a 130 metros de seu domicílio. Sete pessoas, todas da mesma família, foram soterradas. Entre os mortos estavam os irmãos Joice Bispo Ribeiro Reis, 15 anos, e Jonathan Bispo Ribeiro Reis, 13 anos, parentes de Adriano Bispo Pereira, 11 anos, e de Geraldina da Cunha Bispo Reis, 35 anos. Na mesma região, em 2013, duas pessoas também morreram soterradas.

Em São Cristóvão, Paula, mãe de Ana Maria, revela que desde pequena convive com os problemas ocasionados pelas inundações. “Embora aqui, graças a Deus, não tenha morrido ninguém, como foi o caso de outros lugares, todo ano a gente sofre com a chuva. Olha para aqui como é que eu estou! Fiquei quatro dias internada com meu filho mais novo com problema alérgico por causa da frieza”, desabafa Paula, mostrando as feridas no corpo, resultado do contato com águas contaminadas ao passar por dentro do alagamento para levar e buscar os filhos na escola.

A garota, ao lado da mãe, observa atenta. Proponho o desenho, e Ana Maria também questiona se é para “colocar na TV”. Pergunto se ela deseja que coloque e por quê. Prontamente, a garota de olhar atento responde que sim e justifica o questionamento. “Acho que se sair na televisão alguém vai resolver nosso problema.”

Reflito sobre a expectativa das crianças. Meus pensamentos são interrompidos pelos gritos da garota na rua convidando os amigos a desenhar. Ela mesma passou as recomendações. Preferi não intervir, apenas observar. Enquanto desenhavam na calçada estreita de menos de 50 centímetros, ao lado da casa de Ana Maria, dei continuidade à entrevista com Paula.

Donminique Azevedo/Agência Pública

(Donminique Azevedo/Agência Pública)

De repente, a garota pergunta à mãe se já havia me contado sobre o bote. Antes de qualquer resposta, disparou: “Na última inundação, meu vizinho fez um bote com uma geladeira velha. Colocou eu e meu irmão para poder atravessar a rua. Foi bom porque a gente não pisou na água, né? Mas o bom mesmo é que não tivesse esse problema. A gente não aguenta mais isso!”.

O desejo de Ana Maria é o mesmo de seus vizinhos, cansados de contabilizar os prejuízos sociais e econômicos todos os anos. É praticamente unânime entre as autoridades que as inundações são apenas decorrências de fortes chuvas e das ocupações irregulares.

As reclamações dos moradores por obras de contenção e de infraestrutura viram peteca nas mãos dos diferentes órgãos da administração pública. “Você reclama com a Embasa, que diz que o problema é de drenagem pluvial, ou seja, da prefeitura. Procura a Secretaria de Manutenção, que diz que é com a Secretaria de Obras Públicas. É um jogo de empurra, e a gente continua aqui sofrendo com o alagamento ano após ano”, conta o agente de portaria Almir Belmont, que convive há dez anos com o perigo dos desabamentos, no bairro de São Cristóvão.

“Essa inundação tem muito a ver com a idade dele, explica a comerciante Lana Maria da Conceição, também do bairro de São Cristóvão, falando do filho.

“Quando veio a rede de esgoto do Programa Bahia Azul, o menino estava com seis meses de nascido, a casa alagou, eu ainda brinquei com ele por ter de ficar mais tempo no berço: ‘Oh, meu filho, você não é Jonas nem Moisés, que foram parar no cesto!’. Tudo pode ter uma solução. Basta querer. O que não dá é para continuar como está. Quando chove, a gente fica ilhado!”, exclama.

Do lado dela, junto com outras duas crianças, o filho de Lana inicia o desenho. Um deles me pergunta sobre o que devem colocar no papel. Respondo que eles são livres para fazer como desejar.

O garoto retruca baixinho: “Se ainda tivesse um modelo pra gente copiar…”. Lana argumenta: “Venha cá, vocês não sabem o que acontece aqui quando chove?”. O filho responde: “A gente sabe, mas como é que a gente vai desenhar tudo debaixo d’água?”.

