Brasil

Mais alto, mais forte, mais corrupto: a Lava-Jato nas Olimpíadas

A Lava-Jato revelou a chance de ouro para Cabral e sua turma enriquecerem e também as raízes históricas da corrupção no esporte brasileiro

Rio 2016: a Lava Jato investiga um esquema de corrupção na escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 (Kai Pfaffenbach/Reuters)

Rio 2016: a Lava Jato investiga um esquema de corrupção na escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016 (Kai Pfaffenbach/Reuters)

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Carolina Riveira

Publicado em 6 de setembro de 2017 às 20h24.

Última atualização em 2 de maio de 2022 às 10h43.

A Lava-Jato chegou às Olimpíadas, e, ao que tudo indica, veio para ficar. Em parceria com o Ministério Público francês, o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro e a Polícia Federal deflagraram na terça-feira 5 a operação Unfair Play, que investiga um esquema de corrupção na escolha do Rio como sede dos Jogos Olímpicos de 2016.

O nome, traduzido como “jogo sujo” ou “injusto”, é um trocadilho com a expressão fair play, que é usada para indicar conduta ética na prática esportiva. Foi o que faltou ao presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman, que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), comprou votos de membros africanos do Comitê Olímpico Internacional (COI). A investigação, que começou em 2016 na França, também envolve o empresário Arthur César de Menezes Soares Filho, conhecido como “rei Arthur” e ligado ao ex-governador do Rio, Sérgio Cabral. Soares teria desembolsado o dinheiro e Nuzman e o COB, por sua vez, agido como intermediários na relação com os dirigentes olímpicos internacionais.

Comandada pelo juiz federal Marcelo Bretas, responsável pelo braço fluminense da Lava-Jato, a Unfair Play mostra como as Olimpíadas foram uma oportunidade de ouro de uso da máquina pública por Cabral e sua turma para fins ilícitos no Rio. Seus detalhes revelam como o Brasil atingiu novos níveis internacionais de corrupção.

O esquema começou a ser revelado no início do ano, quando Arthur Soares foi acusado de pagar propina para comprar o voto do senegalês Lamine Diack, então membro do Comitê Olímpico Internacional e presidente da Federação Internacional de Atletismo (IAAF). O pagamento, de 2 milhões de dólares, teria sido feito a seu filho, Papa Massata Diack, três dias antes da votação que escolheu o Rio como sede em outubro de 2009. Diack, de fato, votou a favor do Rio na ocasião.

Os dólares teriam saído da cota de propina destinada a Sérgio Cabral. “Ele [Soares] nada mais fez do que repassar a propina que pagaria a Sérgio Cabral diretamente para o senegalês, em troca dos votos pela escolha da cidade-sede das Olimpíadas de 2016”, afirmaram, em nota, os procuradores responsáveis pela operação.

A investigação começou na França, quando a Justiça local investigava suborno a membros do COI para encobrir doping de atletas. Depois, o Ministério Público francês descobriu pagamentos de Arthur Soares para membros da federação internacional de atletismo. Até que, em março, descobriu-se a ligação com os Jogos do Rio.

Os esquemas não se restringiram à Rio-2016, e Papa Diack também é acusado de influenciar na escolha de Tóquio como sede de 2020 e de encobrir casos de doping na federação de atletismo. Para rastrear os recursos da quadrilha, a operação desta terça-feira envolveu Brasil, França, Antígua e Barbuda, Estados Unidos e Reino Unido, o que, para o MPF, é uma prova da “engenhosa e complexa relação corrupta”.

Além do esporte

A história também não fica só no esporte, já que uma das empresas de Arthur Soares, a Facility, foi uma das maiores prestadoras de serviços terceirizados, como limpeza e alimentação, para a Prefeitura e o Estado do Rio de Janeiro. Mas não de graça: entre 2010 e 2013, Soares depositou 10,5 milhões de dólares em um paraíso fiscal no Caribe destinados a pagamento de propina ao ex-governador Sérgio Cabral, sempre segundo o MPF. O valor era de cerca de 10% de cada contrato fechado: metade ia para Cabral e a outra metade para funcionários públicos do Rio, segundo informou à Justiça o ex-subsecretário de Saúde, César Romero, hoje é delator.

Em nota detalhando a operação desta terça-feira, o MPF fluminense afirma que Soares e Cabral eram grandes interessados na realização das Olimpíadas, tanto pela visibilidade e investimentos que trariam ao Rio quanto pela oportunidade do fechamento de vultosos contratos públicos. O MPF chama atenção para o manchado “legado olímpico”, afirmando que grandes obras feitas no período — como a reforma do Maracanã ou a Linha 4 do Metrô carioca — contaram com desvio de recursos em propina.

