Brasil

Herdeira do Itaú diz que mercado é contra Dilma

A improvável amizade entre a seringueira Marina Silva e a multimilionária Maria Alice Setubal é agora um ponto de ataque de Dilma


	Maria Alice Setúbal: “o mercado está apostando que Marina, que tem convicções sérias, terá um melhor planejamento", defendeu
 (EXAME/Arquivo)

Maria Alice Setúbal: “o mercado está apostando que Marina, que tem convicções sérias, terá um melhor planejamento", defendeu (EXAME/Arquivo)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de setembro de 2014 às 15h05.

São Paulo - Uma é herdeira de uma fortuna bancária no Brasil. Estudou inglês e francês enquanto esquiava na Suíça.

A outra passou parte da infância cortando seringueiras na Amazônia e retirando o látex para ajudar a pagar as dívidas do pai. Sobreviveu a malária, hepatite e intoxicação por mercúrio.

Hoje Maria Alice Setubal, a multimilionária de 63 anos cujo pai comandou o antecessor ao Itaú Unibanco Holding SA, é uma grande amiga e conselheira de campanha de Marina Silva, a ex-empregada doméstica que as pesquisas mostram ter a melhor chance de derrotar Dilma Rousseff na eleição presidencial de outubro.

A improvável amizade é agora um ponto de ataque de Dilma, que disse em campanha na TV que Marina é “sustentada pelos banqueiros” e pretende entregar a eles o controle da economia.

Maria Alice Setubal, a Neca, nega que ela ou sua família tenham qualquer papel na formulação da política econômica para Marina Silva, de 56 anos de idade, que disse que os bancos “nunca ganharam tanto” quanto nos quatro anos de mandato de Dilma.

“O mercado é contra Dilma”, disse Neca em entrevista na semana passada na sede de campanha de Marina em São Paulo. “O mercado está apostando que Marina, que tem convicções sérias, terá um melhor planejamento, mais transparência e responsabilidade fiscal”, os quais Neca classifica como fundamentais para ajudar a reduzir a desigualdade social.

Alguns investidores já estão contando com isso. O Ibovespa saltou 6,5 por cento e o real foi a moeda com o melhor desempenho entre as principais nas três semanas após Marina anunciar sua candidatura, no dia 16 de agosto, e as pesquisas a mostrarem na liderança. Grande parte desses ganhos evaporou na semana passada após novas pesquisas mostrarem Dilma reduzindo a diferença.

Políticas ‘pró-mercado’

As posições políticas de Marina, um plano que o Citigroup Inc. chamou de “expressamente pró-mercado”, ajudam a explicar o entusiasmo. Ela promete reduzir a inflação pela metade, privatizar a infraestrutura e garantir a independência do Banco Central.

Ela também promete reduzir os depósitos compulsórios dos bancos, eliminar o Imposto sobre Operações Financeiras nos empréstimos internos e eliminar progressivamente as exigências de que os bancos destinem crédito para áreas específicas.

Dilma, ao contrário, ganhou a ira de alguns interesses empresariais por intervir nos preços da eletricidade e impor limites aos preços dos combustíveis, o que enervou investidores da Petrobras.

O time da campanha de Dilma não quis comentar as percepções do mercado a respeito de sua presidência ou a relação entre Maria Alice Setubal e Marina Silva.

Queda de avião

Marina, que anunciou que concorreria pelo Partido Socialista Brasileiro no mês passado depois que o candidato do partido, Eduardo Campos, morreu na queda de um avião, não respondeu a pedidos de comentário.

A amizade começou em 2008, quando Neca assistiu a uma palestra que Marina deu a líderes empresariais como ministra do Meio Ambiente do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “O que me chamou a atenção foi a força, o carisma dela”, disse Neca, única mulher entre sete irmãos. “Ela começou a falar mansinho e de repente o auditório inteiro ficou ligado no que ela estava falando”.

Neca estudou em uma escola de freiras, onde foi exposta à Teologia da Libertação, um movimento da Igreja Católica que buscava mudanças políticas e sociais. O Vaticano depois repreendeu os seguidores desse movimento, pois ele emprestava muito de seus ideais do pensamento marxista.

Marina foi influenciada pela mesma ideologia quando estudava para se tornar freira em seu Estado natal, o Acre, uma das regiões mais pobres do Brasil. Hoje, Marina é cristã evangélica e Neca continua sendo católica.

Apelido

A dupla gosta de discutir as ideias da teórica política alemã-americana Hannah Arendt sobre educação, democracia direta, pluralismo e os textos do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, disse Neca.

“Como Lula, Marina é uma pessoa do povo, mas ela seguiu um caminho diferente”, disse Maria Alice Setubal, cujo apelido de família, “Neca”, deriva da palavra boneca. “Ela escolheu a educação, sempre valorizou a educação, obteve um mestrado, enquanto Lula escolheu ser sindicalista”.

