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Mesmo derrubado pelo STF, marco temporal das terras indígenas pode ser votado na CCJ do Senado

Na sessão da CCJ da última quarta-feira, 20, alguns senadores se manifestaram pedindo a aprovação do projeto e criticaram a atuação do STF sobre o assunto

Marco temporal: tema foi votado pelo STF e será analisado pelo Senado (Carlos Moura/SCO/STF/Flickr)
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 24 de setembro de 2023 às 13h00.

Mesmo após o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubar a tese do marco temporal das terras indígenas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) deve votar o projeto que determina que osindígenas só têm direito às terras que já eram tradicionalmente ocupadas por eles no dia da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.OPL 2.903/2023está pautado para ser analisado na próxima quarta-feira, 27.

Na sessão da Comissão na última quarta-feira, 20, alguns senadores se manifestaram pedindo a aprovação do projeto e criticaram a atuação do STF sobre o assunto. O julgamento do Supremo terminou9 a 2. O tema ainda será retomado para os ministros definam sobre a indenização para quem ocupou áreas indígenas de boa-fé e como será o procedimento de demarcação dessas terras.

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Para o relator, o senadorMarcos Rogério (PL-RO), o STF só poderia decidir sobre o tema após o fim da discussãono Congresso."São instâncias independentes. O Supremo não pode, sem devido processo legal, dizer que o Parlamento não pode legislar sobre isso. Cada um cumpre o seu papel", disse.

Rogério deu parecer favorável ao texto e argumentou queomarcotemporalevita a "fraude de proliferação de aldeias" indígenas. Segundo ele, indígenas de outras regiões do Brasil e de países vizinhos seriam "recrutados" para causar uma "expansão artificial" dos limites de demarcação.

O senador Plínio Valério (PSDB-AM) afirmou que o Supremo está legislando sobre o marco temporal. "A nossa Constituição acha que foi 5 de outubro de 1988 e a Constituição é clara quando ela considera terras indígenas aquelas ocupadas até aquele momento da promulgação. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e por eles habitadas em caráter permanente", disse o senador.

Na mesma linha de Plínio, Sérgio Moro(União-PR)disse que o Senado não pode abdicar da prerrogativa de decidir sobre o marco legal."Não podemos aqui abrir mão da nossa prerrogativa de legislar, senão fechemos o Congresso de uma vez e aguardemos que todas as questões sejam resolvidas pelo STF", argumentou.

Do lado do que é contra o projeto, Humberto Costa (PT-PE) disse que o PL vai inviabilizar a demarcação de novos territórios indígenas e, por isso, é inconstitucional. "É uma matéria que agride a Constituição Federal e o seu espírito cidadão; é preconceituosa, porque é dirigida sob medida contra os povos indígenas; é um erro histórico, no momento em que falamos da Amazônia e do combate à desigualdade", avaliou Costa.

O líder do governo na casa, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que vai buscar um acordo com a oposição. Ele disse também que não vê com bons olhos o Senado votar o assunto após a decisão do STF. "Não me parece de bom tom nós confrontarmos uma declaração de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal com um projeto de lei que flagrantemente será inconstitucional", disse.

O que diz o projeto de lei sobre o marco temporal das terras indígenas

Aprovado na Câmara no final de maio, a proposta já passou na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) antes de chegar na CCJ. Caso seja aprovada na Comissão, caberá ao plenário do Senaod votar a decisão final.De acordo com o texto, para que uma área seja considerada “terra indígena tradicionalmente ocupada”, será preciso comprovar que, na data de promulgação daConstituição Federal, ela era habitada pela comunidade indígena em caráter permanente e utilizada para atividades produtivas. Também será preciso demonstrar que essas terras eram necessárias para a reprodução física e cultural dos indígenas e para a preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar.

Como foi o julgamento do STF sobre o marco temporal?

A ação julgou a disputa pela posse da Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, em Santa Catarina. No local vivem indígenas Xokleng, Guarani e Kaingang, e o governo catarinense entrou com pedido de reintegração de posse. O processo é de repercussão geral — ou seja, que reverbera em outras decisões. Hoje, o Brasil tem mais de 300 processos em aberto sobre demarcação de terras.

Os ministros, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Carmem Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber, seguiram o relator Edson Fachin e se manifestaram contra a tese. Os ministros Nunes Marques e André Mendonça entendem que a data da promulgação da constituição deve ser fixada como marco temporal de ocupação. Indígenas acompanharam a sessão plenária ao lado do STF, e comemoraram a decisão.

Parte dos ministros que votaram contra a tese do marco temporal defendem o reconhecimento do direito a indenização prévia a produtores que tenham ocupado de boa-fé territórios de povos originários. Segundo eles, a responsabilidade civil será da União e dos estados por causarem danos decorrentes de titulação indevida. Em seu voto, Barroso afirmou, porém, que o pagamento indenizatório não pode impedir o procedimento de demarcação.Os ministros ainda vão definir em uma próxima sessão sobre o direito a indenização para quem ocupou áreas indígenas de boa-fé.

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