Procuro a Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) para saber sobre a situação da comunidade de São Cristóvão. Segundo a empresa, trata-se de um problema de ocupação irregular e de drenagem pluvial.

“As casas estão numa cota abaixo da lagoa do Bispo. O pessoal ocupou as margens do córrego. Na hora que chove, a lagoa enche, essa vazão do córrego aumenta e inunda as casas. Eles estão ocupando a várzea onde o córrego deveria espalhar as águas. Vamos inspecionar casa por casa para saber o que é que tem de drenagem ligada na rede”, explica o superintendente de Esgotamento Sanitário da Região Metropolitana de Salvador, Júlio Mota.

A população contesta que seja apenas isso, afirmando que, em dias de chuva, a água retorna para as casas por meio dos ralos e vasos sanitários. De acordo com Mota, a Embasa recebe em média 10 mil chamados mensais. Em época de chuva, 90% dos chamados se referem a problemas da prefeitura.

Enquanto a peteca vai e volta, além de construir “batente”, espécie de mureta erguida na porta das casas que pode chegar a meio metro de altura, outra solução encontrada pelos moradores de áreas alagadiças é elevar o nível da casa.

As poucas economias já têm destino certo: comprar material para construção, pagar a um pedreiro ou recorrer ao mutirão, aquele mesmo requisitado aos amigos para “bater a laje”.

Uma caçamba de entulho é despejada dentro da residência para subir o nível do piso. Feito isso, hora de colocar o concreto, fazer contrapiso e piso – quando a grana permite. Tudo isso a custo médio de R$ 1.000 para uma casa de cinco cômodos. Mesmo contando com uma renda mensal que não chega a R$ 500, a família de Ana Maria também teve de recorrer a essa alternativa.

O resultado nem sempre é satisfatório do ponto de vista estético nem é bom para a coluna daqueles com estatura acima de 1,70. Na casa de seu Jailson Almeida, em São Cristóvão, por exemplo, o espaço que sobrou é tão apertado que é possível tocar com as mãos no teto sem precisar levantar muito os braços. Na sala, a maioria dos móveis já fica sobre blocos.

“Meu filho quando vem aqui tem que andar abaixado”, conta indignado o marmorista que já elevou quatro vezes o nível do piso. Na casa de Ana Pereira, na mesma localidade, quase nada sobrou depois do último alagamento. Como de costume, perdeu boa parte dos móveis da casa.

A geladeira e a TV continuam em cima dos caixotes de plástico. No quarto, uma mesa velha serve de guarda-roupa. “Não tenho mais vontade de comprar nada. Queria sair daqui”, lastima a auxiliar de serviços gerais que, na ocasião, estava medindo, com auxílio do vizinho Almir, quanto de entulho teria de colocar para subir o piso da residência de sete cômodos.

Perigo da leptospirose

“Aqui em São Cristóvão a gente paga taxa de esgoto para viver dentro dele. Quando alaga, muitas crianças brincam dentro daquela água imunda. Os meninos são fortes. Não têm doença e ninguém morre. É Deus que protege da urina do rato”, reclama a ascensorista Eliana Silva, atualmente desempregada.

Mesmo sem relatos de casos, o medo de contrair a leptospirose é grande. O receio tem fundamento, recorte geográfico delimitado e situação social.

Uma pesquisa da Fundação Fiocruz, em Pau da Lima, a 15 quilômetros de São Cristóvão, bairro também com saneamento precário, revelou que pessoas residentes a menos de 20 metros de esgotos abertos e em áreas propensas a alagamentos, nos fundos dos vales, tinham uma chance de infecção 42% maior do que pessoas que moravam a mais de 20 metros dos esgotos.

Mostrou ainda que residir a menos de 20 metros de um acúmulo de lixo aumentava a chance de infecção em 43%. Outra revelação importante foi que o risco de infecção diminuía em 11% para cada acréscimo de US$ 1 na renda familiar diária per capita.

Para o geógrafo e o doutor em Biotecnologia em Saúde e Medicina Investigativa pela Fiocruz, Renato Reis, que também participou da pesquisa, é urgente que esses estudos se transformem em elementos para subsidiar políticas públicas.

