Bolsonaro e Mandetta durante entrevista coletiva sobre coronavírus (Adriano Machado/Reuters)
Reuters
Publicado em 29 de março de 2020 às 09h41.
Última atualização em 31 de março de 2020 às 19h43.
BRASÍLIA - A entrevista em que o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, endureceu o discurso pelo isolamento horizontal contra a disseminação do coronavírus e fez críticas diretas a posturas defendidas pelo presidente Jair Bolsonaro veio depois de uma reunião tensa no Palácio da Alvorada, na qual o ministro pediu que o presidente não diminuísse mais a gravidade da epidemia, disseram à Reuters duas fontes com conhecimento do encontro.
Na reunião, que teve a participação de outros ministros, Mandetta também avisou ao presidente que não defenderia o chamado isolamento vertical, que vem sendo apregoado por Bolsonaro como forma de reduzir o impacto econômico da pandemia.
"Foi uma reunião ríspida", disse uma das fontes. "Mandetta não abre mão do isolamento horizontal. Ele está pisando em ovos, mas algumas coisas ele não vai abrir mão. Vamos ver o que vai acontecer daqui para frente."
Na coletiva, Mandetta disse que sua atuação será guiada pela ciência e defendeu que as pessoas fiquem em casa.
"Ainda não dá para falar: 'Libera todo mundo para sair', porque a gente não está conseguindo chegar com o equipamento, como a gente precisa”, afirmou o ministro na entrevista. "Se sair andando todo mundo de uma vez, vai faltar (o atendimento) para rico e pobre."
Mandetta ainda criticou as carreatas pela abertura do comércio, marcadas em várias cidades e que chegaram a ter vídeos compartilhados pelo próprio presidente e seus filhos, e disse que o medicamento cloroquina, defendido por Bolsonaro como solução para a epidemia, não é uma panaceia e pode ser tóxico.
Bolsonaro tem defendido um abrandamento das medidas de restrição à circulação adotadas por prefeitos e governadores, apontando a necessidade de se deixar o isolamento horizontal, vigente em várias cidades, e passar a usar o vertical, no qual somente idosos e pessoas com doenças pré-existentes ficariam isoladas, liberando as demais para voltar ao trabalho e estudantes para voltarem às escolas.
De acordo com uma segunda fonte, Mandetta foi para a entrevista convencido da necessidade de ser claro na sua posição em defesa do isolamento, porque as falas do presidente --e sua própria tentativa, essa semana, de contemporizar-- estavam levando ao crescimento de movimentos para acabar com a contenção da circulação de pessoas quando o sistema não está preparado para um pico da epidemia.
A conversa com Bolsonaro, no entanto, não foi amigável. O ministro pediu ao presidente para controlar o discurso e evitar incentivar o fim do isolamento, o que Bolsonaro não recebeu bem.
No encontro no Palácio da Alvorada estavam, além de Mandetta, os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, da Justiça, Sergio Moro, da Defesa, Fernando Azevedo, da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, da Advocacia-Geral da União, André Almeida, e o presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres.
Parte dos ministros cobrou do presidente uma unificação do discurso do governo, que depois do pronunciamento da semana passada alimentou a rede bolsonarista, mas também foi extremamente criticado pela sociedade, incluindo governadores, prefeitos e parlamentares.
Nesse ponto, Mandetta deixou claro que iria se pautar, como tem dito, pela saúde, e não defenderia a liberação agora do comércio, como tem feito Bolsonaro.
Do grupo que estava na reunião no Alvorada, Mandetta teve o apoio dos ministros civis --Moro, Marinho, Jorge Oliveira-- e do general Braga Netto, o que lhe deu peso na discussão. "Não foi uma conversa fácil", disse uma das fontes.
As duas fontes confirmam que não está nos planos do ministro pedir demissão, nem de ninguém da sua equipe. Na entrevista, Mandetta afirmou: "Volto a repetir: vou ficar aqui junto com vocês enquanto o presidente permitir, enquanto eu tiver saúde... ou até a hora que não for mais necessário ficarmos aqui."
No Palácio do Planalto, a avaliação essa semana era de que a saída de Mandetta nesse momento faria mal para o governo, mas não se sabe qual será a reação de Bolsonaro daqui para frente.
"Depende de qual será a reação do presidente ao se sentir confrontado", disse uma das fontes. "Ele (Mandetta) está pisando em ovos. Vai ter que ter muita habilidade", disse a segunda fonte.
Em um ponto os ministros reunidos com o presidente neste sábado prevaleceram: ele desistiu de fazer um novo pronunciamento, como havia anunciado em entrevista na sexta-feira.
Bolsonaro havia dito que planejava uma segunda fala esse final de semana para, segundo ele, dizer "a verdade". Foi convencido de que não era um bom momento.
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