Custando 41 bilhões de reais — com 9 bilhões ligados à construção de obras públicas na cidade —, as Olimpíadas do Rio já haviam sido alvo das investigações da Lava-Jato em operações anteriores, sobretudo no que diz respeito à participação da empreiteira Odebrecht em obras dos eventos. O mesmo vale para a Copa do Mundo de futebol, em 2014. “Sem nós, não teria Copa do Mundo nem Olimpíadas. Não teria nada”, afirmou neste ano Marcelo Odebrecht, ex-presidente da companhia e condenado a 19 anos de prisão.

Dos gastos totais da Olimpíada, 57% vieram da iniciativa privada e 43% do setor público (32% do governo federal, 11% da prefeitura e 0,1% do governo estadual), segundo dados da Autoridade de Governança do Legado Olímpico (Aglo), ligada ao Comitê Organizador. Os Jogos do Rio foram recorde de arrecadação, sendo diretamente responsáveis por um faturamento de 3,7 bilhões de dólares obtido pelo COI no ciclo olímpico, de 2013 a 2016 (73% vindo da venda de direitos de transmissão). Para a próxima edição, em Tóquio, os gastos estimados vão de 44 a 50 bilhões de reais.

A compra de votos para a escolha do Rio mancha ainda mais uma edição dos jogos que, ao menos dentro das quadras, das piscinas e dos gramados, foi histórica e transcorreu sem maiores problemas.

A ligação com a CBF

Também é a primeira vez que o nome de Nuzman aparece num escândalo. Agora, todo o alto escalão da organização do Rio está sob suspeita. Foram emitidos mandados de busca e apreensão em casas, na sede do COB, do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos 2016 e em empresas que prestaram serviços aos jogos. Nuzman foi levado a depor coercitivamente na terça-feira, e em sua casa foram apreendidos dois carros e 480.000 reais em moedas como francos suíços, libras, dólares e reais. O MPF pede uma indenização de 1 bilhão de reais dos envolvidos.

A procuradora Fabiana Schneider, que participou da “Unfair Play”, lembra que Nuzman viajava a diversos países para convencer os dirigentes olímpicos a votarem em favor do Rio. Até aí, nada ilegal, mas isso mostra sua capacidade de agir como “ligação” entre os pagadores de propina. “Nuzman se mostra como elemento central na ligação entre os pontos, entre empresários e representantes do Comitê Olímpico Internacional”, disse a procuradora em entrevista-coletiva.

À frente do Comitê Olímpico Brasileiro há mais de 20 anos e se autodenominando várias vezes como “o pai da Olimpíada” brasileira, Nuzman se prova como mais um exemplo dos mandatos infinitos e corruptos que corroem as instituições esportivas brasileiras. Ex-jogador de vôlei, ele defendeu o Brasil nos jogos olímpicos de Tóquio, em 1964, e em 1975 tornou-se presidente da Confederação Brasileira de Vôlei (CBV).

No passado, ele já havia se envolvido em suspeitas, como quando veio à tona um gigantesco esquema de corrupção na CBV. O chamado “Dossiê Vôlei”, revelado pela ESPN em 2014, apontou que o presidente Ary Graça recebeu 10 milhões de reais em propina por contratos da seleção brasileira de vôlei. Nuzman nunca chegou a ser diretamente citado, apesar de 20 anos à frente da CBV.

Foi em sua gestão que o vôlei se capitalizou e ganhou popularidade no Brasil, e os bons resultados lhe deram cacife para fazer oposição, no Comitê Olímpico Brasileiro, aos protegidos de João Havelange — então presidente da FIFA e um dos maiores dirigentes da história do esporte brasileiro. Assim, ele chegou à vice-presidência em 1990 e à presidência em 1995, e de lá não saiu mais. No ano passado, ele venceu mais uma eleição. Seu atual mandato vai até 2020.

Após o sucesso com o vôlei, sua promessa à frente do COB era transformar o Brasil numa potência olímpica a médio prazo. No Rio, o Time Brasil obteve o melhor resultado de sua história, mas não o suficiente para cumprir a meta de Nuzman de figurar entre os 10 primeiros colocados no ranking de medalhas. O Brasil terminou em 13º, com 19 pódios (sete ouros, seis pratas e seis bronzes). Mas nada muito diferente do 16º lugar que há havia obtido em Atenas, em 2004. A estratégia de investir apenas em atletas com chances de medalha e deixar de lado os investimentos na estrutura esportiva de base são criticados por diversos especialistas do setor.

Nuzman se junta a outros figurões do esporte brasileiro na mesma situação por investigações de corrupção, como o presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Marco Polo Del Nero, e Ricardo Teixeira, presidente da CBF entre 1989 a 2012. O sucessor de Teixeira, José Maria Marín, cumpre prisão domiciliar em Nova York.

Após prestar depoimento na terça-feira, Nuzman foi liberado, mas está proibido de deixar o país porque o MPF suspeita que o presidente do COB tenha obtido um passaporte russo. O documento também é fruto de corrupção, pois teria sido um favor do governo de Vladimir Putin em troca do voto de Nuzman a favor da escolha de Sochi como cidade-sede dos Jogos de Inverno de 2014.

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