Segundo autoridades, o navio teria cerca de 9,6 toneladas de amianto, substância cancerígena, a bordo (US Navy/Divulgação)
Agência O Globo
Publicado em 1 de setembro de 2022 às 16h02.
Depois da negativa do governo turco, agora as autoridades britânicas proibiram o porta-aviões São Paulo de entrar em seus territórios, no caso em Gibraltar. Nesta quinta, a imprensa internacional noticiou a preocupação do governo da Grã Bretanha com a quantidade de amianto que existe a bordo, o que já havia motivado o recuo da Turquia.
A não ser que exista uma autorização para esse transporte junto à autoridade portuária, o navio não poderá entrar no estreito de Gibraltar, comunicou o governo. Na última sexta, o Ibama suspendeu a autorização brasileira que existia para a exportação.
Segundo os monitoramentos online, o porta-aviões está atualmente próximo de Casablanca, na costa do Marrocos, a caminho do estreito de Gibraltar, na entrada do Mar Mediterrâneo. A velocidade da viagem, que está sendo feita por uma rebocadora holandesa, já foi diminuída, mas o navio ainda não mudou de rota.
O navio foi comprado ano passado, por R$10,5 milhões, pelo estaleiro turco Sok, e deixou o Brasil há cerca de um mês.
Segundo o jornal GBC, de Gibraltar, ONGs brasileiras entraram em contato com a organização americana Environmental Safety Group, de defesa do meio ambiente, que foi a responsável por alertar as autoridades britânicas sobre o problema com o amianto. De acordo com informações do inventário feito no porta-aviões, haveria 9,6 toneladas da substância cancerígena a bordo, mas ativistas e fontes dizem que a quantidade pode ser significativamente maior.
Na última sexta, 26, após o governo turco comunicar a proibição de entrada do porta-aviões, o Ibama suspendeu a autorização para exportação. Um ofício da Diretoria de Qualidade Ambiental do Ibama, ao qual O GLOBO teve acesso, determinou que o navio volte ao país, sob risco de se ficar caracterizado "tráfico ilegal".
Depois da suspensão do Ibama, advogados da Comarck, empresa brasileira que foi inicialmente contratada pra auxiliar na exportação mas que entrou em litígio com a Sok, entraram em contato com as autoridades de Gibraltar para que a ordem de retorno fosse cumprida. No ofício, o Ibama se dirigiu à Ocean Prime, empresa que sucedeu a Comarck na parceria com os turcos. Procurada, a Ocean Prime disse que repassou às informações da decisão à Sok.
Uma liminar judicial, que originalmente determinava que o porta-aviões voltasse para a Baía de Guanabara, foi revogada após a União e a Marinha alegarem que, em águas internacionais, não haveria mais medidas possíveis a serem tomadas.
Desde que foi anunciada a viagem do porta-aviões até a Turquia, grupos ativistas começaram protestos contra a chegada da embarcação. O maior temor dos turcos é em relação à quantidade de amianto contida no navio, que seria de 9,6 toneladas segundo inventários produzidos, cujos números não são precisos, de acordo com especialistas e fontes que acompanham o imbróglio. A substância é altamente cancerígena, e foi banida em grande parte do planeta.
Segundo o ministro Murat Kurum, o comunicado que proibiu a importação foi um ato de precaução, porque o governo brasileiro não enviou um relatório, exigido no último dia 9 de agosto, com um inventário de materiais perigosos contidos na embarcação. No texto, o ministro ressalta que, em 30 de maio deste ano, foi dada uma aprovação condicional à entrada do porta-aviões no país para posterior desmantelamento, desde que fosse apresentado um inventário detalhado com vistoria sobre as substâncias contidas nele, o que segundo ele não foi feito ou entregue.
A reconstituição da saga do navio, comprado da França pelo Brasil nos anos 2000 e que teria navegado só 206 dias no Brasil, mostra como o porta-aviões se tornou tecnologicamente defasado e com potencial poluente. Vendido como sucata, poderá render em torno de R$ 100,4 milhões, quase dez vezes mais do que ao valor de venda. A Marinha cogitou outro destino para o São Paulo. Em 2019, após desistir de um projeto de modernização que custaria R$1 bilhão, procurou especialistas para traçar alternativas de descarte ou reutilização para o porta-aviões São Paulo, na época recém-desativado.
Especialista em transporte marítimo, logística e construção naval, o engenheiro Jean Caprace, da Politécnica-UFRJ, sugeriu um modelo matemático para indicar o melhor custo-benefício entre as possibilidades de desmonte. A ideia não foi acatada.
— O que mais me surpreende é o interesse de uma empresa estrangeira. Devem ter feito muitos cálculos, mas é um negócio de alto risco, inclusive o de ter mais amianto a bordo que o declarado. Há compartimentos totalmente inacessíveis, que só serão descobertos quando abrirem — avisa Caprace.
Quando ainda era da França, o porta-aviões esteve em frentes de batalha na África, no Oriente Médio e na Europa. Com 266 metros de comprimento e 32,8 mil toneladas, a embarcação, explica Caprace, exige cálculos muito precisos e complexos para determinação de valores de venda. Pelo contrato firmado com a França, o São Paulo precisaria ser esvaziado para ser revendido. Os gastos para transportar a embarcação, que, desativada, passa a ser oficialmente “casco de navio”, atingem a casa dos milhões de dólares.
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