Brasil

Opinião: Quando a violência vem da falta do básico

Governos que não priorizam saneamento aceitam a continuidade dessa violência silenciosa que atinge milhões de brasileiros

LP
Luana Pretto

Colunista

Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 06h00.

Sempre que o Brasil fala em violência, o imaginário coletivo corre quase automaticamente para as comunidades: armas de fogo, confrontos, sirenes, estatísticas policiais que parecem sempre apontar para os mesmos territórios. Mas há uma outra forma de violência, que é silenciosa, contínua e injusta, e que raramente entra no debate público com esse olhar: a violência provocada pela falta de saneamento básico. Ela não estampa manchetes, mas adoece, restringe oportunidades, reduz anos de vida e perpetua desigualdades que se aprofundam de geração em geração.

Essa invisibilidade é ainda mais grave quando lembramos a dimensão das populações que vivem em comunidades no Brasil. Segundo dados mais atuais do Censo IBGE (2022) aproximadamente 16,3 milhões de vivem em favelas e comunidades urbanas, isso representa mais de 8% da população brasileira. Não estamos falando de um fenômeno periférico, mas de uma parte significativa do país urbano que segue vivendo sob condições sanitárias que não deveriam ser aceitas como normais.

Mas e se esse cenário fosse diferente? E se a universalização do saneamento chegasse a essas comunidades? Será que a vida dessas pessoas ia mudar tanto assim? Foi para responder essa pergunta que um estudo recente do Instituto Trata Brasil, realizado com a Ex Ante Consultoria Econômica e o Instituto Favela Diz, mergulhou na Bacia do Rio Pinheiros, em São Paulo, e nas comunidades de seu entorno, onde o saneamento está universalizado.

Os dados mostram que os maiores benefícios da universalização do saneamento aparecem justamente nas comunidades urbanas informais, que historicamente receberam menos infraestrutura de todos os tipos. Enquanto o benefício médio para a população geral da bacia do Rio Pinheiros é de R$ 5,3 mil por habitante, nas comunidades o ganho chega a R$ 12,2 mil — quase R$ 7 mil a mais por pessoa, valor 2,3 vezes maior. Onde havia mais ausência, há mais impacto social e econômico quando o básico finalmente chega.

Estamos falando de R$ 16 bilhões em benefícios líquidos com a universalização do saneamento na região, dos quais R$ 5,3 bilhões beneficiando diretamente moradores de territórios em que vive uma boa parcela da população vulnerável da área atendida. Estamos falando de um salto em média, a taxa de cobertura de água aumentou 4,9 pontos percentuais, indo de 94,5% para 99,4%, e a coleta de esgoto cresceu 14,4 pontos percentuais, indo de 82,3% para 96,7% ao longo dos 22 anos analisados pelo estudo.

Mas o que esses números significam no fim do dia? Esses dados reforçam um ponto fundamental: saneamento não é só obra — é política econômica, social, urbana e de saúde pública ao mesmo tempo. Geram emprego, aumentam produtividade, reduzem custos com saúde, valorizam imóveis, melhoram o ambiente urbano e devolvem dignidade. E faz tudo isso com maior retorno justamente onde as desigualdades são mais profundas.

Às vésperas de mais um ciclo eleitoral, negligenciar o saneamento não pode ser tratado como detalhe técnico ou obra invisível. É uma escolha política e uma escolha que produz consequências. Governos que não priorizam saneamento aceitam a continuidade dessa violência silenciosa que atinge milhões de brasileiros.

A boa notícia é que o caminho está claro. Onde o saneamento chega, a desigualdade recua; onde o básico falta, vidas seguem suspensas. Trata-se de um investimento que gera valor coletivo, reduz vulnerabilidades e consolida um legado duradouro para milhões de pessoas. O que falta, e sempre faltou, é decisão. Porque universalizar o saneamento é uma decisão para interromper uma violência histórica. E nada é mais urgente do que isso. Parece óbvio, mas o óbvio precisa ser dito.

*Luana Siewert Pretto é Engenheira Civil (UFSC), com mestrado na área de Análise Multicritério
(UFSC) e pós-graduada em Gestão de Projetos (FGV). Atuou na concessionária estadual de
saneamento básico de Santa Catarina (CASAN) e como presidente da Empresa Pública municipal
de saneamento básico Companhia Águas de Joinville. Atualmente, é Presidente Executiva do
Instituto Trata Brasil.

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