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Geddel, o homem de R$ 51 mi, vai voltar para a prisão?

Apesar da fortuna encontrada em seu apartamento, Geddel continua em prisão domiciliar salvo um novo inquérito seja aberto

Geddel: braço-direito de Michel Temer protagoniza a maior apreensão de dinheiro vivo da história (Ueslei Marcelino/Reuters)

Geddel: braço-direito de Michel Temer protagoniza a maior apreensão de dinheiro vivo da história (Ueslei Marcelino/Reuters)

Raphael Martins

Raphael Martins

Publicado em 6 de setembro de 2017 às 18h44.

Última atualização em 8 de setembro de 2017 às 08h03.

São Paulo – A venda de Neymar do Barcelona para o Paris Saint-Germain criou uma mania na internet: transformar os mais diversos valores em “salários de Neymar”. É algo da ordem de 9,5 milhões por mês. No Brasil, o mesmo exercício passou nesta quarta-feira a ser feito com valores de corrupção. A nova moeda é o índice Geddel Vieira Lima, equivalente a 51 milhões de reais. Na cotação atual, um “Geddel” vale 5 “salários do Neymar”. O índice Geddel surgiu por acaso, e seus desdobramentos revelam que as investigações de corrupção têm um longo caminho à frente.

Nunca antes na história deste país tanto dinheiro em espécie foi encontrado e apreendido pela Polícia Federal quanto nesta terça-feira. O apartamento 201 do número 306 da Rua Barão de Loreto, bairro da Graça, em Salvador, guardava 42.643.500 de reais e 2.688.000 de dólares, em cash. Foram necessárias sete máquinas e 14 horas de trabalho para fazer a contagem dos valores encontrados no “bunker de Geddel”.

O local pertence, no papel, ao empresário Silvio Silveira, amigo de Geddel, que teria cedido o imóvel para que o peemedebista guardasse documentos de seu falecido pai, Afrísio Vieira Lima. Investigadores só ficaram sabendo do esconderijo por conta de um telefonema anônimo que deu a pista de que ali poderia haver elementos interessantes contra Geddel para inquéritos contra ele na Operação Cui Bono?, que investiga corrupção na Caixa Econômica Federal. A polícia confirmou que o peemedebista fazia uso do imóvel por meio de depoimentos de vizinhos e funcionários do Edifício Residencial José da Silva Azi.

O ex-ministro da Integração Nacional de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi vice-presidente para pessoa jurídica da Caixa, onde exercia influência sobre concessões de crédito entre 2011 e 2013, por indicação do PMDB, aliado no governo Dilma Rousseff (PT). Depois, virou ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer (PMDB).  Soube-se adiante, com os áudios de Joesley Batista com o presidente, que também tratava de assuntos de interesse das empresas no governo. Caiu após tentar pressionar o ex-ministro da Cultura Marcelo Calero a liberar um empreendimento imobiliário em local tombado.

Geddel foi preso por obstrução de Justiça na Cui Bono?, por tentar coagir o doleiro Lúcio Funaro, operador do PMDB, a não firmar acordo de colaboração premiada e entregar crimes do partido. Com Funaro preso, o ex-ministro fazia pressão por meio da esposa do doleiro, Raquel Pitta. Foram entregues prints de tentativas de ligação de Geddel à Raquel na noite em que o jornal O Globo revelou que Joesley Batista pagava uma mesada a Funaro e o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para que mantivessem o silêncio. O apelido de Geddel no celular de Raquel era “Caraínho”.

Geddel recebeu, segundo as autoridades, mais de 20 milhões de reais em propina só no esquema da Caixa. Em troca empréstimos e liberação de fundos do FI-FGTS, empresas que necessitassem de crédito pagavam um pedágio. Em busca de provas, os investigadores deflagraram na terça-feira a terceira fase da Cui Bono?, chamada “Tesouro Perdido”. Os policiais não poderiam imaginar quão oportuno seria o nome escolhido.