A relação das duas não se estende a assuntos que envolvem as finanças do país, segundo Neca, que nunca teve um papel de gestão ou de planejamento no Itaú, o maior banco da América Latina em valor de mercado, com sede em São Paulo.

“Eu não respondo a perguntas sobre economia”, disse Neca, que supervisionou a publicação do plano de governo de Marina, de 260 páginas, juntamente com o ex-deputado Maurício Rands. “Não é a minha área. Eu nem gosto de falar sobre isso”, disse ela, acrescentando que seu irmão, o CEO do Itaú, Roberto Setubal, não está envolvido na campanha de Marina.

Um porta-voz do Itaú preferiu não comentar.

Patrimônio líquido

“Ela trilhou seu próprio caminho”, disse Oded Grajew, fundador da fabricante de brinquedos Grow e amigo de Neca desde os anos 1980.

O pai de Neca, que morreu em 2008, foi ex-presidente do conselho da Itaúsa – Investimentos Itau SA, holding com uma fatia de controle no Itaú. Olavo Setubal era membro da Arena, enquanto Neca era do MDB. Em vez de trabalhar no banco, ela tem doutorado em psicologia da educação pela PUC de São Paulo.

Neca, que estudou sociologia e ciência política na USP, foi em 1975 à missa funeral do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pelos militares. Atraindo milhares de pessoas em São Paulo, a missa foi o primeiro grande protesto contra um regime que colocou o pai de Neca no Conselho Monetário Nacional e na prefeitura de São Paulo.

Neca tem uma fortuna líquida de cerca de R$ 1 bilhão (US$ 428 milhões), com base em sua participação na Itausa e em dividendos, segundo dados compilados pela Bloomberg. Ela preferiu não comentar a respeito de sua riqueza, embora tenha dito que deu uma parte considerável dela ao longo dos anos para seus três filhos, para seus sobrinhos e para 16 instituições que ela apoia.

A participação da família Setubal na Itausa está avaliada em mais de US$ 3,3 bilhões, segundo o índice Bloomberg Billionaires. Em comparação, Marina reportou ao Tribunal Superior Eleitoral R$ 135.402 em ativos. Sua empresa, a M.O.M. da SV de Lima, gerou R$ 1,6 milhão em receita desde 2011 com palestras, segundo um comunicado de sua campanha.

Diferença de riqueza

A disparidade entre as riquezas das duas mulheres é tão gritante quanto a do país como um todo. O Brasil tem a 16ª pior desigualdade de renda do mundo, medida pelo índice Gini, segundo a CIA. O país tem um coeficiente de 51,9 em uma escala de 1 a 100, na qual o zero representa uma distribuição de renda igualitária e 100 é, teoricamente, uma desigualdade completa.

“Não será um governo do mercado”, disse Neca. “Será um governo que atenderá às visões do mercado, um governo comprometido com o planejamento e a responsabilidade fiscal. Nós acreditamos que isso é fundamental para enfrentar a desigualdade social”.

Neca disse que no ano passado doou R$ 1 milhão ao Instituto Marina Silva, sua organização sem fins lucrativos. Neste ano ela doou R$ 200.000 para a campanha presidencial do PSB e mais R$ 1,4 milhão para os candidatos do partido a cargos parlamentares e de governo. O montante contrasta com os R$ 633.500 que ela deu a Marina e a dois de seus candidatos parlamentares do Partido Verde em 2010, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

O Itaú contribuiu com R$ 2 milhões para cada um dos três principais candidatos presidenciais neste ano, segundo uma fonte com conhecimento dos gastos.

Dilma recebeu R$ 9,5 milhões em doações de bancos em sua campanha, o dobro do montante que Marina obteve até o fim de agosto, segundo o Tribunal Superior Eleitoral.

``Eu quero lutar contra a visão divisionista que diz que nós temos que combater as elites no Brasil,” disse Marina em um debate na TV. “Eu quero governar um Brasil unido e não dividir o Brasil”, disse Marina. "Nós temos pessoas honestas e competentes em todas as esferas da vida".

Acompanhe tudo sobre:BancosCelebridadesEleiçõesEleições 2014EmpresasEmpresas abertasEmpresas brasileirasItaúItaúsaMarina SilvaPersonalidadesPolítica no BrasilPolíticosPolíticos brasileiros

Mais de Brasil

BNDES divulga edital de concurso com salário inicial de R$ 20.900; veja detalhes

Pré-candidatos tentam evitar 'palavras-mágicas' para não serem punidos por campanha antecipada

Após prestigiar Boulos, Lula só deve participar de mais uma convenção de candidatos; saiba qual

No Brasil para o G20, secretária do Tesouro dos EUA discutirá economia e geopolítica

Mais na Exame