“A pesquisa precisa extrapolar a universidade, ir para o cotidiano das pessoas. Eu enxergo que existem alguns erros no processo por parte dos pesquisadores também. Eles fazem a pesquisa que se transforma em um título acadêmico, se transforma em artigo que é publicado em uma revista boa, em inglês. Isso vai servir para uma discussão acadêmica. Para que importa para uma pessoa que está na Inglaterra saber que, aqui no bairro do Pau da Lima, quem mora a 20 metros de esgoto acaba tendo mais leptospirose do quem mora além dessa distância? Esses resultados precisam chegar ao agente de endemias que atua nessas áreas. Mas a maioria deles não lê inglês e não tem acesso a essas revistas”, acentua.

Enquanto os adultos discutem, analisam, lutam, reclamam, prometem, cobram, as crianças em áreas com risco de desastres continuam vulneráveis, privadas até mesmo de direitos básicos fundamentais, entre eles o de brincar.

Para a educadora e cineasta Renata Meirelles, o contexto no qual a criança vive reflete muito na brincadeira. “A criança, quando brinca, acessa quem ela é. Limitando a brincadeira, ela terá menos acesso a si mesma. Há um descaso em relação à infância em vários setores. O que diz a Constituição deveria servir para que todas as leis levassem em consideração a qualidade de vida da criança, mas não é isso que acontece”, pontua a diretora do filme Território do brincar.

Com apenas três funcionários e estrutura precária, o Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (Ceca) não se envolve nos problemas ligados à moradia.

“O Ceca precisaria participar dessas questões. Se tivéssemos a Secretaria da Criança e do Adolescente, poderíamos acompanhar melhor a política de moradia, o que permitiria a articulação de todos os atores. Nossa atuação é limitada por falta de condições”, justifica o presidente do Ceca, Edmundo Kroger.

De um lado, meninos e meninas aprendem e reproduzem desde cedo que precisam se proteger da chuva, como se o problema estivesse no fenômeno natural.

Do outro, as esferas governamentais, tentam explicar os desastres por meio de justificativas que incluem a chuva acima do esperado e, principalmente, a ocupação irregular e desordenada do solo.


Muito além do puxadinho

“A gente sabia que um dia ia cair, só não sabia a proporção nem a gravidade. Quando chovia, todos ficavam em alerta. Cada qual vai construindo e dizendo que não cai, fazendo o famoso puxadinho”, comenta Jackson Pereira, 23 anos, técnico em telecomunicações, morador do Barro Branco, que, após o desastre de abril, fez de sua casa uma central de socorro aos desabrigados.

Dezenove anos atrás, em 21 de abril de 1996, ali mesmo, 22 pessoas morreram – 15 crianças, três mulheres e quatro homens. Na ocasião, 900 metros cúbicos de terra caíram sobre as casas.

Em 1996, ano da primeira tragédia com vítimas no Barro Branco, Jackson tinha menos de 5 anos de idade. O rapaz ainda guarda recordações daquele momento: “Lembro da gente, eu e meus irmãos, saindo daqui para casa da minha tia em São Caetano com as roupinhas nas sacolas de supermercado”. Naquele ano, a casa de Jackson também servira de abrigo para 13 pessoas.

A esposa de Jackson, Suiane Estrela, confessa que a estigmatização incomoda, mas nem de longe é sua principal preocupação. Embora a casa da família esteja avaliada como fora de risco, o casal pensa na qualidade de vida da filha de 3 anos. Como restaram poucas crianças no local, a menina tem poucas opções de interação.

“A gente teve que levar a bicicleta dela para a escola porque não tem onde brincar”, conta Suiane. Foi justamente para propiciar um espaço de recreação para filha que, na véspera da tragédia deste ano, Jackson passou o dia arrumando sua outra casa, na qual havia acabado de colocar laje.

O serviço terminou às 22h. Mal imaginava que o trabalho estava apenas começando. Essa casa dele, que estava em construção, serviria de abrigo, “sala de imprensa” e posto de coleta e de distribuição de donativos do bairro nos dias seguintes ao desastre.

