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Justiça da paz: como esse modelo é usado no Brasil?

Já utilizado em países como Canadá e Nova Zelândia o modelo da Justiça Restaurativa preconiza o encontro da vítima com o réu para a solução coletiva de um conflito


	A estátua da Justiça contra a luz do sol, próxima ao STF: o que se tem praticado nos últimos séculos é a justiça da punição
 (Jose Cruz/ABr)

A estátua da Justiça contra a luz do sol, próxima ao STF: o que se tem praticado nos últimos séculos é a justiça da punição (Jose Cruz/ABr)

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Da Redação

Publicado em 13 de setembro de 2012 às 16h01.

São Paulo - Três garotos estavam frustrados porque o jornal feito pelos alunos da escola tinha sido cancelado. Revoltados com a decisão, eles resolveram chamar a atenção da diretora do colégio de uma maneira inconsequente. Durante o período de aulas jogaram bombinhas na secretaria, mas os artefatos acabaram atingindo alunas, que tiveram ferimentos nas pernas. A brincadeira de péssimo gosto quase acabou na expulsão dos menores, não tivesse sido usado o método da Justiça Restaurativa para resolver o problema. Reunidos em círculo, representantes da direção, educadores, pais dos envolvidos, vítimas e réus conversaram. O mediador, um juiz, ouviu todos os lados. Os garotos puderam expor a insatisfação que provocou o ato inconsequente e as vítimas conseguiram enxergar e entender a situação. Os meninos não deixaram de ser punidos, entretanto. Participaram de um trabalho no corpo de bombeiros da comunidade. E o jornal, meio de comunicação importante entre alunos e escola, foi retomado.

O caso acima ocorreu em um colégio público localizado no bairro de Paraisópolis, nascido de uma favela, na região sul de São Paulo. Todo esse esforço de reconciliação foi feito graças ao trabalho pioneiro de se implantar no país o uso da Justiça Restaurativa. Foi em 2005, durante o I Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa, que a metodologia tornou-se oficial no país. Um dos principais defensores da prática por aqui é Egberto Penido, juiz de direito da Vara Especial da Infância e Juventude de São Paulo e coordenador do Centro de Estudos de Justiça Restaurativa da Escola Paulista da Magistratura. "A diferença de resultados é brutal quando há a resolução de um problema na vara de infância e quando o mesmo ocorre no círculo restaurativo", afirma Penido. O juiz foi o palestrante na noite de terça-feira, 11/09, no 99º Fórum do Comitê da Cultura da Paz, uma parceria entre a UNESCO e a organização Palas Athena*. O encontro teve como tema Justiça Restaurativa - Justiça como Valor no Brasil.

Para Penido, o que se tem praticado nos últimos séculos é a justiça da punição, a qual simplesmente imputa uma culpa ao réu sem tentar transformá-lo e menos ainda tentar realmente resolver o conflito. A luta por uma sociedade justa não pode ser conduzida por meios injustos. "Colocar a culpa no outro é um dos mecanismos mais fortes da violência", diz. "Infelizmente não aprendemos a lidar com a violência sem sermos violentos". Esse seria um hábito difícil de ser mudado e as questões só serão realmente resolvidas quando houver uma solução satisfatória para todos.


Chamada por alguns de utópica, a justiça restaurativa já é uma realidade. E não busca o perdão das vítimas, como tem sido erroneamente descrita em certas ocasiões. "Pode acontecer de a vítima acabar perdoando o infrator, mas nem sempre acontece isso. E não é nosso objetivo principal", esclarece o juiz. O que essa nova forma de justiça busca é rearranjar as relações através do esclarecimento e não, por mais irônico que pareça, do julgamento. "Todas as partes afetadas e interessadas em um conflito se reúnem para solucionar coletivamente como lidar com o resultado da situação".

A experiência profissional de Egberto Penido revela que o atual sistema judiciário, extremamente complexo e custoso para o Estado, acaba não gerando uma real responsabilidade ao réu, que nunca percebe os verdadeiros danos que causou à vítima. "É um momento muito forte e pesado para quem causou uma dor se defrontar no círculo restaurativo com a pessoa que teve a vida mudada por aquele ato", diz. Um dos casos citados durante o fórum foi de um segurança que ficou paraplégico no Rio Grande do Sul depois de ser atingido pelo tiro disparado por um jovem durante uma briga num bar. Dois anos depois, o segurança concordou em encontrar o agressor pessoalmente num círculo restaurativo. Nessa reunião, a família do rapaz que cometeu o crime reviu as consequências do episódio e ainda ficou consciente das dificuldades financeiras enfrentadas pelo segurança e todos à sua volta depois do acidente. Além da pena imputada ao réu, a família se comprometeu a pagar uma pensão à família da vítima.

Na prática, a justiça restaurativa não exclui o sistema tradicional. Os dois processos podem acontecer simultaneamente. Questionado se essa nova metodologia seria apropriada somente para casos menores, Penido disse que não. Falou-se então se o processo poderia ser utilizado pela Comissão da Verdade, criada recentemente pelo governo federal para rever os casos de tortura e desaparecimentos durante o período da ditadura no Brasil. "Acho que seria uma ótima oportunidade. Uma das vertentes mais fortes da justiça restaurativa vem justamente da África do Sul, logo após o término do apartheid".

As pessoas e mediadores envolvidos nos círculos restaurativos precisam ser treinados e aprender as técnicas corretas de questionamento e conciliação. Entretanto, o maior desafio atual é fazer a justiça restaurativa em larga escala no Brasil. Um dos principais agentes dessa mudança pode ser justamente o setor educacional. "O sistema de ensino não pode se preocupar apenas com a transmissão dos saberes, mas com a formação de uma maneira de ser", afirma Egberto Penido. Segundo ele, a justiça não é responsabilidade somente do sistema judiciário, mas também de outros setores da sociedade, como a saúde, cultura, polícia e educação. "A dinâmica vigente da punição retira o poder que as pessoas têm de transformar o conflito e aprender com ele".

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