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Legado da Rio 2016 é colocado em xeque com a crise

Arenas que custaram milhões de reais e uma área de lazer prometida à população de uma região pobre estão fechadas ao público desde o fim dos Jogos

Parque Olímpico: o quadro de desalento com o legado se vê agravado pela grave crise financeira que atravessa o estado (Nacho Doce/Reuters)
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Reuters

Publicado em 8 de fevereiro de 2017 às 17h00.

Rio de Janeiro - Arenas que custaram centenas de milhões de reais e uma área de lazer prometida à população de uma região pobre estão fechadas ao público desde o fim dos Jogos Rio 2016 devido a problemas financeiros, falta de interesse da iniciativa privada e atraso no planejamento, o que reforça as críticas e dúvidas sobre o prometido legado da primeira Olimpíada na América do Sul.

Ginásios que foram projetados para serem transformados em escolas após os Jogos ainda estão em desmontagem e permanecem sem utilização, assim como um novo velódromo, que apesar de não receber ciclistas conta com o ar condicionado ligado de forma ininterrupta para a preservação da cara pista de madeira.

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No Parque Aquático, as piscinas temporárias foram removidas para serem instaladas em outros locais, mas as crateras onde estavam permaneceram abertas, acumulando água suja, um risco em uma região com histórico de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti.

"Sem dúvida que causa um desconforto aquela sensação de que um parque bonito desse, que a gente viu há tão pouco tempo, não estar sendo utilizado como nós todos gostaríamos, atletas, comunidade esportiva e população", reconheceu a subsecretária de Esportes da Prefeitura do Rio, Patrícia Amorim, acrescentando que está trabalhando para reverter a situação.

Segundo ela, a troca de governo municipal na virada do ano e o fracasso no plano da gestão anterior de repassar o Parque Olímpico da Barra à iniciativa privada por falta de interessados foram fatores decisivos para o problema, além do "momento muito complicado no país" no tocante à questão de recursos.

"Nesse momento todo o nosso esforço são os estudos de viabilidade financeira", disse a ex-nadadora olímpica em entrevista à Reuters durante visita ao parque.

Ela ressaltou que está trabalhando para que em um curto espaço de tempo o local volte a estar à disposição da população, conforme prometido no plano de legado da candidatura da cidade para receber a Olimpíada.

Desde o fim dos Jogos, o Parque Olímpico não havia recebido um evento esportivo sequer nas novas arenas até o último fim de semana, quando o Centro Olímpico de Tênis foi palco de um jogo de vôlei de praia --sob duras críticas de tenistas que lamentaram o despejo de toneladas de areia sobre a quadra.

"É patético você ver que já que está fechado, é melhor ter areia do que não ter nada. É patético você ter uma quadra de tênis lá e não ser usada para tênis seis meses depois dos Jogos", disse à Reuters o ex-tenista Fernando Meligeni, 4º colocado na Olimpíada de Atlanta 1996 e crítico da gestão esportiva no país.

"No momento em que você faz uma Olimpíada e coloca de pé tantas arenas na mesma cidade você tem que se preparar. É inaceitável você acabar uma Olimpíada e não ter ninguém preparado para assumir um legado desses", acrescentou.

A falta de utilização após a Olimpíada se repete até no Maracanã. Uma disputa entre o governo estadual, o comitê organizador Rio 2016 e a concessionária responsável pelo estádio resultou em abandono do local, que recentemente teve o fornecimento de luz cortado durante alguns dias por falta de pagamento e foi até alvo de furtos.

Ícone mundial e principal estádio de futebol do país, o Maracanã praticamente não recebeu jogos desde a final olímpica em que o Brasil conquistou a inédita medalha de ouro.

O custo da reforma do Maracanã para a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos de 2016 supera 1 bilhão de reais, além dos mais de 1,2 bilhão de reais de recursos federais gastos no Parque Olímpico, despertando preocupações com a destinação desse dinheiro.

O quadro de desalento com o legado se vê agravado pela grave crise financeira que atravessa o estado, em que servidores públicos têm realizado protestos contra atrasos e cortes nos pagamentos.

"A grande preocupação nossa é o legado, como ficará o legado com relação às arenas para não se transformarem em elefantes brancos", disse o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes após visitar arenas da cidade.

