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Empreendimento de luxo ameaça área de mata Atlântica em SP

Ação movida pelo Ministério Público de São Paulo, que contesta a regularidade das obras e alerta sobre prejuízos ambientais, o projeto prevê 50 edificações

Mata Atlântica (Maria Cristina Boscolo/Wikimedia Commons)

Mata Atlântica (Maria Cristina Boscolo/Wikimedia Commons)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 29 de novembro de 2020 às 21h30.

Uma área de 63,6 mil m² com resquícios de Mata Atlântica, o equivalente ao tamanho do Pacaembu, está prestes a se transformar em condomínio de luxo no Alto da Boa Vista, na zona sul da capital paulista. Após aval da Justiça de São Paulo, mas ainda sem julgamento de instância superior, a construtora Viver teria começado a derrubar árvores, segundo relatam moradores. Proprietária do terreno, a empresa nega e diz que a supressão da vegetação "foi suspensa voluntariamente pela incorporadora no dia 16 de novembro".

Chamado de Chácara Alfomares, o espaço abriga espelhos d'água e jardins projetados por Burle Marx, além de árvores nativas, algumas sob proteção ambiental, espécies frutíferas e eucaliptos. Os bosques servem de moradia a saguis, saruês e aves como tucanos, pica-paus e gaviões - até uma araponga, que aparece na lista vermelha de animais em extinção, teria sido avistada por lá recentemente.

A construtora Viver, a antiga InPar, pretende erguer um condomínio horizontal sobre a área. Segundo ação movida pelo Ministério Público de São Paulo (MPE-SP), que contesta a regularidade das obras e alerta sobre prejuízos ambientais, o projeto prevê 50 edificações, ao todo, além de um parque com acesso ao público no meio do empreendimento.

A disputa judicial pela construção do condomínio já se arrasta há mais de uma década e, hoje, conta com decisão favorável à empresa no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). Em 2004, a incorporadora conseguiu autorização da Prefeitura, à época sob a gestão Marta Suplicy (então no PT), para fazer o manejo das árvores e iniciar a construção das casas. As obras, no entanto, acabaram embargadas quatro anos depois, a pedido da promotoria do Meio Ambiente. A empresa também foi autuada na época.

Para o MPE-SP, a obtenção das licenças municipais teria sido fraudulenta, uma vez que a Viver dividiu o terreno em quatro lotes inferiores a 15 mil m², supostamente para escapar de exigências ambientais. Na visão da promotoria, o empreendimento implicaria "irrecuperável dano a bem comum de todos e maior degradação da qualidade ambiental da capital".

Inicialmente, o TJ-SP deu razão à denúncia, mas a Viver conseguiu reverter a sentença na segunda instância no fim de 2017. Para os desembargadores, "não ficou demonstrada irregularidade no procedimento administrativo" ou "caracterizada a hipótese de efetivo dano ao meio meio ambiente", já que mais de 15% da área seria preservada.

Moradores da região também se mobilizaram contra a derrubada de árvores e chegaram a realizar protestos. Um abaixo-assinado, contrário à "devastação" de mais de 2 mil árvores de Mata Atlântica e na Chácara Alfomares, reuniu mais de 24 mil assinaturas em uma semana. Eles alegam que a vegetação que havia sido destruída conseguiu se recuperar de 2008 para cá. "Há muitos impactos locais. É a real perda desse ecossistema, seja por beleza, fauna ou flora", afirma Guilherme Alves, presidente da Associação dos Amigos do Bairro Alto da Boa Vista (Sababv).

Impasse. Após a derrota em segunda instância, o MPE-SP apelou para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). O recurso tem parecer favorável do Ministério Público Federal (MPF), mas ainda não foi julgado em Brasília. Com a notícia de que a retirada da vegetação teria começado, a promotoria expediu ofício à Prefeitura e a à Secretaria do Meio Ambiente, solicitando informações na semana passada. "Não há decisão definitiva no caso, então o poder público, por todos os seus órgãos, deve atender aos princípios da prevenção e da precaução", diz o promotor Luís Roberto Proença.

Em janeiro, o juiz Josué Vilela Pimentel, da 8.ª Vara da Fazenda Pública do TJ-SP, determinou que a sentença da Justiça estadual fosse cumprida. Ele reforça no documento que, pelo acórdão, as autorizações da década passada continuam em vigor. "São válidos e vigentes todos os atos administrativos autorizadores da implementação do empreendimento, tal como vigiam no momento em que foi decretada a primeira suspensão de suas execuções", escreveu. "As regenerações ocorridas na vegetação existente no local decorreram unicamente da inércia que foi imposta aos exequentes. (...)."

A Viver afirma que "forneceu aos órgãos responsáveis toda a documentação aprovada relativa ao processo de supressão na região de Santo Amaro, em São Paulo". "Vale frisar que a atividade foi previamente aprovada pela Secretaria do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo", diz. "Todo o projeto vem sendo conduzido respeitando as legislações ambientais e com a consultoria de especialistas competentes."

Em segundo comunicado à reportagem, na semana passada, a incorporadora cita o mapa de zoneamento de São Paulo e diz que "a região em questão não é composta por vegetação preservada". Ainda assim, afirma a Viver, "a supressão de árvores no local, mencionada, embora aprovada por todos os órgãos competentes, foi suspensa voluntariamente em 16 de novembro". "Informamos também que mais de 20 mil m² de área verde foram doados ao Município, no qual desenvolvemos projeto para abertura de um parque público diz a nota. "A maior parte dos projetos de compensação liderados pela Viver Incorporadora já foram concluídos e demais serão finalizados até o término do projeto."

Revalidação de retirada

No dia 23 de outubro deste ano, a gestão Bruno Covas (PSDB) publicou a revalidação dos TCAs no Diário Oficial - o que, na prática, permite que a Viver remova novamente as árvores. Em nota, a Prefeitura afirma que o ato se deu em função da decisão judicial. Já a Viver também informou que mais de 20 mil m² de área verde foram doados ao Município - "nos quais desenvolvemos projeto para abertura de um parque público."

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