Brasil

O risco do apagão portuário

Depois dos aeroportos, os terminais marítimos podem virar o novo drama nacional devido à falta de investimentos do governo no setor

Congestionamento de caminhões em Santos: cartão-postal do colapso logístico nacional (--- [])

Congestionamento de caminhões em Santos: cartão-postal do colapso logístico nacional (--- [])

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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h30.

A foto que ilustra esta página representa um retrato fiel da situação dos portos brasileiros. Recentemente, a revista britânica The Economist se referiu à imagem como o maior engarrafamento do planeta. Ela mostra a fila de caminhões que se forma no acesso ao terminal de Santos, o maior do país, na época da colheita da safra de grãos. No ano passado, em abril, chegou-se a registrar um congestionamento de 20 quilômetros nas rodovias que desembocam no lugar. Tentou-se amenizar a situação com a construção de pátios no município vizinho de Cubatão, onde os veículos podem esperar a vez de ingressar na zona do cais sem entupir as vias de acesso ao local. Um dos maiores estacionamentos, porém, o Ecopátio, com 1 300 vagas, teve as atividades suspensas em junho deste ano por causa de uma liminar da Justiça de Cubatão. A ação foi movida pelo Ministério Público, que alega problemas de licitação na área. A liminar foi cassada em seguida, mas o processo continua à espera de julgamento. Até o fechamento deste anuário o imbróglio não havia sido resolvido. Com isso, o porto de Santos continua sujeito a novo colapso.

Problemas semelhantes repetem-se em outros terminais brasileiros. A situação chegou a tal ponto que, na visão dos especialistas, o setor tem potencial para se transformar no novo drama nacional de infra-estrutura. "Depois do caos dos aeroportos, corremos o risco de sofrer um 'apagão portuário' ", diz o pesquisador Paulo Resende, coordenador do núcleo de logística da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte. A principal razão do problema é o descompasso que existe entre o crescimento econômico do país e as verbas destinadas a melhoria, ampliação e construção de terminais. Segundo previsões do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, órgão vinculado ao Ministério do Planejamento, as exportações nacionais devem alcançar até o fim deste ano a marca de 144 bilhões de dólares, crescimento de 5% em relação a 2006. Quase 96% do volume das mercadorias sai do país por via marítima. "A produção industrial aumenta, as vendas internacionais crescem e a infra-estrutura portuária mantém-se inalterada", diz Meton Soares Júnior, vice-presidente da Confederação Nacional doTransporte (CNT).

O mais completo raio X sobre esse problema foi preparado pela equipe do Centro de Estudos em Logística do Instituto de Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CEL/Coppead/UFRJ). Divulgado em agosto, o trabalho mostra a opinião de 218 representantes de empresas, entre exportadores, agentes marítimos, embarcadores e armadores, a respeito da qualidade dos principais portos nacionais. Dos 18 terminais avaliados, quase 70% foram considerados regulares ou deficientes (veja quadro na pág. 45). Acesso rodoviário ruim, tamanho de calado insuficiente e saturação do movimento são os problemas mais comuns apontados pelos usuários. O estudo mostra que, em alguns locais, como o porto de Itaguaí, no Rio de Janeiro, o tempo de espera para embarque e desembarque de contêineres pode chegar a quase duas semanas.

A situação dos principais terminais
O Centro de Estudos em Logística do Coppead, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ouviu os maiores usuários para avaliar as condições dos principais portos brasileiros. Foram analisados quesitos como profundidade do calado, vias de acesso, mão-de-obra e equipamentos. Veja abaixo as notas médias obtidas pelos principais portos, numa escala de zero a 10
Excelente
Ponta da Madeira (MA)9,3
Tubarão (ES)9,0
Suape (PE)8,3
BOM
Angra dos Reis (RJ)7,8
São Sebastião (SP)7,5
Rio Grande (RS)7,1
Aratu (BA)7,1
Praia Mole (ES)7,0
Regular
Imbituba (SC)6,6
São Francisco do Sul (SC)6,5
Paranaguá (PR)6,4
Itajaí (SC)6,4
Sepetiba (RJ)6,2
Rio de Janeiro (RJ)6,1
Deficiente
Santos (SP)5,7
Fortaleza (CE)5,7
Vitória (ES)5,4
Salvador (BA)5,1
Fontes: CEL/Coppead/UFRJ

No pacote do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) estão previstos 2,7 bilhões de reais de investimentos até 2010 para a modernização dos portos. Os especialistas da área e usuários dos terminais não chegaram a comemorar a notícia. É quase unânime a opinião de que a verba é muito pequena diante das deficiências do setor. Segundo o Plano Logístico de Transportes preparado pela CNT, seriam necessários 12 bilhões de reais para modernizar o sistema -- quase cinco vezes mais que a verba do PAC. Entre as reformas necessárias, há desde obras básicas, como a melhoria dos acessos rodoviários e o aumento do calado para permitir a passagem de embarcações maiores, até a compra de equipamentos mais modernos para agilizar a burocracia alfandegária. "Em alguns portos dos Estados Unidos, por exemplo, antes mesmo de o navio atracar, ainda em alto-mar, o comandante comunica às autoridades portuárias locais a previsão de chegada, tipo de carga transportada, país de origem e outras informações úteis para ganhar tempo na descarga", afirma Osmar Rebelo de Oliveira, conselheiro da Associação Brasileira dos Terminais Privados (ABTP).

Diante do aumento contínuo do fluxo de comércio internacional, nenhum país pode se dar ao luxo de parar de investir em seus portos. O canal do Panamá, uma das grandes obras de engenharia do século 20, passa no momento por grande reforma. Estão sendo investidos 5,2 bilhões de dólares em sua modernização e ampliação. No caso dos portos brasileiros, o descompasso entre a verba destinada pelo PAC e as necessidades do país só pode ser resolvido hoje, segundo muitos especialistas, com o aumento da participação privada no setor. De 1995 a 2000, foram arrendados 15 terminais em portos como os de Santos, do Rio de Janeiro e de Paranaguá. Nesse período, os investimentos feitos pelas companhias privadas chegaram a 2 bilhões de reais. Além de uma capacidade de investimentos maior que a dos governos, as companhias têm demonstrado ser mais eficientes na administração do negócios.

Não por acaso, o melhor porto do país, de acordo com o estudo do CEL/Coppead/UFRJ, é o Ponta da Madeira, em São Luís, capital do Maranhão. Ele representa hoje o principal portão de escoamento de minérios produzidos em Carajás, no Pará, pela Companhia Vale do Rio Doce. Segundo os usuários ouvidos pela pesquisa, o terminal foi considerado excelente, merecendo nota média de 9,3. Sua profundidade e a agilidade das operações estão entre os motivos que colocaram o Ponta da Madeira em lugar de destaque. Trata-se de uma ilha de excelência em meio ao caos que pode provocar o naufrágio do sistema portuário brasileiro.

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