Depois de três dias, tendo a casa da mãe e a obra inacabada como posto de coleta e distribuição de doações, a mãe, Edilene, começou a reclamar de cansaço devido aos problemas de saúde que tem, incompatíveis com o ritmo que o trabalho voluntário exigia para aquele momento.

A casa da família estava sempre cheia de desconhecidos, em sua maioria voluntários. Era preciso fiscalizar, pois uma minoria tentava desviar donativos. Deitavam para dormir às 2 da manhã. Às 5h, começavam a chegar as demandas. De queixa sobre os entes governamentais a pedidos de alimentos. A filha não entendia por que os familiares estavam sempre ocupados e questionava: “Foi a casa de Carlinhos que caiu, mamãe? Cadê ele, tá dodói?”.

O rapaz, de voz tranquila, conta que na mesma proporção em que crescia o número de doações, aumentava o número de necessitados, inclusive de outras cidades e bairros da capital baiana. Era preciso muita dedicação e paciência para lidar com a situação. “Era confusão demais. Uma senhora levou quatro cestas básicas de uma só vez. Pedi calma e ela me acusou de roubo.”

Ao fim da “missão”, restaram a satisfação de ajudar e as dívidas. Jackson gastara o dinheiro reservado aos pagamentos das contas mensais com deslocamento dos donativos para áreas afetadas pelas chuvas.

Cedo iniciavam as filas na frente da residência, uma das cinco que não foram interditadas na comunidade do Barro Branco. “Meu nome desceu para o SPC e para o Serasa. O carro financiado em 48 vezes também ficou em atraso. Até para receber o dinheiro dos clientes ficou difícil. Fiquei sem tempo para trabalhar. Não gosto de ficar sem honrar meus compromissos”, conta, em meio aos boletos de cobrança.

Aos poucos, Jackson está normalizando a situação financeira. A experiência trouxe consigo o desejo de ajudar a comunidade, a partir de agora através do engajamento político. Reúne alguns moradores espalhados pelo entorno do bairro para decidir quais passos devem ser tomados para cobrar, a quem é de dever, melhorias para o local.

“Meses sem respostas e só vendo anúncios na TV de que as obras já estavam em andamento, a gente se reuniu e decidiu protestar. Nossa boca é a reportagem. Se eu chegar ali e gritar, me chamam de louco. Se a imprensa chegar, aí já é a comunidade do Barro Branco.”
“Eu aprendi muito com essa tragédia”, diz Jackson. “O Brasil é muito solidário. Pessoas que traziam meio quilo de alimento amarrado. Tirava da despesa da própria casa.” O jovem, mesmo sem sede e eleição, foi designado pela comunidade para ser presidente da futura associação de moradores do Barro Branco.

Em São Caetano, o presidente da associação de moradores que representa a Vila Tiradentes, Gomeia e a Fonte da Bica de Cima, Joaquim Júnior, 41 anos, lembra os quase 20 anos de lutas, grande parte delas por causa da falta de infraestrutura urbana que piora consideravelmente quando associada aos eventos pluviométricos.

O técnico em perfuração de poços conta que o maior desafio é manter a população mobilizada. “Infelizmente, você percebe que ocorre uma mobilização em prol de alguma coisa imediata, mas a longo prazo é extremamente difícil. Para quem está começando, eu diria que faça de forma altruísta, não espere reconhecimento e que fuja do caminho mais fácil, pois normalmente não é o melhor. Pode até dar um resultado temporário, mas nem sempre é o ideal.”

Diminuir a imigração

O engenheiro Luís Edmundo Prado de Campos, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-Ba), explica que existe muito mito sobre as encostas da capital baiana.

“Algumas pessoas dizem que as encostas em Salvador não são boas. Isso não é verdade. Poderiam ser ocupadas tranquilamente desde que as pessoas soubessem ocupar. O ideal seria que o poder público chegasse antes, criando infraestrutura, para depois a população assentar as suas edificações. Isso não existiu. Agora o poder público está correndo atrás para dar assistência a essas áreas. A população não vive nas áreas de encostas por opção, e sim por falta de opção”, explica Campos, que é também professor da Universidade Federal da Bahia.

