Equipe do Ibama é alvo de tiros perto de área indígena no Pará
Ninguém ficou ferido; garimpeiros, que se esconderam na mata com a chegada dos fiscais, não foram presos
Reuters
Publicado em 31 de agosto de 2019 às 11h45.
Última atualização em 31 de agosto de 2019 às 13h40.
Altamira, Pará/São Paulo - Uma equipe de fiscalização do Ibama foi alvo de tiros por parte de garimpeiros durante operação de fiscalização na sexta-feira, perto da Terra Indígena Ituna/Itatá, em Altamira, no Pará, e homens da Polícia Federal e da Força Nacional de Segurança Pública, que davam apoio à operação, revidaram.
Ninguém ficou ferido na troca de tiros, e os garimpeiros, que se esconderam na mata com a chegada dos fiscais, não foram presos. Os agentes do Ibama destruíram duas retroescavadeiras e três motores usados no garimpo, de acordo com Hugo Loss, coordenador do Ibama responsável pela operação, acompanhada por uma equipe da Reuters.
"Eles (garimpeiros) se esconderam no mato e dispararam contra a equipe", disse Loss à Reuters por telefone, acrescentando que o desmatamento tem aumentado significativamente na região, especialmente nessa reserva indígena que, de acordo com o coordenador, teve 10% de sua área desmatada somente neste ano.
Loss afirmou que um aumento expressivo da grilagem de terras na área indígena impulsionou a alta de desmatamento na reserva Ituna/Itatá que, segundo a Fundação Nacional do Índio (Funai), é destinada a índios isolados, engloba os municípios de Altamira, Anapu e Senador José Porfírio e ocupa uma área de 142.402 hectares.
De acordo com Loss, a demarcação dessa área foi uma das condicionantes para permitir a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. A reserva é de restrição de uso, o que significa que nenhuma atividade pode ser desenvolvida na região, e a demarcação visa proteger índios isolados, cujos sinais de presença foram detectados durante a construção da usina.
O garimpo, alvo da operação com troca de tiros nesta sexta, fica a cerca de 50 quilômetros da área indígena, disse o coordenador do Ibama.
"Essa demarcação da terra (Ituna/Itatá) é feita com base em um decreto presidencial. Com a alteração toda que houve na orientação da política ambiental, criou-se uma expectativa de regularização, de desregulamentação dessa terra, de desfazimento desse decreto", disse Loss.
"Então a grilagem aumentou muito forte lá dentro dessa expectativa. Isso causou o aumento drástico do desmatamento naquela área."
O presidente Jair Bolsonaro, que vem sofrendo pressão internacional por causa do aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia, é crítico ferrenho da demarcação de terras indígenas. Segundo ele, as demarcações visam "inviabilizar" o Brasil.
Bolsonaro, que já disse várias vezes que não assinará a demarcação de nenhuma nova área indígena em seu governo, defendeu na manhã de sexta-feira a revisão das demarcações já feitas, apontando suspeitas de fraudes, sem dar detalhes.
Apoio policial
Com a pressão internacional sobre o governo brasileiro por causa da Amazônia, Bolsonaro editou um decreto de garantia da lei e da ordem para que militares das Forças Armadas ajudem no combate às queimadas na floresta. O governo também enviou a Força Nacional de Segurança Pública para auxiliar no combate ao desmatamento.
Loss disse que, com essas duas medidas, as equipes de fiscalização do Ibama voltaram a ter condições de realizar operações no Pará. De acordo com o coordenador do Ibama, a Polícia Militar do Estado não vinha oferecendo apoio às equipes.
"Desde maio, a gente não tem apoio da Polícia Militar do Estado do Pará", disse Loss.
"Somente agora que o desmatamento e o fogo foram realmente reconhecidos como alarmantes, é que houve o decreto da GLO, e com isso a gente conseguiu condições para poder operar aqui nesta área", afirmou. "Nesta área a gente tinha operações programadas em junho e julho, mas a gente não conseguiu executar as operações nesta área em que a gente está hoje por falta de apoio."
Segundo o coordenador do Ibama, as autoridades paraenses alegavam que era necessário um acordo de cooperação técnica com o Ibama, que não foi assinado, para fornecer apoio às equipes.
"Mas esse acordo nunca foi necessário anteriormente. Os termos do acordo não evoluíram na negociação e assim a coisa foi ficando travada", disse Loss.
Procurada, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) negou, por meio da assessoria de imprensa, que a PM paraense tenha deixado de dar apoio às equipes de fiscalização do Ibama.
O órgão disse que, desde o início do ano, tem buscado fechar um termo de cooperação com o Ibama para dar respaldo jurídico aos policiais que dão apoio às operações, e que acordos deste tipo foram fechados com outros órgãos federais, como a Funai e o ICMBio. A secretaria ressalvou, no entanto, que a falta do termo não impediu a PM de dar apoio ao Ibama.
De acordo com nota da secretaria, nos dias 21 e 25 deste mês, as polícias civil e militar do Pará participaram, junto a outros órgãos como o Ibama, de operações que resultaram na apreensão de madeira, equipamentos usados no desmatamento, armas de fogo e na destruição de acampamentos clandestinos.
Documentos obtidos pela Reuters nesta semana mostraram que o Ibama alegou ao Ministério Público Federal (MPF) que não teve o respaldo necessário da Polícia Militar do Pará para evitar a realização no dia 10 de agosto do chamado "dia do fogo", quando foi registrado, segundo dados oficiais, um aumento no número de focos de incêndio no sudoeste paraense.
Na ocasião, a Segup disse em nota que mantinha o apoio às equipes de fiscalização e que "somente nos sete primeiros meses de 2019, mais de 70 fiscalizações foram deflagradas com a integração entre as instituições, o que será massificado durante o segundo semestre deste ano".
Em entrevista à Reuters nesta semana, o procurador da República, Ricardo Negrini, disse que os danos ambientais gerados pelo "dia do fogo" poderiam ter sido parcialmente evitados com um suporte policial para a ação que o Ibama pretendia fazer antes do ato.
O procurador disse ainda que, a despeito do suporte ou não da polícia nesse tipo de ação, os efetivos para operações de fiscalização de meio ambiente tanto no âmbito estadual como federal são insuficientes.