Brasil

Mato Grosso do Sul aposta em investimentos e rota bioceanica para alavancar economia

Em entrevista à EXAME, governador Eduardo Riedel diz que estado deve receber cerca de R$ 70 bilhões em investimentos nos próximos anos

Eduardo Riedel, governador do Mato Grosso do Sul: passada a reforma tributária, a gente tem que olhar para a qualidade do gasto público brasileiro (Governo do MS/Divulgação)

Eduardo Riedel, governador do Mato Grosso do Sul: passada a reforma tributária, a gente tem que olhar para a qualidade do gasto público brasileiro (Governo do MS/Divulgação)

Leo Branco
Leo Branco

Editor de Negócios e Carreira

Publicado em 31 de julho de 2023 às 17h34.

Última atualização em 8 de agosto de 2023 às 12h15.

PALO ALTO (ESTADOS UNIDOS ) — Nesta terça-feira, 1, o governador do Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (PSDB), será uma das lideranças à frente do MS Day, um evento em São Paulo para dar visibilidade ao potencial do estado para os negócios. Com uma economia atrelada ao agronegócio, o Mato Grosso do Sul quer mostrar a investidores como virou uma das economias mais dinâmicas do país. Nas contas de Riedel, o estado deve receber cerca de 70 bilhões de reais em investimentos privados nos próximos anos. Em boa medida os recursos vão para um estado bem localizado para escoar a produção de matérias-primas brasileiras.

Prevista para ser inaugurada em 2025, a ponte Bioceânica, em Porto Murtinho (MS), vai conectar o estado ao Paraguai e abrir uma rota rodoviária em direção ao oeste. Ao permitir uma ligação com portos relevantes no oceano Pacífico, como Antofagasta e Iquique, no norte do Chile, o estado quer se consolidar como saída de matérias-primas do Brasil em direção a países asiáticos. "O Mato Grosso do Sul está pronto para receber esses investimentos", diz Riedel, eleito no ano passado após oito anos ocupando cargos de secretário no governo antecessor, do também tucano Reinaldo Azambuja.

No início de julho, ele integrou uma comitiva de lideranças públicas e da iniciativa privada do Brasil num curso de uma semana na Universidade de Stanford, uma das mais prestigiadas do mundo, nos arredores de São Francisco, na Califórnia. Promovida pela Comunitas, organização do terceiro setor sediada em São Paulo e focada em projetos de inovação para a máquina pública, a formação foi dedicada aos desafios e oportunidades da economia verde. Na formação, a que EXAME também esteve presente, Riedel falou à reportagem sobre os projetos do governo dele ao Mato Grosso do Sul, além de temas de âmbito nacional, como reforma tributária, o avanço de outras reformas e o futuro do PSDB.

Como o senhor avalia a situação do Brasil após a aprovação da reforma tributária pelo Congresso?

Acho que a reforma tributária tinha que acontecer, né? É um país que tem um ambiente de negócios horroroso e muito em função desse conjunto de legislações tributárias no Brasil, em que cada estado faz o seu. Você tem entre cada estado brasileiro uma fronteira fiscal e física para caminhão. O nível de judicialização no sistema fiscal brasileiro é estratosférico, na casa de centenas de bilhões envolvendo Judiciário. Então não dá mais para conduzir um país, que queira ser competitivo, nesse ambiente. É a melhor reforma? Ela traz problemas? Vamos corrigir! O relator da reforma tributária, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), já fez um trabalho importante ao longo da sua relatoria. Agora foi para o Senado e não vamos ter que acabar de arredondar sem perder.

Na sua opinião, o que precisa ser arredondado?

Acho que precisa entender bem a governança do Conselho [colegiado, formado por estados e municípios, será responsável por fazer a gestão dos recursos do IBS]. Como será a representatividade, como você garante o equilíbrio das discussões. A discussão é que ficou com os estados. Eu quero ver bem ainda, para entender muito bem esse critério. Hoje é 60% acima dessa representatividade, se é populacional não tem. Então saiu ganhando? Não sei, tem que entender. De qualquer forma, temos que criar de fato um entendimento, trabalhar para criar uma governança equilibrada e que ninguém mande sobre ninguém. Tem que equilibrar as decisões para que sejam tomadas de modo a preservar o todo e o coletivo. E a partir daí pensar nos mecanismos adequados de compensação.

E se o Mato Grosso do Sul perder arrecadação?

