Ensino religioso pode promover religiões específicas, decide STF
A Corte determinou hoje que o ensino religioso confessional constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental
Estadão Conteúdo
Publicado em 27 de setembro de 2017 às 18h07.
Última atualização em 27 de setembro de 2017 às 18h11.
Brasília - Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal ( STF ) decidiu nesta quarta-feira, 27, que o ensino religioso ministrado em escolas públicas pode ser confessional, ou seja, pode promover crenças específicas.
Depois de quatro sessões dedicadas ao tema, a Corte concluiu o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2010.
O caso girou em torno de um acordo entre Brasil e o Vaticano, firmado na Cidade do Vaticano em novembro de 2008.
O decreto em questão, assinado pelo então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, promulga um acordo entre Brasil e o Vaticano, que afirma que o "ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas" constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.
Na avaliação da PGR, a redação evidencia a adoção de um ensino confessional, ou seja, com vinculação a certas religiões.
"Não vejo como se opor à laicidade a opção do legislador e não vejo contrariedade aqui que pudesse me levar a considerar inconstitucionais as normas questionadas", disse a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que desempatou o julgamento e definiu o resultado.
"Não vejo submissão do Estado à submissão de religião na norma. A pluralidade de crenças, a tolerância - que é princípio da Constituição Federal - combina-se com os dispositivos aqui atacados. Pode-se ter conteúdo confessional em matérias não obrigatórias nas escolas", concluiu a ministra.
Além de Cármen Lúcia, votaram a favor da possibilidade de o ensino religioso ser confessional - ou seja, vinculado a religiões específicas - os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes - coube a Moraes abrir a divergência no julgamento.
Em sentido divergente votaram o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, e os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Rosa Weber.
Questão
Para Celso de Mello, a fé é questão essencialmente privada no Estado laico.
"A laicidade do Estado envolve a pretensão republicana de delimitar espaços próprios e inconfundíveis para o poder político e a fé. O Estado laico não pode nem pode ter preferências de ordem confessional e não pode portanto interferir na esfera das escolhas religiosas. O Estado não tem nem pode ter interesses confessionais", sustentou Celso de Mello.
"Ninguém pode ser coagido a fazer parte de associação religiosa. Ninguém pode ser perguntado, indagado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, nem ser prejudicado por se recusar a responder. Ninguém é obrigado a indicar sua religião. Ninguém pode ser obrigado a prestar juramento religioso. Nesta República laica, o direito não se submete à religião", frisou Celso de Mello.
Na avaliação de Marco Aurélio Mello, a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais.
"Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões do Estado, devendo ficar circunscritas à esfera privada. A crença religiosa e espiritual - ou a falta dela, o ateísmo - serve precipuamente para ditar a conduta e a vida privada do cidadão que a possui ou não a possui. Paixões religiosas de toda ordem hão de ser colocadas à parte na condução do Estado", disse Marco Aurélio Mello na sessão desta quarta-feira.
"É tempo de atentar para o lugar da religião na sociedade brasileira. Esta, embora aspecto relevante da comunidade, digno de tutela na Constituição Federal, desenvolve-se no seio privado, no lar, na intimidade, nas escolas particulares. Nas públicas, espaço promovido pelo Estado para convívio democrático das diversas visões de mundo, deve prevalecer a ampla liberdade de pensamento, sem o direcionamento estatal a qualquer credo", completou Marco Aurélio Mello.
Modalidade
Para o ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, somente o modelo não confessional de ensino religioso nas escolas públicas seria compatível com o princípio de um Estado laico.
Nessa modalidade, explicou o ministro, a disciplina consiste na exposição neutra e objetiva de doutrinas, práticas, aspectos históricos e dimensões sociais das diferentes religiões.
A posição do ministro, no entanto, foi derrotada no julgamento concluído nesta quarta-feira.