Ministério da Educação, em Brasília (DF) (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Agência de notícias
Publicado em 29 de dezembro de 2023 às 07h25.
Saíram de cena os debates sobre as escolas cívico-militares e o homeschooling, entraram em foco as dificuldades do Ministério da Educação (MEC) de conseguir passar no Congresso Nacional as suas agendas.
Quase um ano depois de tomar posse, o ministro Camilo Santana (PT-CE) coleciona êxitos como a recomposição do orçamento da pasta e a criação de novos programas, mas também enfrenta o revés de ver adiada a discussão da sua proposta de reforma do Ensino Médio. Ficou para 2024 a votação do projeto de lei relatado pelo ex-ministro Mendonça Filho (União-PE), além de debates que o MEC pretende levar adiante, como mudanças no Enem e a elaboração de um novo Plano Nacional de Educação.
No primeiro semestre, o ministério turbinou alguns programas. Aumentaram, por exemplo, os valores enviados para a merenda escolar, para o custeio das universidades federais e para as bolsas dos pesquisadores de pós-graduação. Com isso, todas as modalidades de ensino — da educação infantil à superior — do orçamento discricionário (aquele em que o governo escolhe onde gastar) subiram em 2023 em relação ao ano passado, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop). Foi lançado, ainda, um plano nacional de alfabetização e um programa de expansão de ensino em tempo integral. Mesmo assim, analistas apontam certa demora para novas ações estruturadas — como a criação do sistema nacional de educação.
Na avaliação de Olavo Nogueira Filho, diretor executivo do Todos Pela Educação, a atual gestão do MEC tem o mérito de voltar a atuar como um coordenador da política educacional junto a estados e municípios. No entanto, a julgar a trajetória de sucesso da dupla que comanda a pasta (além de Camilo Santana, a secretária executiva do MEC, Izolda Cela, foi responsável por excelentes indicadores educacionais no Ceará), a velocidade dos avanços poderia ser maior, diz Nogueira.
— Faltou, por exemplo, mudanças mais concretas sobre a formação inicial dos professores, que é responsabilidade do MEC. Agora no fim do ano tiveram sinalizações importantes, mas era possível ter avançado com mais velocidade nessa agenda, com políticas robustas já formuladas. Isso deixou a desejar — afirma.
O momento mais tenso para a pasta, no entanto, foi a tramitação da reforma do Novo Ensino Médio. Primeiro, o relator escolhido foi Mendonça Filho, justamente o ex-ministro do governo Temer que implementou as mudanças. Com a alteração do texto, o governo retirou a urgência do projeto para adiar a votação, mas ela foi restabelecida pela Câmara. Na última terça-feira, dia em que o texto seria votado, uma reunião entre Camilo e Mendonça definiu o adiamento da análise para 2024.
A disputa do ponto de vista técnico é a respeito da carga horária da formação geral básica, parte do currículo comum para todos os estudantes. No entanto, também há uma disputa política. O Centrão não gostou de perder o controle do FNDE, um fundo de mais de R$ 25 bilhões que financia projetos em todo o país. Atualmente, ele é comandado por Fernanda Pacobahyba, um nome de confiança do ministro que foi sua secretária de Fazenda no Ceará.
— Com essa remarcação (da votação do Novo Ensino Médio) para a retomada do trabalho legislativo, em março, o ministro começa o ano bastante pressionado. É um tema sem consenso, num ano com eleições municipais e que precisa de urgência. Hoje os alunos não sabem como vai ser o ensino médio — afirma João Marcelo Borges, gerente de pesquisa e inovação do instituto Unibanco.
Evento mais importante da educação brasileira, a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) também deixou a desejar. Cerca de 50 mil candidatos foram alocados a distâncias maiores do que previa o edital, o que provocou uma enorme insatisfação nos candidatos, que acabaram transferidos para as datas de reaplicação da prova. Além disso, os cadernos de itens dos dois dias vazaram depois do início da aplicação, mas antes do horário permitido.
No fim do ano, o MEC publicou uma longa lista de conquistas da gestão, como a Estratégia Nacional de Escolas Conectadas (para levar internet para todas as unidades educacionais até 2026); o programa de bolsas para alunos do ensino médio; e o compromisso de gastar R$ 5,7 bilhões em quatro anos para a conclusão de mais de 5.600 obras educacionais paralisadas ou inacabadas em todo o país.
O Ministério também afirmou que o Novo PAC terá investimentos na casa de quase R$ 14 bilhões para a construção de 1.000 creches e pré-escolas, 625 escolas em tempo integral, e na compra de 1.500 ônibus de transporte escolar, cem novos campi de institutos federais, novos campi de ensino superior e para a retomada e conclusão das obras que estavam paradas.
Além disso, o governo precisará decidir sobre o formato do Enem, que pode sofrer alterações com a mudança do ensino médio, e também o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), principal mecanismo de avaliação das escolas do país. Manuel Palácios, presidente do Inep, já afirmou durante uma conferência no último mês que essas serão as prioridades do órgão no próximo ano.
— A impressão é que o ministro entendia que iria navegar tranquilo por conta da experiência no Ceará. Mas Brasília e o Brasil são muito mais complexos — avalia Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
O MEC ainda tem o debate do novo Plano Nacional de Educação (PNE) para discutir com o Congresso. O atual PNE tem sua vigência entre 2014 e 2024 e há quem defenda que ele seja prorrogado já que a discussão pode demorar. Especialistas apontam a dificuldade apresentada pelo ministério de negociar e o ambiente altamente polarizado como complicadores para a formulação do novo plano.
Na última semana, um evento da Conferência Nacional da Juventude já terminou em confusão entre manifestantes da direita e da esquerda. Em janeiro, há a Conferência Nacional Educação (Conae) na qual haverá discussões sobre as metas dos próximos dez anos para a educação.
Governo enfrenta dificuldade para dialogar com o Congresso e ampliar como deseja o tempo da formação geral básica, a área comum do currículo.
Com a reforma do ensino médio, há a possibilidade de mudar a prova. Uma ala do Congresso defende que a prova seja dividida em duas: uma parte comum para todos os candidatos e outra aprofundada em alguma área do conhecimento escolhida pelo aluno.
O PNE é uma lista de metas que deveriam ser perseguidas pelo país, como universalizar a pré-escola e atingir pelo menos 25% de matrículas em tempo integral até 2024. Com o fim da sua vigência, conferências municipais e estaduais já foram realizadas pelo país e um encontro nacional será feito em janeiro. Temas como direitos humanos e gênero na educação devem polarizar e tumultuar o debate.
Principal avaliação da educação básica, o Ideb tinha metas de desempenho estabelecidas até 2021. Com a pandemia, o fim desse primeiro ciclo foi prorrogado para 2023, com os dados sendo divulgados em 2024. Agora, o Inep precisa definir novas metas para os próximos anos e também se haverá alterações metodológicas na avaliação.