Justiça decreta prisão preventiva do médium João de Deus
Decisão de prender o médium acusado de abusar sexualmente de mais de 300 mulheres se deu dois dias após Ministério Público entrar com pedido na justiça
Clara Cerioni
Publicado em 14 de dezembro de 2018 às 13h21.
Última atualização em 14 de dezembro de 2018 às 13h50.
São Paulo —A Justiçade Goiás decretou, nesta sexta-feira (14), a prisão preventivadeJoãoTeixeiradeFaria, conhecido como João de De us . Ele é acusadodeabuso sexual por mulheres que buscaram atendimento espiritual.
Relatos reunidos até o momento indicam que,depois das sessões, o médium supostamente oferecia para as vítimas atendimento particular, momento em que os abusos seriam cometidos.
Para o Ministério Público, a semelhança nosdepoimentos reforçam as suspeitas contra o médium.De segunda a quinta-feira, 330denúncias foram coletadas pelo órgão.
O pedidodeprisão havia sido protocolado no fim da tar dede quarta-feira (12) no FórumdeAbadiânia, município goiano ondeo líder espiritual mantém a Casa Dom InáciodeLoyola, local em que faz os "atendimentos espirituais".
O MP fundamentou o pedidodeprisão preventiva com dois argumentos. Para a Promotoria, em liberdade,JoãodeDeus poderia coagir as testemunhas e, caso mantivesse os atendimentos, fazer novas vítimas.
Após o pedido do MP, a justiça do estado analisou o caso e determinou sua prisão.
Defesa
Classificando o pedido comodescabido na quinta-feira (13), o advogadodedefesadeJoãodeDeus, Alberto Zacharias Toron, em audiência com o juiz que acompanha o caso, solicitou que o médium permanecesse em liberdade.
Sugeriu ainda que os atendimentos pudessem ser feitosdeforma assistida — com a presençadepoliciais ou monitorado por câmeras.
Toron argumentou queJoãodeDeus tem residência fixa e já se mostrou disposto a colaborar com a Justiça. Na quarta-feira (12), num rápido aparecimento que fez na Casa Dom InáciodeLoyola, o líder espiritual disse ser inocente e que estava nas mãos da Justiça. "JoãodeDeus está vivo", disse ele, para um público reduzidodefiéis.
Denúncias
Na semana passada, o Programa do Bial trouxe à tona o depoimento de dez mulheres que afirmam terem sido vítimas de João de Deus. Com a repercussão do caso, outras também revelaram abuso do médium.
Até o momento, foram recebidas 330 denúncias em 11 Estados — 18 em São Paulo, já enviadas em vídeo para Goiás.
Há denúncias relativas a supostos abusos ocorridos desde 1980 até outubro deste ano. Em um desses, uma mulher disse ter procurado a casa depois de passar por tratamento de câncer de mama.
Lá, se submeteu a uma cirurgia espiritual e foi orientada a voltar. No encontro, recebeu um pedido de João Deus. "O que eu fizer aqui dentro, você não vai falar para ninguém", disse a ela.
"Você levante que eu vou te curar. E você vai ter de se entregar. Aí ele pediu para eu ficar de costas e nisso ele começou a passar a mão no meu corpo. Eu comecei a chorar e ficar desesperada. Se eu gritar, pensei, tem milhares de pessoas aí fora que endeusam ele, chamam de João de Deus", acrescentou.
Ela só se sentiu encorajada a denunciar nesta semana. Como foi o caso de outra vítima, que diz ter sido abusada por João de Deus quando estava grávida, há 12 anos. "Na hora você não tem força, você não tem autoridade diante de uma pessoa enviada com uma missão divina."
Consequências
Desdeas primeirasdenúncias, o movimento na Casa Dom InáciodeLoyola caiu. Pelos cálculosdefuncionários, o local recebeu nesta quinta-feira cercadeum terço do número costumeirodevisitantes. A estimativa édeque o médium atraia mensalmente cercade10 mil pessoas, das quais 40% são estrangeiras.
A cidadeaguarda dividida osdesdobramentos. Com 17 mil habitantes, boa parte da economia do município gira em torno das atividadesdeJoãodeDeus.
O prefeito da cidade, José Aparecido Alves Diniz, calcula que a casa gere direta ou indiretamente 1.300 postosdetrabalho. "Não há como negar que vai ser um baque para o município", disse.
Fiéis, por sua vez, estão divididos. Apegados à fé, muitos afirmam ser necessária a distinção entre o que faz o homem e a entidade. Outros não acreditam nasdenúncias.
"Mas é claro que as investigações têmdeser feitas. Nãodevemos julgar apressadamente nem contra ou a favor", disse a paulista Elizabeth Cozza. Mesmo diante dasdenúncias, eladecidiu vir para Abadiânia em buscadetratamento.
Em entrevista, Luciano Miranda Meireles, coordenador do CentrodeApoio Operacional Criminal, disse estar impressionado com o relato das vítimas e afirmou não ter dúvidadeque, uma vez formalizadas asdenúncias, o casoJoãodeDeus tem potencial para superar o do ex-médico Roger Abdelmassih, condenado por abusar sexualmentedesuas pacientes.
Meireles ponderou que o númerodecasos é maior — pois não se restringe a uma pequena parceladepacientes."Fora o tempo. Há relatosdeabusos cometidos há 20 anos."