De acordo com o IBGE, Salvador tem limitação geográfica para expansão de moradias; são 309 km² de área continental. Tal limitação poderia indicar que o crescimento populacional da capital estaria perto da exaustão.

No entanto, a falta de espaço não reduz o surgimento de novos domicílios. O motivo principal é a onda migratória do campo para a cidade. A população da capital baiana cresceu de 2,4 milhões em 2000 para 2, 9 milhões em 2015, de acordo com o IBGE. Esse fluxo força a verticalização urbana nos bairros da periferia, contribuindo para as situações de risco.

Para Campos, “antes de resolver o problema daqui, deveríamos diminuir a migração do campo para cidade, ou até inverter. Não que fosse forçado, mas com condições dignas para que as pessoas pudessem viver e trabalhar fora dos centros urbanos”, explica.

O geógrafo Renato Reis, que também é professor e pesquisador do Programa Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salvador, comenta indignado: “Todo ano a gente já sabe de quais regiões da cidade virão determinadas doenças, por causa dos fatores de risco. Se chover um pouco mais, teremos deslizamentos de terra e, com isso, pessoas estão sujeitas a morrer. É um descaso que está materializado […]. É uma coisa que se tornou tão corriqueira que as pessoas perderam a capacidade de dialogar sobre isso. A chuva é apenas um gatilho”.

Reis destaca que a presença das crianças nos locais de risco precisa ser encarada com mais sensibilidade por toda a sociedade. “A presença do fator de risco naturalizado leva a criança a achar que é algo normal brincar dentro do esgoto, que é natural as pessoas morrerem soterradas.”

Para o psicólogo Júlio Hoenisch, há uma manutenção desse ciclo de tragédia e de vulnerabilidade porque alguém lucra, seja financeira e politicamente ou na espetacularização da tragédia.

Remédios e remediações conhecidas

Com a morte de 21 pessoas em 2015, e sob a ameaça de novos acidentes graves, todos os entrevistados ligados às esferas governamentais anunciaram medidas de prevenção, mesmo reconhecendo os inúmeros trâmites legais burocráticos.

Todavia, boa parte das ações anunciadas passa pelas fases dos pleitos, projetos, anteprojetos, autorizações, licitação, execução de obras, longa caminhada até a resposta chegar às famílias em áreas de risco.

Recursos para resposta imediata parecem existir, embora haja contestação sobre a demora no repasse. Entre 2007 e até o início de agosto deste ano, o Ministério da Integração repassou para o município de Salvador mais de R$ 60 milhões, quase metade (R$ 36,385 milhões) somente em 2009.

A encosta que deslizou no último 27 de abril não integrava o Programa de Contenção de 98 Encostas do governo estadual, caracterizadas como de alto e de muito alto risco. “O Barro Branco faz parte de um pleito agora no Ministério da Integração. Nós conseguimos encaixá-lo como emergencial por conta do deslizamento e por conta das vítimas”, diz o diretor de habitação da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder).

O Plano Diretor de Encostas de Salvador (PDE) é de 2004 e o Programa de Contenção de Encostas acima citado – que conta com o recurso de R$ 156 milhões do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 2), captados em 2013 – tem como parâmetro o PDE defasado.

Na Defesa Civil de Salvador (Codesal), o foco está na reestruturação das ações, com plano anunciado no último dia 15 de setembro. De acordo com o secretário Álvaro Augusto da Silveira, as medidas mais importantes serão as voltadas para prevenção.

A Superintendência de Proteção e Defesa Civil (Sudec), órgão estadual, aponta como soluções a modernização do sistema de monitoramento e alarme, com base nas experiências de outros estados, principalmente o Rio de Janeiro, onde, em 2010, um deslizamento de terra com lixo soterrou centenas de casas e matou 48 pessoas no morro do Bumba, em Niterói; e de Santa Catarina, onde, em 2008, 126 pessoas morreram – vítimas de deslizamentos e inundações. Ambos os estados investiram na modernização da Defesa Civil.