A principal teoria é que o valor encontrado no bunker seja proveniente do esquema da Caixa, ainda que a quantia seja duas vezes maior do que a PF e o Ministério Público Federal suspeitavam que o ex-ministro havia faturado. Há muitas outras fontes possíveis, já que Geddel tem uma extensa lista de inquéritos em curso que remontam ao Transporte Moderno de Salvador (TMS) em 1987. Conhecido nas planilhas da Odebrecht por “Suíno” e “Babel”, também consta em autos relacionados a outras empresas, como a OAS, em obras na Bahia. Um delator da Odebrecht, Cláudio Melo Filho o chamou de “chorão” por receber menos do que “merecia”. Há ainda a hipótese de que o apartamento seja usado como um caixa eletrônico compartilhado, com dinheiro de mais políticos ligados a Geddel.

Prisão?

Terminado o bolão sobre quanto de fato havia nas malas de Geddel, um pergunta domina as redes sociais: o ex-ministro volta para o xilindró? Ele foi beneficiado em julho com a prisão domiciliar, mesmo com a falta de tornozeleiras eletônicas para monitoramento. A dúvida é se Geddel poderia usar o dinheiro para fugir, justificando seu retorno para a cadeia. É preciso primeiro definir onde o dinheiro do bunker entra neste longo histórico de acusações, segundo juristas consultados por EXAME. O montante pode integrar o inquérito da Cui Bono? ou originar um novo inquérito contra Geddel.

Pela lei, não é crime qualquer pessoa ter dinheiro em qualquer valor em sua casa, mas, se o valor for de fonte de renda não declarada, pode caracterizar sonegação fiscal. Se for proveniente de um delito, pode ser considerado crime de lavagem de dinheiro. “O valor não demonstra de cara qualquer justificativa razoável de fonte lícita. Então, em juízo preliminar, o dinheiro, por si só, pode justificar a abertura de um novo inquérito”, diz Gustavo Badaró, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.

Até aqui, apesar da dinheirama, não há nenhuma indicação se o Ministério Público vai apresentar uma nova denúncia, o que poderia colocar Geddel direto na prisão. Se isso não acontecer, o caminho via Cui Bono?, em que ele já era suspeito de ter desviado 20 milhões de reais. Neste caso, é preciso ser constatado que este dinheiro é um fato novo nas investigações já em curso, o que poderia mandar Geddel de volta para a prisão. Outra possibilidade seria algum indício de que o político planejasse usar o dinheiro secreto para fugir do país. Também não é o caso até o momento.

Fora isso, a indignação popular pode pesar. “O Ministério Público adquiriu um novo caráter moralizador e pode colocá-lo na cadeia para mostrar força”, diz um advogado com clientes investigados na Operação Lava-Jato. “Se eu fosse do MPF, faria um novo inquérito para prendê-lo por um novo crime, em vez de usar o dinheiro como prova de um antigo”.

Ainda antes de as autoridades encontrarem o bunker milionário, a situação de Geddel já se complicava na Justiça. Também nesta terça-feira, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, homologou a delação de Lúcio Funaro. Funaro explica em detalhes o papel de Geddel na acusação de obstrução de Justiça e afirma que fazia paradas estratégicas na Bahia durante suas viagens para entrega de propina em mãos ao ex-ministro, as revelações de Funaro.

As informações devem embasar o inquérito que investiga o “quadrilhão do PMDB”, grupo de antigos deputados do partido que vendiam influência a empresas em troca de ajustes, emendas e formulação de projetos de lei e medidas provisórias que as favorecessem.

No grupo estão nomes do mais alto escalão do atual governo Michel Temer — como Eliseu Padilha, da Casa Civil, Moreira Franco, da Secretaria-geral da Presidência — e ex-ministros presos, como o próprio Geddel e Henrique Eduardo Alves, antigo titular do Turismo.

Enquanto isso, os 42.643.500 de reais apreendidos serão depositados numa conta judicial na Caixa ou no Banco do Brasil. Os 2.688.000 de dólares ficarão armazenados pelo Banco Central.

O dinheiro pode, no futuro, até voltar para Geddel, caso ele consiga provar sua origem lícita. Pode, por exemplo, provar que vendeu 823.000 colônias da Natura para sua extensa rede de contatos.

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