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Esporte precisa prestar contas à sociedade, diz professora da USP

Katia Rubio, professora especialista no estudo de instituições esportivas, explica por que a estrutura do esporte brasileiro favorece a corrupção

Katia Rubio: "Federações esportivas reproduzem a corrupção das outras esferas, com o agravante de serem ainda menos democráticas e mais desconectadas da sociedade" (Acervo Pessoal/Reprodução)
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Carolina Riveira

Publicado em 11 de setembro de 2017 às 18h35.

Última atualização em 2 de maio de 2022 às 10h42.

As instituições esportivas brasileiras estão novamente nos holofotes da corrupção mundial: o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman é acusado de ter intermediado a compra de votos para que o Rio de Janeiro fosse escolhido cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Segundo o Ministério Público Federal do Rio de Janeiro, que chefiou a investigação, também participaram do esquema o empresário Arthur César de Menezes Soares Filho, conhecido como “rei Arthur” e ligado ao ex-governador do Rio, Sérgio Cabral.

O esquema incluiu o pagamento de 2 milhões de dólares em propina a um dirigente senegalês para comprar votos para o Rio. Não é a primeira vez que o esporte brasileiro ganha as manchetes por motivos não-esportivos: os últimos três presidentes da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) são investigados por esquemas de corrupção a nível mundial, enquanto dirigentes das confederações de vôlei e de natação também se envolveram em denúncias de corrupção nos últimos anos – e a lista segue.

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Mas por que a corrupção está tão presente também no esporte? Para Katia Rubio, coordenadora do Grupo de Estudos Olímpicos na USP e especialista no estudo de instituições esportivas, as federações reproduzem a corrupção das outras esferas da sociedade, e têm o agravante de serem ainda menos democráticas e mais desconectadas da sociedade. “O esporte é muito mais do que entretenimento e competição”, diz. “Quando você tem dirigentes que se perpetuam no poder por décadas, é óbvio que o sistema fica viciado”. Em entrevista a EXAME, ela comentou as denúncias envolvendo a organização do Rio e as mudanças que seriam necessárias para transformar a gestão esportiva no Brasil.

O presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, foi acusado pela Justiça de ter comprado votos para escolha do Rio como cidade-sede. Nos últimos anos, já tivemos outros casos de corrupção por parte de dirigentes, como na Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Por que as instituições esportivas brasileiras estão sempre envoltas em escândalos?

O esporte é uma reprodução do resto das instituições da sociedade. Como a gente tem um padrão de sociedade corrupta, o esporte vai reproduzir esse modelo. No esporte, temos como agravante que instituições esportivas não respondem a outras instâncias da sociedade. Elas só passam a responder um pouco no momento em que o dinheiro público entra no esporte, como foi com as Olimpíadas, mas ainda não é o controle que deveria existir. E também tem um problema de estrutura, que não é de hoje: a estrutura das organizações no esporte é autocrática, aristocrática e não tem parâmetro democrático. O esporte é muito mais do que entretenimento e competição. Envolve inúmeros fatores que precisam ser considerados.

O que precisamos mudar na estrutura das organizações esportivas para evitar novos casos como esses?

O modelo ideal seria ter rodízio no poder, para que não houvesse uma perpetuação como temos hoje. Precisamos de estatutos que não permitam inúmeras reeleições. Quando há dirigentes que se perpetuam no poder por décadas, é óbvio que o sistema fica viciado. Também precisamos ter uma legislação que obrigue a prestação de contas públicas efetivas.

Podemos aprender com experiências de modelos no exterior?

As mudanças no esporte acompanham a sociedade onde se desenvolvem. O modelo cubano é bom para Cuba, o inglês é bom para a Inglaterra. Não conseguimos comparar porque os países e as instituições são diferentes. Não podemos chegar aqui e dizer, por exemplo, que temos que imitar o sistema esportivo dos Estados Unidos, onde a escola é a base — não vai funcionar no Brasil. O sistema norueguês é perfeito, mas perfeito para a Noruega. Quando você traz para um país de dimensão continental como é o Brasil, tudo fica mais difícil de ser controlado. O que precisamos é de uma cultura que não favoreça a corrupção.

Os casos policiais e os problemas das instituições são motivos pelos quais o esporte brasileiro não consegue se desenvolver?

Todo o sistema esportivo sofre. Como está hoje, os próprios atletas estão órfãos de instituições. Quando o seu dirigente máximo é punido e proibido de sair do país, não pode acompanhar competições, é como se o atleta ficasse sozinho. Isso prejudica os resultados, é uma reação em cadeia. O dirigente corrupto não se preocupa com o sucesso de esporte, só com ele mesmo. Mas também não adianta por toda a culpa pelos resultados no Nuzman. Houve erros na preparação esportiva no Rio? Sim, mas há erros no projeto esportivo brasileiro desde sempre. O Nuzman precisa ser responsabilizado pelo que fez de errado em relação à gestão do dinheiro público, das obras relacionadas aos Jogos. Mas nem tudo compete só ao COB: a organização do esporte no Brasil como um todo não é de responsabilidade do COB. Também temos que cobrar do Ministério da Educação, do Esporte.

Na busca por mais transparência, existe alguma mudança positiva nas instituições esportivas brasileiras nos últimos anos? Algum caso que possamos ver como bem-sucedido?

Surgiram alguns movimentos por parte de atletas que buscam uma organização de forma associativa para responder a essas questões e fazer valer sua influência no âmbito esportivo. Atletas de futebol e olímpicos que estão tentando mostrar essa capacidade de organização. Mas ainda é preciso muito mais. Nos casos de corrupção na Confederação de Desportos Aquáticos (CBDA), por exemplo, os atletas se uniram e se posicionaram publicamente, pedindo um processo mais limpo, e isso é muito positivo. Teve uma importância enorme. Mas esses movimentos nunca são bem vistos porque vão justamente na direção oposta do sistema corrupto que existe. Demanda tempo. Quando se tentou passar no Congresso a lei que exige maior transparência das instituições [lei 12.868, aprovada em 2013, que proíbe mais de uma reeleição e exige maior democratização e transparência], houve um lobby fortíssimo para que isso não fosse aprovado.

Tanto o Nuzman, presidente do COI, quanto os três últimos presidentes da CBF estão sendo investigados. O fato de estarmos tendo mais processos judiciais contra esses dirigentes é uma prova de que as coisas já estão mudando?

Todo esse alvoroço criado por conta desses últimos dirigentes talvez gere alguma mudança. Mas é só um talvez. Os dirigentes estão sendo punidos porque se envolveram em fatos que extrapolam as fronteiras brasileiras. A Justiça internacional acabou mobilizando a polícia no Brasil. Mas enquanto o próprio sistema brasileiro não for capaz de entender um delito como passível de investigação e punição, não vamos sair desse buraco. Mas como tudo no movimento olímpico, as coisas se desdobram em nível internacional, nacional e depois regional. O que eu espero é que isso [as investigações] chegue nas confederações. O dia em que for feito uma devassa nas confederações regionais, o sistema brasileiro vai finalmente começar a ser como deve ser.

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