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Ex-AGU: “Padilha blinda Temer e se acha chefe dos ministros”

Sobre cassação de Cunha, Fábio Medina Osório afirma que política é um ambiente volátil e de muitas traições


	Fábio Medina Osório: "O que me surpreendeu no governo Temer foi o método de desconstrução da honra das pessoas como forma de demissão”
 (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Fábio Medina Osório: "O que me surpreendeu no governo Temer foi o método de desconstrução da honra das pessoas como forma de demissão” (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Marcelo Ribeiro

Marcelo Ribeiro

Publicado em 14 de setembro de 2016 às 22h32.

Brasília – Uma semana após sair do governo, o ex-advogado-geral da União Fábio Medina Osório não economizou nas reclamações sobre a atuação do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que, segundo ele, não permite o fácil acesso dos demais ministros ao presidente Michel Temer (PMDB).

“Não tive acesso ao Temer por determinação do ministro Padilha. Não sei o que o motivou. Nos bastidores, ele se movimenta como chefe dos demais ministros. Essa parece ser a intenção dele”, explicou em entrevista exclusiva a EXAME.com.

As dificuldades surgiram, de acordo com o ex-AGU, a partir do momento que ele despachou questões da pasta diretamente com Temer. O chefe da Casa Civil teria reprovado e cortado imediatamente os despachos da AGU com o presidente.

Para Medina Osório, a subordinação absoluta dos ministérios ao governo é “antiquada” e pode ser vista como “uma forma de coronelismo da política brasileira”.

Sobre a cassação do ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Medina Osório afirmou que política é um ambiente volátil e de muitas traições.

O ex-AGU reclamou da postura do governo Temer no momento de sua demissão. “O que me surpreendeu no governo comandado por Padilha foi o método de desconstrução da honra das pessoas como forma de demissão”.

Confira os principais trechos da entrevista:

EXAME.com: Quais foram os reais motivos de sua demissão da AGU?

Fábio Medina Osório: Os motivos foram relacionados a um desgaste político envolvendo divergências sobre o papel da AGU na Lava Jato, especialmente quanto a possibilidade de ajuizamento de ações de improbidade administrativa na esfera cível e ressarcimento por danos ao erário.

Houve briga entre o senhor e o ministro Eliseu Padilha na quinta-feira passada? Por que?

Houve apenas uma discussão respeitosa, em que dois pontos de vista divergentes se apresentaram sobre o papel da AGU na Lava Jato.

Como recebeu as críticas de sua sucessora, Grace Mendonça, e do próprio Padilha após suas declarações de que o governo tenta abafar a Lava Jato?

Recebo com naturalidade. Fazem parte do debate público.

Afinal, quem tenta abafar a Lava Jato? O Padilha? Outros ministros? O próprio Temer?

Na AGU, tínhamos uma interlocução direta com o ministro Padilha. Fomos cobrados por ele em função das medidas adotadas.

O que o leva a considerar que o ministro Padilha é um superministro?

Ele tem um protagonismo de superministro. Uma de suas primeiras providências foi cortar o despacho direto da AGU com o presidente da República. Creio que seria importante restaurar esse diálogo direto, que sempre ocorreu, e espero que volte a ocorrer com a Ministra Grace.

Não sei qual foi o motivo, mas não tive acesso ao Presidente Temer por determinação do ministro Padilha. Nos bastidores, ele se movimenta como uma espécie de chefe dos demais ministros. Ao menos, essa parece ser a intenção dele.

O senhor afirmou que ninguém tem cheque em branco para governar. Quem trava essa autonomia? Por que?

O Estado Democrático de Direito e a Constituição impedem as autonomias e os espaços discricionários dos governantes. As instituições possuem poderes que decorrem das leis e das normas constitucionais.

O senhor acredita que a AGU precisa avisar que pedirá ao STF acesso aos inquéritos contra políticos para viabilizar ações de improbidade? Esse aviso sempre foi necessário?

Entendo que o titular da AGU não precisa avisar o presidente da República que acessará inquéritos contra políticos para ajuizar ações de improbidade. Da mesma forma, ao redigir uma inicial acusatória, a AGU não consultará o presidente a propósito da tipificação das condutas ou quem estará ou não no rol de acusados. Trata-se de matéria sujeita à autonomia técnica da AGU. Essa ideia de subordinação absoluta é antiquada, uma forma de coronelismo da política brasileira. 

O que o senhor pensa sobre os rumores de que o STF estaria alinhado com o governo de desacelerar as investigações da Lava Jato?

Não acredito nisso.

Está claro dentro do governo essa intenção de brecar as investigações?

Em relação a AGU, houve esse movimento, que poderá ser revertido. Basta que o governo sinalize com o acesso imediato aos inquéritos e demonstre intenção concreta de combater a corrupção. Daí a importância deste debate público.

Aliás, para que a AGU participe da agenda de acordos de leniência, é necessário que firme sua atribuição nas ações de improbidade administrativa.

Como o senhor enxerga esse pedido de Randolfe Rodrigues e Humberto Costa para que o senhor, Padilha e Grace deem explicações sobre a suposta iniciativa do governo de brecar as investigações? Acha que é uma manobra para atribuir a tese de golpe ao impeachment de Dilma?

O Parlamento é soberano para buscar explicações de quem quer que seja. Mas não haverá substrato para a tese de golpe, pois o processo de impeachment transcorreu dentro da legalidade.

