Opinião: O caminho para a transformação digital do Brasil
O poder público enfrenta uma demanda crescente por melhores serviços enquanto precisa lidar com orçamentos limitados e crescentes restrições fiscais
Publicado em 7 de fevereiro de 2024 às 10h59.
Um assunto específico tem ocupado os holofotes nos cadernos de economia de todo o país desde a virada do ano: a piora das contas públicas . Segundo dados do Tesouro Nacional, o déficit primário (resultado das receitas menos as despesas, sem levar em conta o pagamento dos juros da dívida pública) ficou em R$ 230,5 bilhões, o equivalente a 2,1% do PIB.
A clássica disputa comum em qualquer governo — entre gastar mais ou menos — acontece, entretanto, em meio à maior oferta de serviços digitais já vista no mundo. Afinal, o que uma coisa tem a ver com a outra? Tudo. O poder público enfrenta uma demanda crescente por melhores serviços enquanto precisa lidar com orçamentos limitados e crescentes restrições fiscais. Tais limitações forçam que as gestões avaliem alternativas para a redução de gastos sem perder a efetividade. Essa é a brecha para o avanço de um governo digital no Brasil. E o avanço de um governo digital em qualquer país depende essencialmente de duas coisas: plataformas digitais compartilhadas e uso intensivo de dados.
A digitalização da economia, do trabalho, da indústria, da educação e da saúde tem sido, já há algum tempo, o maior motor de transformação da sociedade. Ela impacta a maneira como vivemos, como nos organizamos em sociedade, como trabalhamos, como nos conectamos uns com os outros. São mudanças profundas, inclusive culturais.
Mas, por trás desta revolução, há um elemento dos mais relevantes para explicar a escala e a velocidade com que ela ocorreu — e ainda ocorrerá por anos: o conceito de Plataforma Digital. De forma bem simples e resumida, Plataforma pode ser qualquer ecossistema digital que intermedia a interação entre pessoas, organizações e outros recursos, facilitando a comunicação e troca entre estes grupos, a realização de transações e a criação de valor entre elas. São exemplos as redes sociais, as plataformas de vídeo e de comércio eletrônico.
Décadas atrás, em um mundo ainda não digital, também testemunhamos como sociedade o impacto de plataformas em nossas vidas: as rodovias, a televisão, as infraestruturas de telecomunicação, entre outras, eram por assim dizer também plataformas que viabilizavam a interconexão entre grupos de pessoas e de negócios.
Da mesma maneira que governos estabeleceram — e ainda estabelecem —parcerias para a construção de rodovias, ferrovias e infraestrutura de conexão à internet por todo o País, também deveriam estabelecer parcerias para a construção da nova infraestrutura essencial a toda sociedade: as Infraestruturas Públicas Digitais (IPDs).
O Gov.br é exemplo de IPD que simplifica a interação entre os cidadãos e o governo, permitindo que as pessoas acessem serviços, como emissão de documentos, agendamento de consultas médicas e pagamento de impostos. Um outro exemplo é o PIX, que, além de ter sido fundamental para a inclusão financeira de milhões de brasileiros, é utilizado por entes privados para gerar negócios e inovação.
O outro componente desta revolução é o uso de dados. Entretanto, importante dizer que dados não são o novo motor ou combustível de uma sociedade digital. Dados conectados são. São os dados em movimento que geram os benefícios políticos (acesso a cidadania), sociais (melhores políticas públicas) e econômicos (maior produtividade, desenvolvimento e inovação) que se espera da tecnologia e de uma sociedade verdadeiramente digital.
E este movimento pode — e deve ocorrer — de forma transversal, ampla e livre entre pessoas e instituições, sejam elas públicas ou privadas. Dados conectados podem ser a maior política pública de redistribuição de riquezas neste país e um grande motor de inovação e geração de renda.
Uma vez que estas infraestruturas estejam cada vez mais disponíveis para uso e reuso por toda a sociedade, mais veremos os impactos e transformações ocorrendo em nosso dia a dia. Estas integrações entre os dois mundos, público e privado, parte de uma ideia revolucionária – mas, ainda, infelizmente incomum —, de que, em vez de ser o único provedor de serviços e informações, o governo pode atuar como uma plataforma, permitindo que cidadãos, empresas e outros stakeholders interajam, inovem e criem valor uns para os outros. Este é o poder das plataformas.
Um "Govbr 2.0", que entrega para empreendedores e para a sociedade, um caminho para interoperar de forma segura dados, serviços e identificação digital, tem um potencial de devolver à sociedade de mais de 40 bilhões de reais por ano, segundo estudo do Centro de Liderança Pública. E, mais do que números, terá a capacidade de revolucionar a forma como i) criamos e formalizamos novos modelos de negócios no Brasil, ii) gerimos e acessamos nossos dados e documentos pessoais, iii) nos identificamos e evitamos fraudes no mundo digital, iv) e consumimos serviços públicos de forma mais eficiente, conveniente e distribuída nos canais digitais privados, que é onde os brasileiros têm mais recorrência (e, portanto, familiaridade) de uso.
O Estado não só tem a responsabilidade de apoiar a construção de infraestruturas públicas, nestes casos a digital, mas também a de que sobre elas sejam construídas plataformas que facilitem trocas, conexões e escalem o bem estar comum! E nesta agenda, a despeito de todo o sucesso até aqui, ainda temos muito por fazer! E tudo isso revolucionará a forma como o Estado vê o cidadão — e como o cidadão vê o Estado!