Bolsa Família: o auxílio é dado a famílias com crianças de zero a 17 anos em situação de pobreza e extrema pobreza que recebem R$ 178 e R$ 89 por pessoa (Cristiano Mariz/VEJA)
Clara Cerioni
Publicado em 22 de fevereiro de 2020 às 08h30.
Última atualização em 9 de maio de 2020 às 17h49.
São Paulo — Após uma recessão brutal seguida de uma retomada tímida, é triste mas previsível que o padrão de vida do brasileiro médio tenha caído. Mas por que os mais pobres também sofreram tanto se o país já tinha uma rede de proteção com o Bolsa Família?
Um relatório recente da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que a parcela mais pobre da população sentiu a crise dobrada em relação à média geral dos brasileiros. Em 2015, auge da recessão, a queda média da renda foi de 7%, enquanto a renda dos cinco por cento mais pobres despencou 14%.
O problema deveria ter sido mitigado com o Bolsa Família, que é dado a famílias com crianças de zero a 17 anos em situação de pobreza e extrema pobreza, ou seja, com renda per capita abaixo de R$ 178 e R$ 89, respectivamente.
O valor mensal do benefício varia de R$ 41 para famílias pobres a R$ 89 para as extremamente pobres, mas nem todos que merecem estão recebendo; os relatos são de filas para acesso e queda no número de beneficiários.
Os dados do Banco Mundial mostram que o governo brasileiro foi incapaz de proteger os mais pobres: em 2018, o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza chegou a 13,5 milhões, o que representa uma alta de 4,5 milhões em relação a 2014.
É considerado em situação de extrema pobreza quem dispõe de menos de US$ 1,90 por dia, o equivalente R$ 145 por mês.
"O país entrou em uma profunda crise que afetou a quantidade e a qualidade de empregos, o que gerou desemprego e informalidade. Nesse momento, o governo deveria ter aumentado a sua rede de proteção social, com o Bolsa Família, mas o caminho foi inverso", diz Marcelo Medeiros, um dos maiores especialistas do país em desigualdade, hoje professor convidado na Universidade de Princeton.
Além de a cobertura do programa não ter sido expandida durante os anos de recessão e lenta recuperação, a renda familiar mensal per capita de R$ 178 e R$ 89 também não é atualizada há quinze anos, desde 2004. "O governo deixou as pessoas caírem para a pobreza", diz Medeiros.
Dados disponíveis no Ministério da Cidadania confirmam que não houve aumento significativo na cobertura do Bolsa Família desde o início da crise em 2014.
Além disso houve as perdas reais no valor do benefício do programa, que não foi corrigido segundo à inflação em 2015 (quando a taxa passou de 10%) e em 2017 (já com inflação menor).
Mesmo com a lenta recuperação econômica e a expansão da população pobre, no ano passado o governo desligou 900 mil famílias do Bolsa Família, segundo estimativa do FGV Social.
Mensalmente, equipes do Ministério da Cidadania estão fazendo um pente-fino para identificar beneficiários que não estão mais dentro das regras estabelecidas. Especialistas sustentam, no entanto, que como as rendas estão defasadas e o programa é eficiente e focado, isso não deveria ser prioridade.
"O custo do Bolsa Família para o Orçamento da União é de 0,4% do PIB. Só a previdência é 14%. Ou seja, economizar nesse serviço social vai permitir uma poupança pequena, que vai recair com muita força em cima dos pobres", diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social. Nesse ano, o orçamento previsto para o programa é de R$ 29,5 bilhões, valor que não difere dos anos anteriores.
A conta já chegou: dados do jornal O Estado de S.Paulo mostram que a fila de brasileiros que esperam pelo Bolsa Família chega a 3,5 milhões de pessoas, o que representa 1,5 milhão de famílias de baixa renda.
O gargalo tem provocado um princípio de colapso na rede de assistência social de municípios, sobretudo os pequenos e médios. Sem o dinheiro do programa, a população voltou a bater à porta das prefeituras em busca de cestas básicas e outros tipos de auxílio.
"Estamos de volta a um cenário onde os municípios precisam dar assistência básica, algo que imaginávamos que não iriamos ver mais", diz à EXAME o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), relator na comissão mista da medida provisória 898/19, que torna permanente o 13º do Bolsa Família.
Em nota, a Defensoria Pública da União, responsável por atender famílias que não conseguem o benefício, afirmou que enviou um ofício ao Ministério da Cidadania esta semana, solicitando informações sobre os motivos do aumento da fila dos beneficiários do Bolsa Família.
Diante da ausência de respostas ou propostas do governo federal para o problema da pobreza, deputados e senadores começaram a se mexer. O objetivo principal é garantir, ao menos, a obrigação de reajuste compatível com a inflação.
Desde o ano passado, também está em discussão na Câmara dos Deputados um pacote social que reformularia a rede de proteção com pouco impacto fiscal. A iniciativa foi do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que designou à deputada Tabata Amaral (PDT-SP) a coordenação do projeto.
Um dos pilares é colocar o Bolsa Família na Constituição Federal para evitar que o programa seja moeda de troca política. Outro estudo, também do FGV Social, mostra que os benefícios do programa são ampliados justamente em anos pares, quando ocorrem eleições municipais ou federais.
Outra discussão se dá no âmbito da já citada MP 898/19, que teve sua votação adiada pela quinta vez nesta semana por falta de entendimento sobre as modificações feitas pelo relator. Na versão original enviada pelo governo, a MP garantiu o 13º do Bolsa Família apenas em 2019.
Randolfe Rodrigues, contudo, propõe que o benefício extra vire permanente e seja estendido para o Benefício de Prestação Continuada (BPC), valor de um salário mínimo pago a idosos de baixa renda e portadores de deficiência.
O governo federal também já sinalizou que poderia anunciar mudanças no programa que incluiriam "meritocracia" e a mudança do nome. Manter o que existe funcionando bem já seria um ótimo começo.