Talvez perca um pouco de arrecadação. Saiu um estudo do IPEA recentemente sobre o assunto. A gente tem uma projeção de uma possível perda, mas tem muita coisa que ainda não é sabida e nem como será o comportamento do mercado estão previstos. Incentivos fiscais, por exemplo, estão preservados até 2032 e isso é uma conquista. O fundo de alguns estados é uma discussão, porque permitiu-se que os estados criassem fundos. Não acho legal, mas aqueles que estavam criados não vão acabar, porque são baseados na substituição tributária do ICMS. Então, ainda tem algum pente fino para melhorar -- e não para rever o conceito. Acredito na relatoria do senador Eduardo Braga (MDB-AM). Agora é uma discussão mais federativa no Senado, que é uma característica da casa, mais equilibrada entre as regiões, menos gente também. Acho que dá para ajustar e depois vai ter que voltar para a Câmara. É o processo democrático para outras reformas.

Qual é a perspectiva para a economia do Mato Grosso do Sul num cenário de provável aprovação da reforma tributária já em 2023?

O cenário é muito positivo no estado. Temos um volume de investimentos previstos de 70 bilhões de reais para o Mato Grosso do Sul nos próximos anos. Estamos prontos para receber esses investimentos. Boa parte disso deriva do fato de estarmos com a lição de casa feita. Estamos com uma máquina pública funcionando de maneira eficiente e com caixa para investimentos públicos. Queremos aproveitar a localização geográfica privilegiada. A ponte Bioceânica, em Porto Murtinho (MS), vai conectar o estado ao Paraguai e abrir uma rota rodoviária em direção ao oeste. Ao permitir uma ligação com portos relevantes no oceano Pacífico, como Antofagasta e Iquique, no norte do Chile, o estado quer se consolidar como saída para matérias-primas do Brasil em direção a países asiáticos. Muito em função disso, um escritório consular do Chile será aberto nos próximos meses em Campo Grande.

O senhor acredita em novas reformas?

Eu gostaria muito de ver a reforma administrativa, eu acho que você discutir tributária é importantíssimo para esse ambiente, mas agora a gente tem que olhar para a qualidade do gasto público brasileiro. Custo é igual unha, tem que cortar todo dia. E o setor público brasileiro, ele tem que fazer a sua reforma administrativa. Qual a relação com o servidor, como é que é? Como é o critério de contratação? Previdência? Todo esse arcabouço de relacionamento público com o servidor tem que ser discutido, na minha avaliação, na esfera federal. E ter um impacto forte no que diz respeito à reforma administrativa. Eu acho que a reforma tributária facilita uma coisa, a administrativa pode vir para contribuir com maior eficiência para a administração pública. Eu entendo que seja tão importante quanto.

E você acha que dá para aproveitar tudo que foi discutido de reforma em outros governos, como, por exemplo, o de Michel Temer?

Você não precisa sair do zero, né? Tem muita coisa, muita ideia, muita discussão. Tem que traduzir isso em um arcabouço legal que garanta essa mudança. Acho que é o próximo passo. Não pela história do governo, pela relação que o governo tem em relação a algumas corporações. Por um outro lado, vejo que de repente esse governo queira quebrar esse paradigma, e falar ‘vamos enfrentar’. Se você for olhar para o lado ideológico, tradicionalmente, talvez não. Mas talvez, com esse equilíbrio de forças dentro do governo, tem pessoas lá que têm essa visão e possam efetivamente falar para o presidente para modernizar o Estado.

É do Congresso que deverá partir essa agenda ou do próprio Executivo?

De repente não parte do governo, mas do Congresso. Tem coisa que não dá mais para voltar para trás. Tem o novo ensino médio, o marco do saneamento. A discussão ideológica já passou. Então não é uma crítica política, né? É uma análise no meu ponto de vista dos fatos. Eu acredito que a gente tem que avançar na reforma administrativa. Perguntam: ‘tem espaço no governo?’ Acho que temos que buscar fazer. Se vai ser o Congresso que vai protagonizar ou se o governo vai embarcar ou parte vai estar junto, é outra discussão.

Neste momento em que conversamos, o senhor está fazendo um curso na Universidade de Stanford para lideranças públicas sobre os desafios da transição para a chamada economia verde. Como pretende usar esses conhecimentos no seu governo?

O que vemos aqui é o caminho. Você encontra pessoas e atores que trazem uma visão e uma realidade que te faz refletir sobre como você está conduzindo as coisas. Por exemplo, conversando com um engenheiro brasileiro que está há alguns anos em Stanford, ele fala para rompermos com “o sempre foi”, porque justamente eles querem propor a disrupção do "sempre foi assim" para mudar um pouco as coisas. Ele falou que não há que se discutir nada sem a infraestrutura antes. Para algumas categorias de ações e de investimento. É uma é uma efervescência de conceitos, ideias e discussões que vão ajudando a montar o quebra-cabeça para quem é gestor e tem a responsabilidade de conduzir um estado, um país ou um município.

