(Marizilda Cruppe/Amazônia Real/Divulgação)
Agência O Globo
Publicado em 7 de fevereiro de 2023 às 07h00.
A véspera da operação para retirada do garimpo da Terra Indígena Yanomami pelo governo federal foi marcada pela denúncia de mortes de três indígenas e de um garimpeiro na reserva, apesar da expectativa do ministro da Justiça, Flávio Dino, de que o processo seja pacífico.
A Polícia Federal enviou equipes à reserva e encontrou um jovem indígena morto e outro ferido por garimpeiros na região de Homoxi, informou ontem a ministra do Povos Indígenas, Sonia Guajajara, em coletiva em Roraima. A ministra foi informada de outros dois assassinatos, na região de Parima
Segundo contou Guajajara, o morto e o ferido receberam tiros no abdômen. Os dois são da região de Haxiú. Testemunhas da comunidade contaram que as mortes ocorreram de sexta para sábado e em um conflito com garimpeiros, segundo a ministra.
O ferido foi levado no helicóptero da FAB para um hospital em Boa Vista. A PF vai abrir inquérito para apurar as causas do homicídio e da tentativa de homicídio e quem são os autores dos crimes, informou Guajajara.
"Foi encontrado um corpo no meio dos garimpeiros e mais um ferido. O corpo foi entregue para a família para fazer o ritual fúnebre próprio da cultura, e o ferido está sendo removido para o atendimento de saúde. É uma situação de urgência e emergência permanente", disse a ministra.
Guajajara disse que os corpos dos outros dois assassinados na região de Parima permanecem na área, que é de mata fechada, o que exige a ajuda dos ianomâmis para ser alcançada.
Também no Homoxi, teria sido assassinado Ernandes Belo da Silva, levado para o Instituto Médico-Legal de Boa Vista ontem. Uma enteada de Ernandes disse que ele foi morto pelos ianomâmis no sábado. A causa da morte foi anemia provocada por hemorragia
O líder Júnior Hekurari Yanomami contou que tentou ir domingo aos locais onde teria havido as mortes, mas não conseguiu pousar, tamanha a concentração de garimpeiros.
"Nosso medo é de que os corpos sejam queimados antes da chegada das autoridades. Ou pelos garimpeiros, ou mesmo pelos ianomâmis, já que há esse ritual depois de 72 horas da morte", disse Hekurari.
A Força Aérea Brasileira determinou ontem a criação de três corredores aéreos para a saída voluntária de garimpeiros da terra ianomâmi. A decisão, na prática, libera voos privados para buscar os garimpeiros.
Os corredores vão durar uma semana, segundo a FAB, e terão uma largura de cerca de 11 quilômetros. A medida atende a reivindicações de garimpeiros que já procuram deixar a reserva e do próprio governo de Roraima. A abertura foi anunciada depois de o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, ter negado, em coletiva na tarde de ontem, em Brasília, ajuda da FAB para transportar os invasores.
"Todos que cometeram crimes como genocídio, crimes ambientais, o próprio garimpo, financiamento de garimpo, assim como lavagem de dinheiro, e que estão sendo investigados, continuarão a ser. São caminhos que seguem paralelamente. De um lado nós temos a desintrusão, a desocupação das terras indígenas. De outro, temos a investigação", detalhou Dino na coletiva.
O ministro disse que o governo federal estima que até 80% dos garimpeiros deixarão a Terra Indígena Yanomami até o início das operações de retirada. Segundo Dino, boa parte dos cerca de 15 mil já começaram a se retirar
"A nossa previsão é de que esse fluxo de saída aumente nos próximos dias", afirmou o ministro.
O governo pretende enviar ao menos 500 homens de diversas forças, incluindo a Polícia Federal, as Forças Armadas e a Força Nacional, para a operação de retirada do garimpo.
O governador de Roraima, Antônio Denarium (PP), havia informado no domingo que pediu ajuda do governo federal para ajudar a saída dos garimpeiros. Em nota, o governo de Roraima definiu os invasores como “trabalhadores que se encontram em área de garimpo e que escolheram sair daquela região de forma espontânea e pacífica”.
Homens e mulheres do garimpo publicaram pedidos de socorro nas redes sociais para deixar a terra ianomâmi. Em um vídeo, mulheres disseram que precisam enfrentar 30 dias andando para deixar o território e precisam pagar até R$ 15 mil para sair por um voo clandestino de helicóptero, depois do fechamento do espaço aéreo na terra ianomâmi na semana passada. Segundo a Folha de S. Paulo, parte dos garimpeiros tenta chegar à Venezuela, e há movimentos de fuga até para a Guiana, mais distante da reserva.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, acusou ontem o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro de atuar para dizimar os ianomâmis.
"Todo o levantamento dos últimos 30 dias é para dar conta de uma atrocidade contra a população indígena brasileira, que ao longo desses quatro anos foi completamente abandonada. Foi um processo induzido do governo Bolsonaro para tentar eliminar essa população", afirmou Marina, durante a posse do novo presidente do BNDES, Aloizio Mercadante.
Um levantamento do projeto MapBiomas, que mapeia a cobertura terrestre do Brasil, mostrou que a reserva ianomâmi é uma das que mais abrigam pistas de pouso irregulares: 75, dentro do território ou nos seus limites.
O projeto identificou 2.869 pistas na Amazônia, mais do que o dobro do que consta nos registros da Agência Nacional de Aviação Civil. Além disso, 804 (28%) estão em área protegida.
Segundo relatório divulgado ontem, mais de um terço das linhas de pouso em terras indígenas ou unidades de conservação aparecem perto (a menos de 5 km) de áreas de garimpo.
Das pistas em áreas protegidas, 520 estão em terras indígenas e 498, em unidades de conservação, como parques ou reservas. As regiões onde o garimpo mais alimentou a construção de linhas de pouso irregulares foram o sudoeste do Pará, o norte de Mato Grosso e o nordeste de Roraima, onde ficam os ianomâmis.
"O garimpo na Amazônia ocorre em áreas densamente povoada por árvores", explica o geólogo César Diniz, que liderou o trabalho.