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Como o Brasil avançou na luta contra a Aids (e o perigo do retrocesso)

Brasil é referência mundial do combate à doença, mas pautas conservadoras ameaçam novas descobertas e acesso ao tratamento

Aids: Grupo Pela Vida, ONG que acolhe e orienta pessoas soropositivas (Tânia Rego/Agência Brasil)
CC

Clara Cerioni

Publicado em 1 de dezembro de 2018 às 08h00.

Última atualização em 1 de dezembro de 2018 às 08h00.

São Paulo— "A doença dos gays". Foi assim que, na década de 80, os Estados Unidos classificaram a causa da morte de homens que chegavam aos hospitais bastante debilitados e morriam pouco tempo depois.

Essa doença, na verdade, é hoje conhecida como Aids , que com o passar do tempo se alastrou pelo mundo todo e já vitimou cerca de 35 milhões de pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde.

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Trinta anos depois, a sociedade ainda carrega esse estigma da doença, que não só atinge homossexuais, mas também homens e mulheres heterossexuais, além de hemofílicos.

Neste sábado (1), comemora-se o Dia Mundial da Luta contra a Aids, instaurado em 1988, que tem a missão de reforçar sobre a importância da manutenção das pesquisas científicas para encontrar a cura da doença.

Atualmente, dos 37 milhões de portadores do vírus do HIV, que é o causador da Aids, mais da metade (21 milhões) está em tratamento no mundo.

Apesar desse número positivo, ainda é necessário uma agenda intensiva de trabalho para conter o avanço da doença.

No Brasil

A relação do Brasil com a Aids não é diferente do que a dos EUA. Na mesma década de 80, os hospitais brasileiros começaram a receber jovens com sintomas avançados, que vinham a óbito praticamente no mesmo dia, e nenhum médico sabia como tratá-los.

Artur Timerman, infectologista e maior autoridade brasileira sobre Aids, relata em seu livro "Histórias da Aids":

“Ninguém estava preparado para lidar com aquele tipo de doença e nem com aquele tipo de paciente. Gente jovem escapando entre os dedos como água, morrendo por causa de um problema que ninguém sabia tratar”. Segundo o especialista, em um dia ele chegou a assinar 11 atestados de óbito em decorrência da doença.

Durante anos, falar sobre a Aids foi um tabu na sociedade. Artistas lutavam contra a doença em silêncio, como foi o caso do cartunista hemofílico Henfil, que faleceu em 1988 após contrair HIV durante uma transfusão de sangue.

Até Cazuza, que é tido como um dos nomes que trouxe à luz o debate sobre a Aids no país, levou dois anos para tornar o assunto público. O músico recebeu o diagnóstico em 1987, mas só assumiu publicamente ser soropositivo em 1989.

Apesar de ainda ser um tabu, o Brasil é uma das nações referências no tratamento da Aids no mundo. Aqui, o Sistema Único de Saúde (SUS) banca os retrovirais e a distribuição de camisinhas gratuitas é feita em larga escala.

De acordo com Rico Vasconcelos, infectologista da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o Brasil coloca na rua o que há de mais avançado no combate à Aids.

"Quando se olha o que o Ministério da Saúde faz com relação ao tratamento e as medidas de prevenção ao vírus, vemos que o Brasil está colocando na rua o que há de mais avançado no mundo no combate à Aids. O país é sempre tido como exemplo no mundo. Em prevenção, a distribuição de preservativo bate recorde ano a ano", explica.

Dados mais recentes divulgados pelo Ministério da Saúde nesta semana mostram uma redução de 16% dos casos e óbitos porAids no país nos últimos quatro anos.

Segundo a pasta, fatores como a garantia do tratamento para todos, a melhora do diagnóstico, a ampliação do acesso à testagem e a redução do tempo entre o diagnóstico e o início do tratamento contribuíram para a queda.

Os números revelam que, de 1980 a junho de 2018, foram identificados 926.742 casos de Aids no Brasil – um registro anual de 40 mil novos casos.

Em 2012, a taxa de detecção da doença era de 21,7 casos para cada 100 mil habitantes enquanto, em 2017, o índice era de 18,3 casos.

"O caminho para diminuir o número de mortes [por Aids] não é pela exclusão e sim pela inclusão das pessoas", afirma Vasconcelos. "É preciso dar mais acesso a grupos mais vulneráveis, como jovens, negros, homens homossexuais ou bissexuais, mulheres transexuais, índios e imigrantes", reforça.

Jamal Suleiman, infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, também reconhece que o tratamento ainda precisa atingir populações mais vulneráveis.

"As pessoas têm a sensação de que o HIV é um problema resolvido. Isso é verdade para alguns segmentos da população. Aqueles que tem acesso à informação e não se expõe e tem um nível alto de escolaridade. Essa discussão tem que chegar na periferia, porque essa população não é atingida por todos os programas de prevenção e tratamento", disse.

Futuro preocupa

Apesar do avanço da pauta no país, especialistas se mostram preocupados com o futuro do tratamento público da Aids.

O futuro ministro da Saúde do governo Bolsonaro, o deputado Luís Henrique Mandetta, afirmou ao jornal O Globo que tem ressalvas quanto à condução que o Brasil faz de ações contra o HIV.

Ele dissenão acreditar na efetividade das campanhas de prevenção e educação continuada em escolas ou unidades básicas de saúde. "Sexualidade é uma questão para tratar dentro de casa", disse ao ser perguntado pelo jornal sobre campanhas de prevenção em escolas e unidades de saúde.

"É importante ressaltar que o que o Brasil gasta nos tratamentos, campanhas de prevenção, em testes, está dentro do orçamento do Ministério da Saúde. E mais, esses recursos não são considerados gastos e sim investimentos", confrontou Vasconcelos, da USP.

Para o especialista, as declarações do futuro ministro mostram que ele desconhece os assuntos e as iniciativas realizadas.

Suleiman, do Emílio Ribas, explica que para não retroceder nas ações públicas do próximo governo é preciso olhar com atenção para a pauta evangélica.

"Não é razoável que as ideias desse grupo interfiram nos programas que já existem. Não se pode dar grande peso nas questões ligadas ao comportamento das pessoas. Devemos sempre olhar as pessoas com olhar de respeito", conclui.

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