Mas, na prática, como isso vira entregas concretas para a população?

Um exemplo prático que estamos discutindo muito é a cidade de Bonito, no Mato Grosso do Sul. É uma cidade turística, baseada no turismo ecológico. Então tem que preservar e ter seus processos muito bem definidos, o seu crescimento geográfico, o uso do solo, a preservação dos remanescentes. Discutimos Bonito numa perspectiva de uma cidade inteligente com esse potencial. Tratamos o projeto como uma Eco Smart City. Estamos discutindo como podemos procurar parceiros específicos para ajudar nessa missão. Estamos com um projeto de infovia digital. Ela vai interligar os 79 municípios com fibra óptica e os serviços de conectividade dos órgãos públicos, todos serão a partir dessa conexão com fibra óptica a um custo 30% menor do que a gente tem hoje nas conexões pela internet. O que vemos aqui é o caminho. E tem outra coisa de estar aqui: você encontra pessoas e atores que trazem uma visão e uma realidade que fazem refletir sobre como você está conduzindo as coisas.

E dá para fazer isso no dia a dia?

Dá, sim. É aquela história: você não pode perder o foco, tem que ter um bom sistema de gestão. Entra depois a administração no seu ciclo completo, que é planejar, direcionar, corrigir e atuar. O governo do estado, por exemplo, recentemente recebeu um prêmio do Centro de Lideranças Políticas (CLP) como um dos seis melhores do Brasil em relação à gestão. A gente tem o ciclo de gestão das secretarias com os contatos com secretários. Estão todos os objetivos que a gente quer para o estado. O meu plano de governo foi traçado como se fosse um planejamento estratégico. Visão, missão, os objetivos estratégicos, desdobra muito transversal com as ações e as ações estão no contato de gestão dos secretários. Meu papel é cobrar isso. Monitorar, cobrar e garantir recursos para essas ações. E tem funcionado bem porque você prioriza as coisas. O dia a dia dos governos tem muita capacidade de tirar o foco. Se você espreme, e chega no final do dia e pergunta: que que eu fiz hoje? Se estou cansado, trabalhei 14 horas, mas eu não estou levando nada para casa na última linha daquilo que propus a fazer, então tem alguma coisa errada. Todos os contratos de gestão e a gestão da agenda têm que ser focados no resultado para as pessoas.

Como fica o PSDB nessa agenda reformista? O partido é oposição ou apoia reformas podem vir a ser encampadas também pelo governo?

Eu falo por mim. Não tenho autoridade para falar pelo partido. O PSDB tem uma agenda reformista, uma agenda liberal. Assuntos de governo ou do Congresso que têm a aderência com essa agenda, nós vamos apoiar. Agora, assuntos que não, eu acho que a gente não tem que apoiar. Então, não é ser governo ou não ser governo, é ter uma agenda para o Brasil. Eu advogo muito por isso, para sair dessa polarização às vezes insana ou pouco racional. Oposição por oposição ou governo por governo, não. Nós temos que ter a agenda do Brasil em primeiro plano e trabalhar por ela. A discussão da reforma administrativa, nós precisamos dela. Quem no Congresso abraça essa ideia? Mas o governo não quer? Então somos oposição. Mas parte do governo acha que é importante e deve fazer, então bem-vindo a agenda que nós entendemos como a melhor para o Brasil.

E a expectativa para eleição no ano que vem? Fala-se muito que o PSDB diminuiu de tamanho e virou um partido nanico.

Eu acho que o PSDB sofreu muito com todo esse processo político que houve no Brasil de extremos e polarização. Porque é um partido equilibrado, é um partido que não tem esse viés de popularizar a discussão política por interesses eleitorais, eu acho que a gente tem que ter uma agenda, e a agenda do PSDB é clara. No ano que vem, será uma eleição que vai dar muito o tom disso. A sociedade continua polarizada? Vai continuar essa discussão sem sentido muitas vezes que a gente tem visto ou a sociedade vai começar a enxergar um pouquinho mais a capacidade de entrega de resultados para quem contrata o governante, que é quem vota. Eu acho que a eleição municipal sempre dá um termômetro disso, e isso vai ser importante para o PSDB. Olha obrigado mesmo, eu acho que era isso.

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