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Mandetta diz que Bolsonaro tinha assessoramento paralelo sobre pandemia

Primeiro a ser ouvido pela CPI da Covid-19, ex-ministro afirmou que, quando estava à frente da pasta, não havia plano de vacinação

Ex-ministro de Estado da Saúde, Luiz Henrique Mandetta depõe na CPI da Covid (Jefferson Rudy/Agência Senado/Flickr)

Ex-ministro de Estado da Saúde, Luiz Henrique Mandetta depõe na CPI da Covid (Jefferson Rudy/Agência Senado/Flickr)

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Alessandra Azevedo

Publicado em 4 de maio de 2021 às 13h52.

Última atualização em 11 de maio de 2021 às 10h51.

O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta afirmou nesta terça-feira, 4, em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid-19, que alertou o presidente Jair Bolsonaro sobre a necessidade de medidas como isolamento social e sobre a possibilidade de colapso do sistema de saúde, mas não foi ouvido. Segundo ele, havia reuniões paralelas de aconselhamento sobre a pandemia, que iam em sentido contrário.

Mandetta disse que encontrava nessas reuniões médicos que não eram da equipe do ministério, como Nise Yamaguchi, que era “chamada para dar essas coisas sobre cloroquina”. Além disso, “várias vezes” ele se deparou com Carlos Bolsonaro, filho de Bolsonaro e vereador no Rio de Janeiro, tomando notas. “Eles tinham constantemente reuniões com esses grupos dentro da Presidência”, afirmou.

“Basicamente, existia uma outra versão. Nós tínhamos um caminho, uma caminhada com o que tínhamos ali do Ministério da Saúde, com instituições históricas, ligando com o que tinha de melhor”, disse Mandetta. Já as reuniões paralelas eram com pessoas que acreditavam em outras políticas. “Não é errado acreditar naquele caminho, só que as evidências científicas têm de ser a base para a tomada de decisão”, pontuou.

"Estive no Palácio do Planalto quando fui informado que era para subir, porque tinha uma reunião de vários ministros e médicos que iam propor esse negócio cloroquina, que eu nunca havia conhecido. Ele [Bolsonaro] tinha uma assessoramento paralelo", confirmou Mandetta. Ele disse que, nesse dia, havia na mesa "um papel não timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido daquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa".

A indicação era para colocar na bula a indicação de cloroquina para coronavírus, afirmou. "Foi inclusive o próprio presidente da Anvisa, Barras Torres, que estava lá, que disse não", lembrou Mandetta. "Alguém pensou, se deu ao trabalho de colocar aquilo em formato de decreto", ressaltou.

O ex-ministro disse ter escrito uma carta em defesa de medidas como isolamento social e entregue pessoalmente ao presidente, em uma reunião com outros ministros, no Palácio da Alvorada. No fim da carta, ele sugeriu a revisão das medidas adotadas até o momento e alertou para possibilidade de colapso do sistema de saúde. “O que posso dizer é isso. Se eu alertei o presidente? Alertei”, reforçou.

"Era muito constrangedor para o ministro da Saúde ficar explicando que estava indo por um caminho e o presidente, por outro"

Luiz Henrique Mandetta, ex-ministro da Saúde

Mandetta também afirmou que recebeu a projeção de 180.000 mortes por covid-19 até 31 de dezembro e levou o número a Bolsonaro, mas ele não acreditou na estimativa. Segundo o ex-ministro, “era um época em que teorias brotavam diariamente” sobre a pandemia. “Se eu acreditasse naquelas teorias seria uma carnificina", disse.

Mandetta também afirmou que não partiu do Ministério da Saúde orientação para uso de cloroquina, indicado por Bolsonaro. “Não, não partiu do Ministério da Saúde. A única coisa em relação à cloroquina que o ministério fez, após consulta ao Conselho Federal de Medicina, era para uso compassivo, que é uma utilização que se faz quando não há outro recurso terapêutico, para os pacientes graves em ambiente hospitalar”, disse.

