Maioria dos inquéritos no STF vai apurar "achaque"
As investigações querem descobrir se quem recebeu doações da Odebrecht, também exigiu propina para garantir a permanência da empresa em obras públicas
Da Redação
Publicado em 17 de abril de 2017 às 12h28.
Dos 76 inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal com base nas delações de executivos e ex-executivos da Odebrecht, 40 vão apurar se parte da elite política nacional não apenas aceitou doação de campanha em troca de boas relações com a empreiteira, mas exigiu o pagamento de propinas para aprovar leis e garantir contratos e a permanência da empresa em obras públicas. As iniciativas, segundo os relatos, beiravam um achaque.
A lista de cobrança de pagamentos indevidos nos inquéritos é variada. Em mais de um depoimento, por exemplo, delatores afirmaram que o próprio agente público organizou o cartel e cobrou por isso.
Ou seja, condicionou a participação das empresas em licitação pública à combinação prévia dos valores.
Um dos cinco inquéritos que investigam o senador Aécio Neves (PSDB-MG) trata disso. Os colaboradores, com "declaração e prova documental", afirmaram que Aécio "teria organizado esquema para fraudar processos licitatórios, mediante organização de um cartel de empreiteiras na construção da Cidade Administrativa".
Combinação parecida é relatada na obra do Canal do Sertão, em Alagoas. Segundo a investigação autorizada pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, houve um "acordo de mercado" a pedido do governo estadual, seguido de "solicitação de pagamento de propina a diversos agentes públicos".
O valor fixado, diz o inquérito, foi de 2,25% do contrato. Entre os supostos beneficiários estavam o então governador, Teotônio Vilela (PSDB), e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), apontado como destinatário de R$ 500 mil em espécie.
O usual nestes casos era a cobrança de propina para a empresa entrar em determinada obra. A investigação vai tentar descobrir se foi isso que ocorreu na Ferrovia Norte-Sul. Executivos da Odebrecht disseram que pagaram 4% sobre o valor do contrato para garantir um lugar: 3% para o grupo político do ex-deputado Valdemar da Costa Neto, ligado ao PR, e 1% para o grupo do ex-presidente da República José Sarney (PMDB).
Contrato
Há casos em que a propina seria cobrada mesmo após vencida a licitação, ao longo da duração do contrato. Na obra do metrô gaúcho, delatores disseram que a Odebrecht foi procurada três vezes após vencer o certame.
Na primeira, o deputado federal Marco Maia (PT-RS), ex-presidente da Trensurb, teria pedido 0,55% do contrato - R$ 1 8 milhão - por "ausência de entraves durante o exercício de sua gestão na presidência da companhia".
Depois, segundo o inquérito o ministro Eliseu Padilha (PMDB-RS) solicitou 1% - R$ 3,2 milhões - "em decorrência de sua possível interferência no processo licitatório". Por fim, o ex-ministro Paulo Bernardo (PT-RS) pediu outro 1% - mais R$ 3,2 milhões - para incluir a obra no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), segundo pedido de investigação.
Em outro exemplo em que delatores sugerem ameaça a negócios vigentes, executivos afirmaram que, em 2007, quando assumiu o governo de São Paulo, José Serra (PSDB-SP) publicou decreto alterando contratos da obra do Rodoanel Sul.
Após as mudanças, as empresas teriam sido procuradas por Paulo Vieira Souza, então diretor da Dersa, para pedir 0,75% do valor recebido, "sob pena de alterações contratuais prejudiciais".
Há ainda relatos de pagamentos para evitar problemas futuros. Em cidades como Uruguaiana e Santa Gertrudes, onde a empresa tem contrato de água e esgoto, delatores relataram ter bancado parte das campanhas de candidatos a prefeito e vereador para evitar achaques após a eleição.
Analistas dizem que definir culpados é um desafio na apuração de crimes em contratos de obras. Primeiro, segundo eles, porque é difícil reunir provas, algo que talvez possa ser sanado pelo fato de a Odebrecht ter um "setor de propinas" organizado.
Segundo, porque há teses consolidadas de defesa. "A empresa alega que foi obrigada a entrar no esquema para não sofrer represália e quem está do lado do Estado diz que não sabia de nada. Não vai ser diferente agora", disse o advogado Luis Felipe Valerim, professor da FGV.
Defesas
O advogado de José Sarney disse que os delatores falam de pessoas ligadas a ele. "No meio desta confusão levar em consideração 'pessoas ligadas' é quase uma irresponsabilidade", diz a nota.A assessoria do senador Aécio Neves declarou que ele "jamais participou de qualquer ato ilícito envolvendo a Cidade Administrativa".
O senador Renan Calheiros considera "uma inconsciência" ligá-lo às obras do canal, pois ele fazia oposição ao governador na época. Em nota, o senador José Serra declarou pautar sua trajetória "na lisura e na austeridade" e que a revisão dos contratos no Rodoanel Sul gerou uma economia de R$ 180 milhões.
O deputado Marco Maia disse desconhecer "o teor das delações mentirosas". Paulo Bernardo nega ter feito pedidos a Odebrecht e que a inclusão do metrô no PAC foi lícita.
O ministro Eliseu Padilha, Valdemar da Costa Neto e Paulo Souza, não se pronunciaram. A reportagem não localizou Teotônio Vilela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.