"Ninguém tem dinheiro"

A gestão do Parque Olímpico foi assumida em dezembro de 2016 pelo Ministério do Esporte, após o fracasso de uma licitação realizada pela Prefeitura do Rio para escolher uma empresa para administrar o local por falta de interessados. Um dos motivos seria o alto custo de manutenção, estimado após os Jogos em cerca de 30 milhões de reais por ano.

No fim de semana, o governo federal assinou acordos com o Comitê Olímpico do Brasil (COB), o Comitê Paralímpico Brasileiro e Comitê Brasileiro de Clubes com o objetivo de compor um plano para a utilização do local como um legado, incluindo locais de treinamento e eventos de alto rendimento e núcleos de iniciação esportiva, inclusão, lazer e participação.

Críticos, no entanto, alegam que o plano deveria ter ficado pronto com antecedência para evitar o longo período de inatividade desde o fim dos Jogos Rio 2016.

"Seis meses depois, uma coisa que já começou a estar detonada, é lógico que ninguém quer pegar. O sentimento é duro, porque é um sentimento de brasileiro, de atleta, de bobo", afirmou o ex-tenista Meligeni.

Questionado pela Reuters sobre o legado do Parque Olímpico, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes, que tocou todo o projeto olímpico da cidade, disse que a administração do local está com o Ministério do Esporte e citou a realização do jogo de vôlei de praia como exemplo de utilização.

"Há de se levar em consideração que os caminhos estão dados, mas não se desmontam estruturas que levaram anos para ser levantadas em poucos meses", disse o prefeito em uma nota. "As condições estão dadas para que possamos ter o melhor legado dos equipamentos. Contratos e convênios estão fechados."

O acordo do ministério com o COB ainda é preliminar e não tem definições concretas sobre o plano efetivo de uso do Parque Olímpico, de acordo com uma fonte com conhecimento do assunto, que falou sob condição de anonimato.

Umas das questões pendentes é financeira, de acordo com a fonte. "Nesse momento ninguém tem dinheiro sobrando", afirmou.

O Ministério do Esporte informou, por meio da assessoria de imprensa, que já está realizando a transformação para o modo legado das arenas sob sua responsabilidade no Parque Olímpico.

"O Ministério do Esporte está cumprindo o que foi compromissado por meio do projeto de legado entregue em 2016", disse a pasta em nota.

"Vale destacar que sair do modo Jogos e iniciar o modo legado é algo que costuma demorar mais de um ano, como tem ocorrido nas cidades-sedes de Jogos Olímpicos. Neste sentido, o Brasil deve se destacar, oferecendo conteúdo esportivo a menos de um ano do fim dos Jogos."

E a diversão agora?

Um dos mais propagados legados da Olimpíada seria a transformação do Parque Radical de Deodoro, que recebeu provas de mountain bike e canoagem, em uma área de lazer para os moradores da zona oeste da cidade, uma das mais pobres e violentas do Rio.

Apesar do calor intenso do verão carioca, o local, que conta com um enorme espelho d'água e áreas verdes, está fechado desde o fim dos Jogos, gerando grande frustração para moradores que esperavam desfrutar do parque durante as férias escolares.

"O verão todo, as férias todas das crianças, ficou fechado. O pessoal está dizendo que está tudo largado", disse Alex da Silva Ferreira, mecânico de refrigeração, de 30 anos, passando em frente ao local acompanhado do filho Richard, de 7 anos.

"Depois da Olimpíada a gente esperava que ficasse para a população."

A administração do Parque Radical cabe à prefeitura, que alega ainda não ter aberto o local ao público devido a questões de segurança para a operação.

Uma placa atrás dos portões fechados informa que o parque estaria fechado para manutenção, com reabertura em janeiro, o que não aconteceu.

"Está fechado porque existe um risco na utilização. É um parque aquático com 31 milhões de litros d'água, não é uma piscina... Toda a manutenção não é barata, todo o maquinário é de um manuseio complexo, então, como custou muito caro, existe essa preocupação para que o manuseio seja compatível com a qualidade daquele equipamento", disse a subsecretária de Esportes.

Enquanto isso, a população da região lamenta estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe de um refresco para o calor acima dos 40 graus.

"Fechou e qual é a nossa diversão agora? Porque na verdade somos de baixa renda, eu tenho muitas netas, é um custo muito grande sair com todas as minhas netas", disse a dona de casa Rita de Cássia Pessoa dos Santos, moradora de uma comunidade vizinha ao parque há 18 anos.

"Já que a gente não tem um hospital, uma educação, uma alimentação boa, pelo menos a gente poderia ter um lazer, né?"

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