“Mesmo porque a cloroquina é uma droga que, sim, para uso indiscriminado sem monitoramento, a margem de segurança dela é estreita", apontou Mandetta. Ele ressaltou que, "como todo medicamento, tem uma série de reações adversas, uma série de cuidados que têm de ser feitos". A automedicação com cloroquina e outros medicamentos, segundo ele, "poderia ser muito, muito perigosa para as pessoas”.

Vacinas e testes

Mandetta disse que, enquanto estava à frente da pasta, ainda não havia possibilidade de comprar vacinas contra o novo coronavírus. Mas, se houvesse, ele teria ido atrás dos imunizantes “como atrás de um prato de comida”. Até abril de 2020, quando ele saiu do governo, nenhuma vacina estava em fase de testagem em humanos, de forma que não havia oferta, explicou. 

“Na minha época, não foi oferecido. Mas rezava muito para que fosse. Teria ido atrás delas como atrás de um prato de comida. A gente sabia que a saída era pela vacina”, disse. Segundo ele, o Sistema Único de Saúde (SUS) é o “melhor sistema” para aplicar vacinas, com capilaridade em todo o país. “Basta tê-las e basta ter os insumos. Temos histórico de megacampanhas de vacinação”, disse.

Mandetta também afirmou que havia um protocolo para a compra e uso intensivo de testes de diagnóstico de covid-19, mas o governo abandonou a estratégia. Em março de 2020, a pasta iniciou um processo de compra de 24 milhões de testes, com o objetivo de disponibilizá-los e entregar os resultados por meio de aplicativo, para a pessoa e para a Secretaria de Saúde.

O problema é que, com a saída dele do ministério, a estratégia não foi levada adiante. “Disparamos o processo de aquisição, com todas as dificuldades, mas só foi assinado o recebimento dos testes [quando] já era o ministro subsequente, ministro [Nelson] Teich. Depois soube que os testes, essa estratégia não foi utilizada”, contou. “Essa era, de uma maneira muito clara, a nossa estratégia. Testar, separar para diminuir o índice de transmissão desse vírus.”

“Tínhamos claramente que iríamos testar, bloquear o máximo possível os contágios, tratar via atenção primária e ampliar nossa rede de atendimento hospitalar. Era a maneira como nós focávamos", continuou. Segundo ele, o ministério não tomou "nenhuma medida que não tenha sido pela ciência" naquela época. "A posteriori, vimos pararem muitas coisas e não colocarem outras no lugar. A testagem foi uma delas.”

Protocolos iniciais

Mandetta também foi questionado sobre a recomendação inicial de que as pessoas só procurassem atendimento em hospitais caso tivessem sintomas graves, como falta de ar. Segundo ele, isso “não é verdade” e não passa de uma “guerra de narrativas”. Ele ressaltou que, entre janeiro e fevereiro, ainda não havia casos registrados de coronavírus, e muitas pessoas procuravam o serviço médico por “pânico” ou viroses. 

“O que havia naquele momento era pessoas em sensação de insegurança, de pânico, porque via as situações em outros lugares”, afirmou. Segundo ele, as pessoas procuravam hospitais no intuito de fazer testes, que, "em 99,999% das vezes" detectavam outros vírus e, no restante, tinham resultados indefinidos.

Ele lembrou que o país só começou a ter transmissão comunitária depois de 24 de março. "No momento de virose, a orientação sempre foi você observar a virose. Não vá imediatamente para o hospital, porque aglomera e, se tiver lá um paciente positivo, vai contaminar na sala de espera”, explicou.

Comissão

A CPI foi instalada em 27 de abril, após o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso determinar a abertura. Mandetta é o primeiro a ser ouvido pela comissão. Na quarta-feira, 5, os senadores receberão o ex-ministro Nelson Teich, que o sucedeu no ministério. Estão previstas para quinta-feira, 6, as oitivas do atual ministro, Marcelo Queiroga, e do presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres.

 

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