O que aconteceu naquela suposta carteirada na FAB no início de sua gestão à frente da AGU? Acredita que desde aquela época sua relação com o governo começou a se desgastar?

Aquele episódio foi uma difamação. Nunca aconteceu. E foi um ataque, que partiu de dentro do próprio governo, como tentativa de desconstruir minha imagem, em decorrência do exercício das minhas funções.

O que foi determinante para que sua relação com o governo ficasse desgastada a ponto de desencadear na demissão?

Acredito que o exercício autônomo e independente das funções foi o fator determinante. O governo se deparou com um AGU que se revelou comprometido com uma pauta indigesta. Ao ajuizar ações de improbidade, e mostrar alinhamento com a força tarefa da Lava Jato em Curitiba, revelei uma faceta intolerável para uma parcela do governo.

Padilha foi seu padrinho na escolha para a AGU. De alguma maneira se sente traído por ele?

O ministro Padilha levou meu nome ao presidente Temer, tendo recebido indicações de grandes figuras do mundo jurídico. Não tenho filiação político partidária e ele conhece meu currículo. O que me surpreendeu no governo comandado pelo Padilha foi o método de desconstrução da honra das pessoas como forma de demissão. Antes de demitir alguém, parte-se para um processo difamatório na imprensa. Foi o que tentaram fazer comigo.

O motivo subjacente foi inicialmente o ajuizamento de uma ação contra poderosas empreiteiras. O segundo motivo foi o acesso a inquéritos da Lava Jato no STF. A desconstrução da reputação moral de autoridades é um método criminoso de ataque a quem exerce suas funções.

Após sua demissão, mantém o apoio ao impeachment de Dilma? Acredita que o processo é legítimo? Acredita que o relatório que o senhor fez defendendo a regularidade das chamadas “pedaladas fiscais” em 2015 pode ter contribuído para sua demissão?

O impeachment é legítimo e transcorreu dentro da lei. Nunca fiz relatório algum defendendo regularidade de pedaladas fiscais em 2015. Esta foi mais uma falácia divulgada na mídia para confundir a opinião pública.

Apenas fizemos um protocolo - autorizado pelo Planalto - com a ex-presidente Dilma, para lhe garantir direitos de defesa no TCU. Através desse protocolo, alguns órgãos do governo emitiram pareceres, que foram encaminhados ao TCU. Em momento algum, a AGU emitiu qualquer parecer defendendo pedaladas em minha gestão.

Como era o seu trânsito no Planalto? O senhor tinha fácil acesso ao presidente Temer?

Despachei poucas vezes com presidente Temer. Numa oportunidade, aliás, criou-se um incidente com o ministro Padilha, pois ele não gostou do fato de eu haver despachado direto com o presidente. Seguiu-se que Padilha cortou os despachos do AGU com o presidente. Pela primeira vez na história da instituição, o AGU não teve acesso ao presidente da república.

Como avalia cassação com margem expressiva de votos de Eduardo Cunha?

A leitura que eu faço é que a política é um ambiente muito volátil e de muitas traições. Já dizia José de Magalhães Pinto, a política é como a nuvem no céu, se movimentando a todo instante.

Cunha fala em abandono do governo. De alguma maneira, o senhor se identifica e também se sentiu abandonado após a demissão?

Não me sinto abandonado de maneira alguma. Entrei como um técnico, um advogado, e com apoio de instituições republicanas. Saio da mesma forma que entrei. Minha maior preocupação, ao exercer essa função, sempre foi com minha biografia e a coerência com os pilares do Estado Democrático de Direito.

Acredita que o governo tem que se preocupar com uma eventual delação de Cunha?

Não tenho condições de opinar sobre isso, pois desconheço os bastidores das relações subjacentes.

O senhor acredita que a reforma ministerial atingirá outras pastas? Quais?

Difícil saber. Mas tenho claro que um cargo de ministro de Estado é da confiança do presidente e que inclusive no meu caso poderia haver uma troca sem justificativa, ou apenas apoiado nas razões de gênero e tudo seria legítimo.

Quando apontei as autênticas razões, quis chamar um debate público sobre o futuro da AGU num tema importante, que é a Lava Jato. E acredito que uma crítica construtiva ao governo, nessa agenda anticorrupção, poderá ser útil para que o presidente Temer se firme e consolide um caminho de transição e desenvolvimento para o Brasil, sem amesquinhar uma instituição tão importante como a AGU.

Acredita que a base do governo está rachada ou a ponto de rachar?

Não tenho condições de avaliar essa questão do ponto de vista político.

O senhor acha que o governo conseguirá emplacar todas as medidas necessárias para estabelecer a retomada da economia? Medidas impopulares não dividirão a base?

Espero que consiga. O governo Temer deveria aproveitar sua condição de governo de transição para emplacar medidas impopulares e de longo prazo.

Como o senhor enxerga o eventual reajuste do STF? Acha que sai do papel?

O problema da remuneração do STF é o efeito cascata. Esse modelo constitucional gera enormes distorções. A remuneração das demais carreiras não deveria estar atrelada à remuneração dos Ministros dos tribunais superiores. A diferença entre salário de um juiz e de um ministro do STF é muito pequena.

O senhor acredita que, mesmo com Cármen Lúcia no comando do STF, a Corte vai desacelerar as investigações da Lava Jato?

Não acredito que haja essa desaceleração. O STF tem se revelado um Tribunal independente.

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