O secretário municipal de Promoção Social, Esporte e Combate à Pobreza, Bruno Reis, destaca a concessão de auxílios moradia, emergencial e funeral. “Já chegamos a um total de 7.497 pessoas recebendo o aluguel social, sendo que 745 apresentaram inconsistências”.

Segundo ele, o cancelamento, que representa pouco mais de 10% dos auxílios, decorre de irregularidades encontradas. “Pessoas que se aproveitaram daquele calor, daquele momento, que não faziam jus àquele benefício e se cadastraram. Segundo, duplicidade, havia membros de uma mesma família, dois, às vezes, até três, recebendo no mesmo imóvel. Terceiro, pessoas que não saíram de seus imóveis receberam o benefício naquele primeiro momento, passaram cinco, dez, 15 dias fora, mas depois retornaram ao imóvel interditado”, justifica Reis.

Hoje, há 6800 famílias recebendo aluguel social. Para atender a essa demanda de moradia, o secretário garante que serão construídas em torno de 5 mil residências, uma parte pela prefeitura e outra pelo governo do estado.

Ele explica que, do contingente das 6.800 famílias que recebem o auxílio moradia, há algo em torno de 3 mil famílias vítimas de alagamentos; são desocupações provisórias. Reis afirma que as novas ações previstas pela reestruturação da Defesa Civil mais a atenção dada à questão habitacional “fecham o ciclo e passam a dotar Salvador de condições para enfrentar as chuvas que virão nos anos seguintes”.

O Ministério Público do Estado da Bahia questiona a prefeitura sobre a falta de ações preventivas. Foi encaminhada ao município, em setembro de 2013, início da gestão do prefeito ACM Neto, recomendação expedida pela promotora de Justiça de Habitação e Urbanismo de Salvador, Hortênsia Pinho.

O documento orientava que fossem atualizados o Plano Diretor de Encostas, a reestruturação da Defesa Civil e a elaboração de um plano em caso de desastres. Em entrevista a uma TV local, ainda sob o calor das tragédias, a promotora afirmou que, mesmo sem responder formalmente ao MP, houve um empenho nos primeiros meses, depois esmoreceu.

“Depois que se conseguem os ganhos políticos, que são os que interessam, o problema se torna invisível. Porque já se tirou a foto, já se fez a propaganda, já se colocou na mídia. O padrão é sempre o mesmo. Faz uma etapa, depois vai ter uma segunda etapa que nunca sai, repetindo um ciclo de incompetência que se materializa na perda de vidas, na deterioração da qualidade de vida das pessoas. Ocorre algo também que não se mede: destrói-se a autoestima das pessoas. Esta população vive em lugares aonde serviços básicos do cotidiano não chegam. Não chega um carro que vende gás. Se passa mal, não entra uma ambulância da Samu. Dia de chuva é um terror”, lamenta o geógrafo Renato Reis.

E a prioridade absoluta como fica?

Tendo ouvido várias fontes governamentais, observo que, embora existam ações voltadas para as famílias e algumas com foco nas crianças em situação de vulnerabilidade, o problema da precariedade das moradias ainda não é encarado sob a ótica do mundo infantil, a partir de uma proteção que vai além de projetos e programas pulverizados, nem sempre disponíveis a todos.

São ações, na maioria das vezes, fragmentadas e desconexas que nem sempre levam em consideração o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal, em condições de liberdade e dignidade, como garante o arcabouço jurídico nacional.
Histórias como as de Gabriel, Jorge, Ana Maria e de tantos outros milhares de garotas e garotos no país também precisam estar nas pautas sobre moradia, como prioridade absoluta.

Que essas discussões se materializem em políticas públicas para que os primeiros pingos no telhado não continuem representando aflição. Interromper a relação cíclica com a tragédia é urgente. Caso contrário, a infância continuará interditada, feito ilha, cercada de problemas por todos os lados.

*Os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados

Texto cedido pela Agência Pública.

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